O vírus não tem classe. Suas vítimas, sim

Elio Gaspari, em sua coluna de hoje, na Folha e em O Globo, publica um avassalador artigo-reportagem, dando conta de que, à beira da explosão da pandemia do novo coronavírus, há nada em matéria de providências para que se cumpram os mandamentos constitucionais sobre o “acesso gratuito e universal à saúde”( Art. 196) e a participação das instituições privadas de “forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste”.

Vale a reprodução, é questão do mais alto interesse público:

A fila única para a Covid-19 está na mesa

Elio Gaspari

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto defendeu a instituição de uma fila única para o atendimento de pacientes de Covid-19 em hospitais públicos e privados. Nas suas palavras: “Dói, mas tem que fazer. Porque se não brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar. Não tem cabimento isso”.

Ex-diretor da Agência de Vigilância Sanitária e ex-superintendente do hospital Sírio Libanês, Vecina tem autoridade para dizer o que disse. A fila única não é uma ideia só dele. Foi proposta no início de abril por grupos de estudo das universidades de São Paulo e Federal do Rio.

Na quarta-feira (29), o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, enviou ao ministro Nelson Teich e aos secretários estaduais de Saúde sua Recomendação 26, para que assumam a coordenação “da alocação dos recursos assistenciais existentes, incluindo leitos hospitalares de propriedade de particulares, requisitando seu uso quando necessário, e regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso”.

Por quê? Porque a rede privada tem 15.898 leitos de UTIs, com ociosidade de 50%, e a rede pública tem 14.876 e está a um passo do colapso.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (ex-diretor de uma Unimed) jamais tocou no assunto. Seu sucessor, Nelson Teich (cuja indicação para a pasta foi cabalada por agentes do baronato) também não. Depois da recomendação do conselho, quatro guildas da medicina privada saíram do silêncio, condenaram a ideia e apresentaram quatro propostas alternativas. Uma delas, a testagem da população, é risível e duas são dilatórias (a construção de hospitais de campanha e a publicação de editais para a contratação de leitos e serviços). A quarta vem a ser boa ideia: a revitalização de leitos públicos. Poderia ter sido oferecida em março.

Desde o início da epidemia os barões da medicina privada mantiveram-se em virótico silêncio. Eles viviam no mundo encantado da saúde de grife, contratando médicos renomados como se fossem jogadores de futebol, inaugurando hospitais com hotelarias estreladas e atendendo clientes de planos de saúde bilionários. Veio a Covid-19, e descobriram-se num país com 40 milhões de invisíveis e 12 milhões de desempregados.

Se o vírus tivesse sido enfrentado com a energia da Nova Zelândia, o silêncio teria sido eficaz. Como isso era impossível, acordaram no Brasil, com 90 mil infectados e mais de 6.000 mortos.

A Agência Nacional de Saúde ofereceu aos planos de saúde acesso ao recursos de um fundo se elas aceitassem atender (até julho) clientes inadimplentes. Nem pensar. Dos 780 planos só 9 aderiram.

A Covid-19 jogou o sistema de saúde brasileiro na arapuca daquele navio cujo nome não deve ser pronunciado (com Leonardo DiCaprio estrelando o filme). O transatlântico tinha 2.200 passageiros, mas nos seus botes salva-vidas só cabiam 1.200 pessoas. 34% dos homens da primeira classe salvaram-se.

Na terceira classe, só 12%.

Fernando Brito:

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  • Deveria ter fila única sim, mas só pros menos favorecidos. Que são 90 % da população brasileira.
    O RESTO que se FODAM !
    Foram esses mesmos CANALHAS que CONTAMINARAM o Brasil !

  • Se colar essa fila única, esses canalhas vão parar de fazer carreatas para que os trabalhadores que os sustentam se arrisquem. Contam com atendimento garantido no particular. Para eles a fila fará cair a mâscara da canalhice. É porão máscara protetora.

