Quem despreza o povo não entende que não há país sem alma

Extensa e tocante reportagem de João Valadares, hoje, na Folha, mostra como, no sertão nordestino, Lula é uma quase unanimidade e o voto em seu indicado, Fernando Haddad, uma consequência disso. Um texto que vai, por onde quer que seja lido, despertar duas reações.

Uma, a de quem entende o sentimento popular como uma força mobilizadora que brota da realidade de gente esquecida durante 500 anos de história. Gente que viu, com Lula, apenas uma fresta do que pode ser viver “vida de gente”.

Outra, a dos que, de barriga cheia, acham que isso é “populismo”, “fanatismo”, coisa de gente miserável, que não é capaz de raciocinar e votam num poste do qual nem sabem pronunciar corretamente o nome, embora entenda-lhe perfeitamente o sentido.

Talvez a intenção da matéria seja exatamente esta, mas a força que brota daquele povo humilde derruba os que só querem ler aquela sabedoria como ignorância.

Ignorância, de verdade, era aquilo no que apostavam, porque se aferravam à esperança que o povo não soubesse achar o nome de Lula nas eleições.

Ignorantes foram eles,  os tolos, os pretensiosos, os que jamais entenderão que isso poderia ter um nome bonito, bem intelectual: o povão se aferra ao que nunca tiveram: sensação de pertencimento ao mundo e a este país.

É típico do elitismo, de gente que, em outras épocas, manifestou o mesmo desprezo pelo operário que não votava, nem abaixo de pau, contra o “Doutor Getúlio”. Gente como meu avô, que saiu de uma “cabeça de porco” para uma casinha modesta e limpa do IAPI.

Eles, sim, são limitados, porque não entendem que esta é a matéria prima de construção de um país: ter um povo que se sente gente.

No coração lulista, Haddad é só um
número de nome Adraike, Radarde ou Alade

João Valadares, na Folha

“Não sei o nome não, mas estou grudado em quem Lula mandar. Ele é o filho de Lula, né? Escutei dizer que era”, pergunta o aposentado José Paulino Filho, 75, após ser informado pelo repórter que Fernando Haddad (PT) é o substituto do líder petista na disputa à Presidência.

Em Solidão, Quixaba e Calumbi, três cidades do sertão pernambucano onde, em 2006, Lula teve índice de votação em torno de 90%, Haddad é um número.

Mesmo oficializado desde o dia 11 de setembro, muita gente não sabe o nome, quem ele é, quais cargos exerceu e nem de onde veio. Alguns viram “passar no repórter”, mas não lembram muito bem.

No coração do lulismo, que se espalha por outras cidades do sertão nordestino, o grau de desconhecimento em relação a Fernando Haddad é exatamente do mesmo tamanho da disposição para votar nele.

Entre os mais pobres, faixa que representa a base do eleitorado lulista, onde o petista mais cresceu segundo as últimas pesquisas, uma minoria sabe o primeiro nome. O sobrenome difícil, “que a língua não consegue dizer”, ganha variações: Adraike, Adauto, Andrade, Alade e Radarde.

A embalagem publicitária do “Haddad é Lula e Lula é Haddad” é a mais visível tradução do sertão. A resposta mais frequente e veloz, quando questionados em quem vão votar, é uma só: Lula.

A efetiva transferência de votos, sobretudo no Nordeste, é resumida pelo agricultor Severino Marques da Costa, 52. “Não precisa conhecer esse aí do nome em inglês. Quando a gente apertar o número de Lula na urna, aparece na foto. Aí eu falo: ‘prazer, Adraike’.”

Severino tem cinco filhos. Fala sem parar. Ele faz uma conta simples. “Como era a minha vida quando Lula era presidente? Ah! É o que basta para eu votar nesse aí”, explica.

Mora em Calumbi, uma cidadezinha com pouco mais de 6.000 habitantes. Na última eleição que disputou, Lula teve 91,46% dos votos de lá.

Em poucos minutos de conversa, na frente da casa de Severino, forma-se uma roda para falar sobre a eleição. “Eles querem saber em quem a gente vai votar, comadre. Chegue mais e fale aqui com os moços”, diz empolgado, como quem já espera a resposta.

“Ave Maria. Vou votar em Lula”, responde ligeiro Maria Francisca Pereira, 61. Ao ser lembrada de que o ex-presidente não é candidato, emenda. “Não importa. Vou votar no número dele. Estamos vivos. Como alguém daqui pode não votar em quem Lula mandar?”, questiona.

É gente que vive com muito pouco, quase nada, e precisa tirar parte do valor do bolsa família para comprar água.

“É como todo mundo diz aqui. A gente vota nesse pé de planta, numa cachorra e até num jumento. Não é Lula que está mandando? Pronto. Se deixarem, eu vou ficar no lugar dele lá na prisão”, completa Wilson Arailton da Silva, 31.

