Os elogios de Mario Vargas Llosa a Pepe Mujica

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Mario Vargas Llosa, grande escritor peruano, prêmio Nobel de literatura, é um neoliberal. No entanto, seguindo o caminho oposto de tantos ex-comunistas brasileiros, nos últimos tempos Llosa tem adernado suavemente à esquerda. Tem feito críticas contundentes aos Estados Unidos e elogios a alguns governos progressistas da América Latina.

A gente não reclama tanto dos esquerdistas que se inclinam à direita com o passar do tempo? Então devemos elogiar quando acontece o contrário: quando direitistas admitem o valor de políticas públicas voltadas para os mais pobres e elogiam soluções criativas que enfrentam o status quo.

Llosa nos informa que o Uruguai foi considerado, pela The Economist, “o país do ano”.

O escritor deixa claro sua posição política, fundamentalmente anticomunista; por isso mesmo é interessante testemunhar a sua sinceridade quando rasga elogios entusiásticos ao presidente do Uruguai, Pepe Mujica, um velho comunista corajoso e democrático.

Além disso, Pepe Mujica é coisa nossa. Ascendeu ao poder na onda lulista que varreu toda a América Latina. Os elogios que recebe de um analista tão refinado, apesar de conservador, como Mario Vargas Llosa, são elogios, portanto, a todo o continente, e uma prova de que algumas políticas públicas conseguem ser tão inteligentes que tem o poder de conquistar cidadãos com diferentes visões de mundo.

A esquerda latino-americana vem ganhando um prestígio internacional cada vez maior, porque o mundo está vendo que é aqui, ao sul do Rio Grande, que temos conseguido conciliar valores democráticos, ideais de transformação social, políticas públicas concretas em favor dos mais pobres, e avanços progressistas no campo das liberdades civis e dos costumes.

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O exemplo uruguaio

29 de dezembro de 2013 | 2h 01

MARIO VARGAS LLOSA – O Estado de S.Paulo

Foi muito feliz a revista The Economist ao declarar o Uruguai “o país do ano” e qualificar como admiráveis as duas reformas liberais mais radicais tomadas em 2013 pelo governo do presidente José Mujica: o casamento gay e a legalização e regulamentação da produção, venda e consumo de maconha.

É extraordinário que ambas as medidas, inspiradas na cultura da liberdade, tenham sido adotadas pelo governo de um movimento que, originalmente, não acreditava na democracia, mas na revolução marxista-leninista e no modelo cubano de autoritarismo vertical e de partido único. Desde que subiu ao poder, o presidente Mujica, que em sua juventude foi um guerrilheiro tupamaro, assaltou bancos e passou muitos anos na cadeia, onde foi torturado durante a ditadura militar, tem respeitado escrupulosamente as instituições democráticas – a liberdade da imprensa, a independência dos poderes, a coexistência de partidos políticos e eleições livres – assim como a economia de mercado, a propriedade privada, estimulando os investimentos estrangeiros.

A política desse simpático velhinho estadista, que fala com uma sinceridade insólita num governante, embora isso signifique equivocar-se de vez em quando, vive de maneira muito modesta em sua chácara nos arredores de Montevidéu, e viaja em classe econômica, conferiu ao Uruguai uma imagem de país estável, moderno, livre e seguro, o que lhe permitiu crescer economicamente e avançar na justiça social, estendendo os benefícios da liberdade em todos os campos, e vencendo as pressões de uma minoria recalcitrante da coalizão.

É preciso lembrar que o Uruguai, diferentemente da maior parte dos países latino-americanos, cultiva uma antiga e sólida tradição democrática, a ponto de, quando eu era criança, o pais oriental ser chamado de “a Suíça da América” em razão da força de sua sociedade civil, da firmeza da legalidade e de suas Forças Armadas respeitadoras de governos constitucionais. Além disso, principalmente depois das reformas do “battlismo”, que reforçaram o secularismo e criaram uma poderosa classe média, a sociedade uruguaia tinha uma educação de primeiro nível, uma vida cultural muito rica e um civismo equilibrado e harmonioso, invejado por todo o continente.

