Pesquisa do PT, surpresa só quem não ouve o povo. Por Nílson Lage

desenrola

A Fundação Perseu Abramo interrogou  trabalhadores que ganham de um a cinco salários mínimos na periferia da cidade de São Paulo para saber o que pensam da sociedade, da economia e da política. A primeira conclusão da pesquisa qualitativa publicada esta semana é simples: o povo é esperto.  A segunda é polêmica: os intelectuais – pelo menos os que analisam pesquisas qualitativas – não são tanto…

O que os entrevistados disseram é mais ou menos o que pensam os brasileiros nessa faixa de renda em qualquer lugar, a começar pelo óbvio: discutem principalmente o que aparece na mídia – TV, rádio, jornal; temem quebras da normalidade social e o caos;   e acreditam que maior escolaridade dá acesso a  empregos melhores.

O povo, mostra a pesquisa, considera a família “base da vida social” e, portanto, abomina tudo que a ameace, mas é contra as discriminações negativas (contra mulheres ou orientações sexuais) ou positivas (como quotas em concursos que, a seu ver, desvalorizam o beneficiado).  Da mesma forma, causou rebuliço a prioridade dada à posse de bens duráveis, como a casa própria, e à educação, (do trabalhador mesmo e dos filhos) sobre outros objetivos considerados mais amplos.

Os intelectuais sabem, com a certeza das estatísticas, que a divisão de classes cria enorme barreira à ascensão social  e se escandalizam porque os trabalhadores, embora reconheçam que a sociedade oferece oportunidades desiguais, julgam possível superar esse obstáculo “com trabalho e esforço”.

O escândalo resulta de dupla incompreensão: primeiro, os horizontes de ascensão de quem ganha pouco e vive na periferia são distintos daqueles de cidadãos com rendas maiores e perspectivas culturais  amplas. Segundo, a aceitação da impossibilidade de progredir na pirâmide social levaria, principalmente os jovens, ao conformismo, à depressão, ou ao crime – exatamente o que precisam evitar.

Os entrevistados entendem que a escola particular é melhor do que a escola pública porque, no contexto em que vivem, certamente é assim, Não apenas pelas deficiências reconhecíveis – “é pouco atraente, não motiva, é mecânica”.; mas por outras razões que não conseguem explicitar: o ensino público, quando nivelado por baixo,  não reconhece vocações e a individualidade dos alunos, mesmo nas séries avançadas do ensino básico, porque é concebido segundo uma visão pedagógica antiga e estreita . Um sistema de ensino bem projetado deve ser estimulantes, oferecer oportunidades à realização de talentos e ao cultivo das habilidades pessoais.  A boa escola não é linear: é lugar de diálogo e convívio entre diferentes.

A principal contradição nas análises publicadas é que a Fundação Perseu Abramo vincula-se ao PT, um partido que sempre valorizou em seu discurso a posse de bens como signo de ascensão social e semeou pelo país as escolas técnicas federais, uma das poucas vias de ascensão social oferecidas no ensino público. Deveria avaliar positivamente os resultados e orientar-se por eles..

 

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