Até pouco tempo atrás, contavam-se as gerações com intervalos de 20 anos.
Hoje, a velocidade do desenvolvimento tecnológico fez cair para 10 anos este tempo e os analistas de comportamento – nada desinteressados, porque funcionam para o mercado e o consumo – já classificam em X, Y, Z e até W as sucessivas camadas da população, segundo a sua idade.
Não é uma invenção vinda do nada, o mundo sempre teve camadas geracionais sucessivas e, em geral, mais abertas e progressistas. Mas isso é uma tendência, não uma regra imutável.
Em mim, não resta nenhuma dúvida que minha geração tem parte da culpa por estarmos assistindo uma escalada direitista na juventude brasileira.
Nós, que fomos parte do combate ideológico entre capitalismo e socialismo, na segunda metade do século 20, deixamo-nos, em parte, sucumbir pelo “fim da História” com que Francis Fukuyama, em nome do neoliberalismo, batizou o fim da polarização que, desde a Segunda Guerra, dominou o pensamento mundial.
Pareceu – e foi – o que abriu caminho para a ascensão ao poder de ideias progressistas que dele haviam sido apeadas à força, quarenta anos antes.
Mas foi, para os que não tinham a História nas retinas, uma oportunidade de não nos conhecer como uma geração combativa, lutadora, contestadora.
O “Lulinha Paz e Amor”, o “País de Todos” nos apascentaram como carneiros, nós que rugíamos como leões do inconformismo.
E isso nos fragilizou, porque o avanço não é, jamais, um processo consensual, mas um confronto.
Isso, antes de ser uma acusação, é também um mea-culpa. Em meio a essa maré, todos nós somos mais ou menos arrastados.
Os acontecimentos nos advertiram, uma vez, e soubemos reagir. Em 2005, quando tudo parecia ir abaixo, Lula teve a sensibilidade inata dos líderes e foi buscar na memória nacionalista da população as forças para reagir. Parece incrível que fossemos ser derrotados por uma figura insossa e inexpressiva como Geraldo Alckmin, mas seria esse o nosso destino se não buscassemos a lucidez profunda, submersa, que anima as coletividades humanas e que dá sentido à palavra povo.
Mas o processo de acomodação – que é o mais fácil e e ao qual naturalmente nos conduzem o tempo e as posições de mando – foi retomado e de novo reduzimos a luta de libertação do povo brasileiro a uma questão gerencial.
E ela é de política e de confronto com as forças que nos oprimem na pobreza e na dependência.
Mas, ao silenciarmos sobre isso, deixamos outra camada geracional sem referências.
Os manifestantes de hoje têm tão poucas balizas mentais que aceitam que, em meio a eles, se misturem não apenas os provocadores policiais de sempre, mas também os grupos que, descaradamente, pedem uma ditadura militar e o fim da organização de ideias que se expressam em partidos e lideranças, partidos e lideranças que deixaram de ser a representação de ideias e projetos, para caminhar para arranjos de conveniência e eleitoralismo.
E não as têm, a estas referências, porque deixamos de dar-lhes.
Essa é a essência da questão: o niilismo, a falta de projeto e de rumos, de líderes e de clareza que forma este caldo de cultura caótico só se generaliza porque não tornamos claro que, se a sociedade é plural, é bipartido o futuro: ou avançamos ou retrocedemos.
Se não oferecemos uma causa às ruas, será o conservadorismo da classe média que as ocupará.
Nós, que sempre tivemos causa, teremos nos tornado incapazes de oferecê-la?
Certamente não perdemos a humanidade e a generosidade, mas teremos perdido a coragem de transforma-las em bandeiras orgulhosamente erguidas conta a barbárie e a mesquinhez?
Temos o Governo, mas iremos, como suicidas, abrir mão da força que ele nos dá para lutar?
Esse é nosso desafio: não apenas ser, de fato, o novo, mas mostrarmos ser e sermos, sem temores, que o somos.
Um patamar para alturas maiores , para o futuro.
Se não o fizermos e deixarmos de ser a causa sempre jovem da mudança – que não se faz sem traumas – seremos, de fato, velhos.
E aos velhos, a única coisa que lhes resta é a morte.