Lembro de como fiquei impressionado ao conhecer o Uruguai em meados dos anos 60. Um país onde as diferenças econômicas e sociais eram muito menos cruas e extremas do que no restante da América Latina, e no qual a qualidade da imprensa escrita e radiofônica, seus teatros, livrarias, o alto nível do debate político, sua vida universitária, artistas e escritores – e principalmente, o punhado de críticos e a influência que eles exerciam – e a liberdade irrestrita que se respirava em toda parte o aproximavam muito mais aos países europeus mais avançados do que aos seus vizinhos, não parecia um dos nossos. Ali descobri o semanário Marcha, uma das melhores revistas que conheci, e que se tornou para mim desde então uma leitura obrigatória para me pôr a par do que acontecia em toda a América Latina.

Sombras. Entretanto, essa sociedade que dava ao forasteiro a impressão de estar se afastando cada vez mais do Terceiro Mundo e a se aproximar do Primeiro, já naquele tempo começava a deteriorar-se. Porque, apesar de tudo o que de bom acontecia ali, muitos jovens, e alguns não tão jovens, sucumbiam ao fascínio da utopia revolucionária e iniciavam, segundo o modelo cubano, as ações violentas que destruiriam a “democracia burguesa” para substituí-la, não pelo paraíso socialista, mas por uma ditadura militar de direita que lotou os presídios de presos políticos, praticou a tortura e obrigou muitos milhares a se exilar.

A fuga de talentos e dos melhores profissionais, artistas e intelectuais do Uruguai naqueles anos foi proporcionalmente uma das mais cruciais que um país latino-americano jamais experimentou ao longo da história. Entretanto, a tradição democrática e a cultura da legalidade e da liberdade não se eclipsou totalmente naqueles anos de terror. Com a queda da ditadura e o restabelecimento da vida democrática, floresceria novamente, com maior vigor e, diria até, com uma experiência acumulada que educou tanto a direita quanto a esquerda, vacinando-as contra as ilusões de violência do passado.

De outro modo, não teria sido possível que a esquerda radical, que com a Frente Ampla e os tupamaros chegasse ao poder, desse mostras, desde o primeiro momento, de um pragmatismo e espírito realista que permitiu a convivência na diversidade e aprofundou a democracia uruguaia em lugar de pervertê-la. Esse perfil democrático e liberal explica a valentia com que o governo do presidente Mujica autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e converteu o Uruguai no primeiro país do mundo a mudar radicalmente sua política frente ao problema da droga, crucial em toda parte, mas particularmente agudo na América Latina. Trata-se de duas reformas muito profundas e de amplo alcance que, segundo as palavras da Economist, “podem beneficiar o mundo inteiro”.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo tende a combater um preconceito estúpido e a reparar uma injustiça em razão da qual milhões de pessoas padeceram (e continuam padecendo na atualidade) injustiças e discriminação sistemática, desde a fogueira da inquisição até o cárcere, a perseguição, a marginalização social e violações de toda ordem.

Em relação às drogas, predomina ainda no mundo a ideia de que a repressão é a melhor maneira de enfrentar o problema, embora a experiência tenha demonstrado até o cansaço, que, apesar da enormidade de recursos e esforços investidos em reprimi-la, sua fabricação e consumo continuam aumentando em toda parte, engordando as máfias e a criminalidade associada ao narcotráfico. Nos nossos dias, esse é o principal fator da corrupção que ameaça as novas e antigas democracias e vai enchendo as cidades da América Latina de pistoleiros e cadáveres.

Será bem-sucedida a corajosa experiência uruguaia da legalização da produção e consumo da maconha? Seria muito mais, sem dúvida nenhuma, se a medida não fosse restrita a um único país (e não fosse tão estatista), mas compreendesse um acordo internacional do qual participassem tanto os países produtores como os consumidores. Mas, mesmo assim, a medida afetará os traficantes e portanto a criminalidade derivada do consumo ilegal, e demonstrará com o tempo que a legalização não aumenta notoriamente o consumo, apenas num primeiro momento, embora, desaparecido o tabu que costuma prestigiar a droga junto aos jovens, tenda a reduzi-lo.

O importante é que a legalização seja acompanhada de campanhas educativas – como as que combatem o tabagismo ou explicam os efeitos prejudiciais do álcool – e de reabilitação, de modo que quem fuma maconha o faça com perfeita consciência dos que fazem, como ocorre hoje em dia, os que fumam tabaco ou bebem álcool. A liberdade tem seus riscos, e os que creem nela devem estar dispostos a corrê-los em todos os campos, não apenas no cultural, no religioso e no político. Foi o que entendeu o governo uruguaio, e devemos aplaudi-lo por isto. Esperemos que outros aprendam a lição e sigam seu exemplo. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

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9 respostas

  1. O Mario elogia o Mujica porque este, aos olhos da direita, se tornou um esquerda “cheiroso”, senão vejamos as entrelinhas.