    • Não se iluda. Se houver qualquer tentativa de estabelecimento de controle centralizado das vagas hospitalares privadas, eles não vão por máscara coisa nenhuma, vão começar a usar seus seguranças armados para proteger seus "direitos à propriedade". À bala, se necessário. Esta gente não aceitará jamais ser colocada na mesma fila que todos os demais, pela simples razão que se vêem acima e além de toda a ralé que só serve para alugar força de trabalho. Nem precisará faltar vaga para algum magano, a simples ousadia de colocá-los na mesma condição de espera dos demais já bastará para desencadear sua revolta. Já vemos isto hoje, nos hospitais públicos, quando o "classe média alta" chega para ser atendido, ele reclama desde a entrada de tudo ao redor e exige ser atendido prioritariamente, em nome do "respeito aos direitos de quem paga impostos". É o velho complexo de aristocrata que rege o comportamento desta gente.

  • É incrível como nos comportamos com a dignidade e a passividade daqueles músicos do filme Titanic que enquanto viam o triste espetáculo do salve-se quem puder continuamos tocando nossas vidas como se não tratasse de um terrível e monstruoso desastre.

  • Vai chegar a hora que multidões de pobres rotos e doentes vão invadir e ocupar os locais de luxo, mansões, clubes, restaurantes e hotéis que são refúgio da elite. Milhares de pobres. Num turbilhão humano impensável.

    Vão se aproximar perigosamente das madames cheirosas e de seus peitos siliconados. Vão abraçar ostensivamente senhoras penteadas e esticadas a botox. Vão postar-se excessivamente próximo aos garotos bombados de bochechas vermelhas.

    ... e vão contaminar todo mundo!

  • Vai chegar a hora que multidões de pobres rotos e doentes vão invadir e ocupar os locais de luxo, mansões, clubes, restaurantes e hotéis que são refúgio da elite. Milhares de pobres. Num turbilhão humano impensável.

    Vão se aproximar perigosamente das madames cheirosas e de seus peitos siliconados. Vão abraçar ostensivamente senhoras penteadas e esticadas a botox. Vão postar-se excessivamente próximo aos garotos bombados de bochechas vermelhas.

    ... e vão contaminar todo mundo!

  • A "EXPLOSÃO" foi prometida para primeira quinzena de Abril, depois foi prorrogada para o final de Abril e agora estamos aguardando ela em maio, que por sinal já começou.
    Talvez um dia as profecias se confirmem.

  • A soluçao a medio prazo e criar um curso de medicina comunitaria onde podendo atender a 90% da demanda ele seja ligado a uma organizaçao q sirva em todo pais como se fosse uma carreira onde vai galgando postos dentro da carreira auferindo vantagens e se aperfeiçoando em setores como epidemiologia adminstraçao hospitalar etc e so quem fizer este curso tem acesso a esta carreira sendo vinculado a necessidade como um batalhao de pronto emprego deslocado conforme a necessidade como militar.

  • A soluçao a medio prazo e criar um curso de medicina comunitaria onde podendo atender a 90% da demanda ele seja ligado a uma organizaçao q sirva em todo pais como se fosse uma carreira onde vai galgando postos dentro da carreira auferindo vantagens e se aperfeiçoando em setores como epidemiologia adminstraçao hospitalar etc e so quem fizer este curso tem acesso a esta carreira sendo vinculado a necessidade como um batalhao de pronto emprego deslocado conforme a necessidade como militar.

  • Ora, ora... claro que tem classe sim!
    Os milionários enclausuraram-se em ilhas, iates, navios, e vilas riquíssimos e serão pouco afetados!
    Depois, calmamente vão aproveitar a miséria para enriquecerem ainda mais...
    Certos diletantismos e utopias são vãos!
    O caos bosossáurico está chegando...

    • Sim, eles se enclausuram. Pensam que sua carta de impunidade é extensiva ao vírus. Mas são tão estúpidos que tentam abrir shoppings achando que com isso vão ativar a economia. Tudo indica que eles, os milionários, não fazem a mínima ideia do alcance dessa pandemia. Os do Brasil, então, ao que parece, são tão desfavorecidos de inteligência que até acreditam mesmo que o Guedes seja o dernier cri da ciência econômica, e que o PT seja comunista. E assim, perdem a última chance de construir no Brasil um capitalismo viável e socialmente equilibrado. São loucos. O PT é a última chance da burguesia nacional, e ela não percebe isso.

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