Sobre a polêmica do “escola do lar”, fala a Unicef: 61% das crianças são pobres no Brasil

Nos comentários a um post anterior,   quando me insurgi contra o absurdo de estar-se votando, no Supremo Tribunal federal, o fim da obrigatoriedade da matrícula de crianças nas escolas , apareceram diversas pessoas acusando-me de “dizer besteira”.

Algumas, talvez até bem intencionadas, criticaram o fato de que a escola, no Brasil, é deficiente  – o que é uma verdade – e estão convencidas que podem fazer melhor em casa.

Reafirmo o que disse e “apanho” com prazer se for para defender as crianças, a que fui, as que criei e estou criando e todas elas, sejam daqui ou da China.

Hoje, saem números da Unicef para mostrar o quão absurdo é esta visão neoliberal e – porque não – “meritocrata” da infância.

32 milhões de jovens (ou 61% dos 53 milhões que formam a população brasileira com menos de 18 anos) são pobres e sofrem de diversos tipos de carência.

Como os limites usados foram o mínimo do mínimo – por exemplo, a renda per capita ficou em R$ 346,00 por pessoa por mês na zona urbana e R$ 269,00 na zona rural – não é nenhum exagero dizer que este número, para padrões médios, ficaria entre 40 e 50 milhões.

Falta-lhes tudo: casa, comida, água, esgoto, proteção contra o trabalho infantil,  informação…

Com todas as carências que possam ter, as escolas é onde se pode levar, com a rapidez que a urgência da situação exige, um pouco de tudo isso e ainda mais: socialização, assistência, acompanhamento de saúde, proteção contra eventuais maus-tratos domésticos.

Numa palavra: humanidade, o que esta sociedade injusta lhes nega.

O que inspirou Darcy Ribeiro e Brizola a fazerem os Cieps foi exatamente isso e nos surpreendemos com quantas carências encontramos quando meninos e meninas puderam ficar na escola o dia inteiro. Lembro de algumas, das mais incríveis: de cada dez crianças, pelo menos uma tinha deficiências visuais sérias, que impediam o aprendizado e o convívio pleno e que não foram percebidas ou tratadas pelas famílias!

Em quantas crianças, ao longo de décadas, minha mãe, professora primária, identificou problemas e não ajudou as famílias a enfrentá-los?

É claro que os ricos – e bem ricos, pois nem a classe média em geral pode – dar boa educação a crianças sem que elas saiam de suas casas. Podem contratar professores, governantas, mini personal trainers, cozinheiras, até mesmo nutricionistas.

Sim, porque não serão eles que vão ficar ensinando MMC e divisão de frações à noitinha, quando chegarem em casa, todos os dias, não é?

O primeiro ensino, no século 19, era dado pelos preceptores, uma espécie de “criados categorizados” das famílias abastadas.

Não tenho dúvida que os Lehmann, os Setúbal ou até gente da alta classe média pode pagar bons professores particulares para seus “reizinhos”.

Mas a lei é a lei e se o rico não for obrigado a matricular seu filho numa escola, porque o pobre o seria?

Ah, mas terão, de tempos em tempos, de fazer exames de suficiência! E se não passarem, quem reporá o tempo perdido? Serão levados à escola à qual não se acostumaram compulsoriamente, como cachorros para a “carrocinha”?

Não se enganem: a maioria – não todos, é verdade – destes “educadores domésticos” quer é isolar os filhos da diversidade humana para doutriná-los furiosamente. O “partido” de sua escola é o deles e apenas o deles, o partido único do fundamentalismo.

Não percam seu tempo com discursos em favor da “liberdade de ensino” e o “direito de escolha”. Ninguém tem o direito de criar pessoas que vão participar da vida social, como cãezinhos em jaulas.

Até porque, mais cedo ou mais tarde, eles irão viver em meio a vasta fauna humana e, queria deus, não como ferozes sociopatas.