    “esse simpático velhinho estadista” leia-se “inofensivo, deixou de ser perigoso”.

    “tem respeitado escrupulosamente … a liberdade da imprensa … assim como a economia de mercado, a propriedade privada … Esperemos que outros aprendam a lição e sigam seu exemplo.” leia-se “quase um neoliberal, então vamos usá-lo como contraponto ao chavismo, lulodilmismo, evismo, kirchnerismo, rafaelismo, etc”.

    Prezados Miguel do Rosário e Fernando Brito, tenho grande respeito e admiração por vocês, mas, data venia, sem tirar os grandes méritos do Mujica, se a Economist gostou então fico com o pé atrás.

    Feliz 2014!

  2. ainda bem que reconheceu, magnânimamente, que ha esquerdos “bons”, democratas, nao totalitarios (sic) e inofensivos…

    Mas é estupido, no fundo, elogiar o secundario – porque o leão não poderoso por causa da juba nem o tigre pelas belas manchas.
    Enfim, mario, en nuestra america tu e teu mercado estao sendo derrotados.

  3. é… quando se trata da erva, a resposta certa é: maconheiros de todo mundo uni-vos! a droga unifica por baixo as aspirações humanas. o que isto significa?? nada, só conversa de maluco mesmo!

  4. Senhor revisor, por favor, tire a crase no título do post….
    Quanto à erva, drogado entra nessa por opção. Quero mantido meu direito a não me drogar por tabela, se deixarem essa turma queimando fumo onde bem entenderem e jogando a descarga do seu vício na nossa cara…Abçs

  5. Não conheço bem a História do Uruguay e como se deu a DITADURA por lá, mas me custa crer que um povo tão ‘feliz’, como Lhosa descreve nos idos dos 60, tenha lutado para se impôr uma sangrenta DITADURA MILITAR … Em todo o caso, o reconhecimento de Lhosa tem um grande significado. Os DIREITOPATAS estão percebendo que a DROGA, como o AR e ÁGUA, não tem como ser proibida. A Realidade não basta para o homem por isso ele cria a religião e a metafísica, e se droga. O que nos resta é respirar o ar e beber a águas tão limpas quanto possíveis. SEM PROIBIÇÂO, COM MUITA EDUCAÇÂO e SEM NENHUM TRÀFICO. VIVA LOS HERMANOS URUGUAYOS !! VIVA MUJICA !!

    “ANOS tuKKKânus LEWINSKYânus NUNCA MAIS !!! NO PASSARÁN !! VIVA GENOÍNO !! VIVA ZÈ DIRCEU !! VIVA A LIBERDADE, A DEMOCRACIA E A LEGALIDADE !! VIVA LULA !! VIVA DILMA !! VIVA O PT !! VIVA O BRASIL SOBERANO !! LIBERDADE PARA JULIAN ASSANGE, BRADLEY MANNING E EDWARD SNOWDEN JÁ !! FORA YOANI e MÉDICOS COXINHAS !! ABAIXO A DITADURA DO STF DE 4 PARA A GLOBO !! ABAIXO A GRANDE MÍDIA CORPORATIVA, SEU DEUS ‘MERCADO’ & TODOS OS SEUS LACAIOS & ASSECLAS !! CPI DA PRIVATARIA TUCANA, JÁ !! LEI DE MÍDIAS, JÁ !! “O BRASIL PARA TODOS não passa no SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO – O que passa SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

  6. Se The Economist e Lhosa, elogiam, devemos por as barbas de molho. A impressão que fica é de que se pretende criar um contraponto aos “loucos desvairados” demais presidentes de países sulamericanos. Quem já assistiu Mujica, deve ter percebido que ele tem muitas idéias boas, mas às vezes prega o simplismo. Lhosa chega a afirmar que as Forças Armadas do Uruguai sempre respeitaram a Democracia. E os anos de ditadura? Talvez o Uruguai não tenha que se preocupar, como os demais países sulamericanos, principalmente, Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia e Ecuador, com sua soberania. Talvez…

    1. Tem razão. Eu amo o Uruguai desde antes do Mujica, mas… convenhamos, não dá pra levar fé em neoliberal de jeito nenhum. Nem quando escorado – convenientemente – no grande Mujica.

  7. Putz! É a justificativa mais tosca que eu já encontrei para a implantação da ditadura militar no Uruguai. Mas os elogios a Mujica são merecidos.

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