O Nordeste, conforme pesquisa Datafolha divulgada na quinta (20), é a única região em que mais da metade dos eleitores (53%) diz que o apoio de Lula seria determinante na escolha do candidato.

Entres os estados pesquisados, Pernambuco é o único em que Haddad aparece na frente de Jair Bolsonaro (PSL).

“Vou votar nesse aí. Tô com o papelzinho dele, mas não sei quem é não. É muito bonito, mas Lula é mais lindo”, brinca Abelardo da Silva Viana, 32.

O agricultor Patrocínio Alves Diniz, 68, que vive do que planta em Calumbi, respira fundo e diz: “Lula cometeu um erro muito grande: colocar Dilma. Mas vou votar no candidato dele mesmo assim”.

As faixas etárias e de renda mais influenciadas pelo apoio de Lula, conforme o Datafolha, também são as que menos sabem que Haddad é o seu nome na disputa.

Entre os indecisos, 60% dizem que podem votar —sendo que 45% votariam com certeza— em um nome indicado por Lula. No mesmo grupo, no entanto, 68% ainda não sabem quem o petista apoia em 2018.

Em Quixaba, onde Lula teve 91,94% dos votos em 2006, a resposta em relação a Haddad é quase sempre a mesma.

A aposentada Antônia Patrício de Lima, 63 anos e 11 filhos, não sabe dizer quem é o candidato do PT, mas não tem a mínima dúvida dos botões que vai apertar em 7 de outubro. Aponta para a cisterna do lado de fora de casa para indicar a resposta sobre seu voto.

“Tô lembrada não. Como é mesmo o nome? Acho que vi uma vez passar no repórter. Mas, olhe, Deus é um só. Primeiramente Deus e depois Lula. Não, não. Troque aí. Os dois empatados. Lula e Deus”, finaliza a conversa.

“É que minha língua não consegue dizer. É Fernando Radarde, sei lá como diz o nome dele, é do partido de Lula. Só vou saber de alguma coisa dele depois que ele ganhar. Aí a gente vai ter conhecimento”, diz Expedito Porfírio de Lima, 44, vaqueiro em Quixaba.

Numa mesa de um restaurante em Solidão, onde o líder petista teve 88,5% dos votos na última vez que disputou a eleição, o agricultor José de Jesus Barbosa, 25, começa dizendo que vai votar em Lula.

“Lula não é nem candidato. Vocês falando de política aí com os meninos e não sabem de nada. Sabem nem quem é candidato”, reclama o dono do estabelecimento.

“Interessa não. Como é mesmo o nome dele? Desse candidato aí?”, pergunta ao vaqueiro Ednaldo Ribeiro da Silva, 39, que divide um copo de cachaça com José de Jesus na mesma mesa após uma manhã de trabalho pesado na roça. “É Adauto. Fernando Adauto”, responde. “Pronto. É isso. É Lula”, repete algumas vezes.

Perto de lá, num sítio da Zona Rural de Quixaba, mãe e filha discutem sobre o voto para presidente. “Eu não posso negar o que Lula fez por aqui não. Mas erraram muito. Vou votar nesse Haddad aí não. Estou indecisa, pensei em votar em Bolsonaro”, diz Rosângela Maria Ferreira, 29, enquanto lava alface na cozinha.

Sentada numa mesa, a mãe, Maria do Socorro, 54, já interrompe. “Não fale uma coisa dessas. É Lula um milhão de vezes. Não conheço o moço que vai ser o candidato, mas ele vai soltar Lula. Não sei de nada, mas estamos com ele. Minha filha, você sabe que o pobre nunca teve o que comer aqui”, falou. A neta de oito anos retruca: “Lula nada. É Bolsonaro”. A avó reclama: “Pare com isso, menina”.

 

Fernando Brito:

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  • A embalagem publicitária do “Haddad é Lula e Lula é Haddad” é a mais visível tradução do sertão. A resposta mais frequente e veloz, quando questionados em quem vão votar, é uma só: Lula.

    Uma sonora e poderosa porrada do Povão na boca do estômago golpista da Globo, Sérgio Moro, TRF4 e Barroso com sua turma de togados.
    #AdraikeELulaLulaEAdraike13Confere

    • À parte da sua mensagem (que aliás gostei), achei ótima a figura do #elenão. Genial.

  • O psdb, principal partido da direita, acreditou que eram seus aqueles votos que levavam o partido a vitórias regionais e disputas presidencias em segundo. Ferraram-se, bem feito! Os tucanos apenas contavam com os votos da extrema direita e dos fascistas que viam no partido a mais forte possibilidade de derrotar o PT ou outros do campo progressista. Os fascistas e extrema direita agora tem um candidato competitivo, então meteram o pé na bunda do psdb. Candidato de direita tem que cair nas graças dos fascistas. O psdb, junto com outros partidos de direita e a mídia, destruíram a direita dita civilizada. Isto não é bom em nenhum país.

