A decisão do Ministro Guido Mantega de zerar a alíquota do Imposto Sobre Operações Financeiras para investimentos estrangeiros em renda fixa em ações pode ter sido necessária, diante da inversão do fluxo de capitais para o Brasil.
E não é só nas aplicações em renda fixa, mas também nos valores em Bolsa: em maio, registrou-se, depois de meses de saldo positivo, uma saída de R$ 1,16 bilhão da Bovespa.
Nada assustador, pois o saldo no ano segue positivo em mais de R$ 8 bilhões. E só os lançamentos de ações atraíram US$ 6,5 bilhões este ano para o mercado de país, pouco menos da metade desse valor proveniente de investidores externos.
Mas isso tem pouca influência – exceto em movimentos pontuais – sobre as pressões do câmbio.
Estas pressões vêm dos sinais cada vez mais intensos de que o Federal Reserve pode reduzir, em breve, o expansionismo monetário que realiza desde a criação do “Quantitative Easing”, um programa de injeção de liquidez no mercado dos EUA.
Ontem, uma dirigente do Banco Central do Kansas, que tem assento no “Copom” americano, falou que os mercados “estão viciados em dinheiro barato”. Também ontem se confirmaram os indicadores de recuperação do consumo americano, que resultou num déficit comercial 8,5% maior em abril, comparado a maio.
Mesmo que não faça uma elevação de juros, o Banco Central americano vai endurecer – ou parar de afrouxar – a expansão monetária por lá.
É isso, e não o pequeno terrorismo econômico brasileiro, que interfere no fluxo de dólares.
Mas, então, como responder a isso?
Bem, não vai ser pelas fórmulas ortodoxas que sempre se praticaram aqui e que, a rigor, só foram rompidas em 2009, quando nos atrevemos a enfrentar a crise apelando para o potencial econômico do povo brasileiro.
Domingo, no Estadão, o professor Amir Kayr já apontava a necessidade de agir não como deseja o mercado, ou de forma errática, com medidas pontuais.
No artigo “Chega de ficar parado!“, Kayr coloca o dedo na ferida:
“A política econômica deve seguir um plano estratégico que parta do potencial que o País possui, que é seu imenso mercado interno, indústria e serviços diversificada e posição forte na produção de alimentos e de commodities metálicas.
Esse potencial está sendo pouco explorado. O mercado interno permite um nível de consumo bem acima do atual, pois, para adquirir bens, as pessoas têm de pagar um sobrepreço elevado (a parcela de juros embutida no valor a ser adquirido). Esse sobrepreço existe em todo o mundo e é de cerca de 10% nos países emergentes e de 3% nos países desenvolvidos. Aqui é de 90% (!). Esse é o freio que inibe o consumo. Se não for retirado, será impossível explorar o potencial que o mercado interno possui.”
Consumo, prossegue, se consegue com salário e crédito. A expansão da massa salarial perdeu força e o crédito “tem péssima qualidade devido às taxas de juros abusivas ao consumidor e às empresas.”
Uma e outro pioram com a decisão do BC de subir os juros. Mais recursos públicos que poderiam ser carreados para programas de transferência de renda vão para a conta financeira e o crédito, que já é dependente dos bancos públicos, ficará mais caro e difícil.
Kayr faz uma defesa explícita de menos “pavor” com o câmbio e a inflação. O primeiro significa a oportunidade de voltar a buscar mercado no mundo. A elevação de preços, diz ele, já tinha amainado e não tem espaço para subir muito num mundo onde inflação não é a tônica dos mercados.
O professor pode ser duro, porque no campo teórico as coisas são sempre bem mais simples que na administração da economia. Mas tem toda a razão no rumo que aponta, porque estamos, muito mais do que caminhando no rumo traçado, respondendo às pressões dos agentes do mundo das finanças: bancos, fundos, mídia…
E deixando em segundo plano o imenso poder do grande e verdadeiro poder da economia: a sociedade formada não mais por 25 ou 30% dos brasileiros, mas pela imensa maioria dos 200 milhões de cidadãos deste país.