    • O Cerra odeia o PT . E eu odeio o Padim Pade Cerra . O santo da Moóca!

    • As máscaras caíram.
      O hipócrita médio saiu do armário. Pelo menos as coisas podem ficar mais claras assim.

      • Também tenho conseguido enxergar este lado positivo na situação: as máscaras caíram, acabou a dissimulação. Os ratos puseram as fuças para fora das tocas. Os lobos não precisam mais de disfraçar com penas de tucanos.

    • Boa, bem lembrado... Massaranduba, kkkkk .é bem a cara deles, muita massa muscular e pouca massa cerebral.

  • O jornalista da folha quis mostrar que o povo nordestino não sabe pronunciar o nome do candidato do Lula que é o Haddad. A folha precisa fazer o mesmo em quem vota no Bozo. Não raciocina. Que cultura tem um Bosominion

    • Aposto que a Folha não os trataria assim se essas mesmas pessoas chamassem o jornal de Fôia. E mais: se falar o nome errado é motivo de desqualificação, o que dizer de um sociólogo cheio de títulos que escreve o nome do Alckmin errado DUAS vezes?

  • #HADDADeLULA se você não se emociona é porque não sabe o que é miséria e pobreza!!! Aos autoritários de direita desse FACEBOOK, o Brasil dessas pessoas é o Brasil verdadeiro, o da elite mais vil, mesquinha, ignóbil execrável, sem projeto de nação e inclusão social, servil aos interesses do capital financeiro oligopolizado e daqueles que a servem!!!! Fora golpistas fora neoliberalismo!!!

  • Senhor Fernando.Linda matéria.O mais importante dela,não são relatos sobre o POVÃO LULISTA OU GETULISTA,OU PERONISTA,OU ALLENDISTA OU qualquer coisa que nos leve às lembranças do VELHO E SÁBIO POPULISMO DE OUTRORA,que as vezes da as caras,nesse mundo FINANCISTA que estamos a viver. O mais importante dela,.é a identificação desse CLASSE que se auto intitula de MÉDIA,e que á a fiadora histórica das DITADURAS BURGUESAS FINANCISTAS que estamos a viver.Do povão mais humilde,somente saem coisas sábias,pois conseguem sobreviver às agruras que a sociedade de classes lhes submetem.

  • Se alguns como dizem votam com o "estômago" há outros que votam com os "bolsos". Lógico, então, que votem com o "coiso", pois só pensam em coisas. Eles acham que o normal é alguém governar e sempre ferrar o povo, governar com e para o povo daí se torna crime.

  • Aos ricos brasileiros (que estão muito longe de serem "elite"): isso é raciocinar, é escolher quem não permitiu que seu povo passasse fome! Se tal fato não comove nossos ricos e classe média, é a prova de que deixaram de ser humanos para terem o Bolsonaro que merecem!

  • Embora a reportagem tome o cuidado de ser descritiva (como TODA reportagem deve ser), o preconceito e os dedos dos editores são visíveis. Fica nítido o esforço dos editores, para que o repórter João Valadares encontrasse dois "bolsonaristas" em pleno Nordeste; mas é sintomático que uma das pessoas adeptas do nazifascista conte 29 anos (portanto NADA sabe sobre ditadura e pouco sabe sobre o coronelato na região em que vive) e a outra seja uma menina de 8 anos, que ainda não atingiu a idade da razão, não tem direito a votar e certamente é vítima da propaganda feita diuturnamente por uma mídia canalha.

    O repórter e os editores da FSP bem sabem que a sabedoria popular é muito mais importante do que pronunciar corretamente o sobrenome de origem árabe "Haddad". Eles sabem também que o trabalho das ORCRIMS judiciárias foi para impedir que o Ex-Presidente lula fosse candidato e até mesmo que pudesse aparecer na propaganda eleitoral apresentando Fernando Haddad a o eleitorado mais humilde, do sertão nordestino e do Brasil profundo.

    Mas o que me deixa mais triste é saber que Fernando Haddad nada mais é do que o candidato imposto (ou consentido) pelos golpistas - de fora e de dentro da burocracia partidária petista - e que dará continuidade ao desmonte e entreguismo desse (des)governo golpista e quadrilheiro de Michel Temer et caterva. Muito triste por saber que esses milhões de eleitores de Lula estão sendo enganados e usados para eleger alguém que é a versão tupiniquim de Emmanuel Macron e que a chamada "blogosfera progressista", está empenhadíssima em ludibriar esse eleitorado simples. Basta acompanhar de foram crítica o que vem ocorrendo. Essas eleições são farsescas e fraudulentas. O Duplo Expresso tem mostrado isso de forma didática https://duploexpresso.com/?p=99289.

    Não contem comigo para legitima essa fraude.

    Eleições, PT, ou Esquerda, sem Lula, são fraudes.

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