 

 

Fernando Brito:

View Comments (29)

    • Perfeito. Além de que, muitos riquinhos acham que podem terceirizar a esses professores particulares a educação, mas permanecerão cometendo o mesmo erro: só se terceiriza educação formal. Limites são os pais que dão. Continuarão uns mimadinhos de sempre, sem habilidade social, sem maturidade emocional, sem atitude. De que adianta ser geniozinho em quantidade de conhecimento se é um desadaptado?!

  • Acabo de ter uma idéia, inspirada neste brilhante artigo de Fernando Brito. Vou reunir simpatizantes e ciar o PUFF... Partido Único do Fundamentalismo Fascista. De saída, com apoio de Bolsonaros, Amoedos e "empresários" escravocratas, arrebanhamos pelo menos 15% de descerebrados, analfabetos políticos e recalcados.

    Falando sério: além o exposto neste e no artigo anterior, o que os proponentes do "criança sem escola" querem mesmo é se adequar à PEC-95, essa excrescência que congelou os investimentos públicos em saúde e educação por duas décadas. Como faltarão recursos para manter - nem digo ampliar - a oferta de vagas em creches e escolas públicas, nada melhor, mais tucano e neoliberal-escravista do que facultar aos pais colocar, ou não, as crianças nas escolas precarizadas.

    • Simples resolver e conciliar os desejos dos escravocratas egoístas e o do povão nesse aspecto. Que 95% das vagas nas universidades federais sejam ocupadas por jovens que toda a vida estudaram em escola pública. E que aja 5% de cotas a serem disputadas entre os filhos da "média" alta (oriundos das escolas particulares) e os filhos dos baronatos oligárquico e corporativo que optaram pela educação na Casa Grande. Aí sim, vamos ver quem é meritocrata, ehehe

      • Romualdo, tivemos uma pequena amostra da sua sugestão quando foram implantadas as cotas raciais e sociais. Quando a Casa Grande viu que a Senzala tinha capacidade, desde que igualadas as oportunidades, surtaram!

  • Tem mais uma questão importante: escolarização das crianças com deficiência. Se não for mais obrigatória, voltaremos ao tempo em que essas pessoas eram "trancadas em casa"...

    • Elas, as crianças com deficiência, estudavam em escolas e instituições dedicadas a esse fim. As crianças eram apartadas das crianças ditas "normais". Ocorre que no modelo atual as crianças com deficiência são discriminadas nas escolas dias "normais" (públicas e privadas), isoladas por seus colegas e por muitos professores dentro do lugar que deveria iinclui-las. E isso não é exceção.
      Os dois casos que conheço de pais que preferem educar seus filhos em casa não são de Bolsominions raivosos, mas de pessoas que não querem ver seus filhos isolados por quem se esperava fossem acolhê-los. E isso depois de peregrinar por escolas públicas e privadas. Particularmente eu não enxergo como consequência direta de uma decisão favorável a educação em casa a degeneração do ensino público. Se querem garantir qualidade de ensino obriguem políticos e gestores da educação a colocarem seus filhos nas escolas geridas por eles.
      À parte da minha opinião estou convicto de que:
      1- O Stf tem coisas bem mais graves e importantes para resolver e que afetam a vida de todos os brasileiros.
      2-Uma decisão sobre esse assunto jamais poderia ser tomada por canetada e sim fundamentadas em uma consulta a educadores, psicopedagogos, psicólogos e outros.
      No Brasil estamos acostumados a ver a educação ser tratada como subproduto e vilipendiada por quem deveria defendê-la.

  • Texto incrível. Sou professor. Afirmo que está muito difícil. E pior. Sou professor de história. Nem sei como será meu futuro com a reforma. Temo pelo meu futuro e pelo meu filho e esposa.

  • Na minha opinião isto está a acontecer porque o dinheiro está a acabar. Ninguém quer largar o osso. Vide o exemplo do STF a apresentar o aumento dos proprios salários, indiferente a qualquer dificuldade que a sociedade esteja a passar.
    Essas pessoas nunca se preocuparam com o país, o estado brasileiro foi apropriado , foi privatizado e dividido entre banqueiros, juizes, politicos, grandes empresas nacionais e multinacionais e os grandes fazendeiros.
    Mas o dinheiro está no fim, então a solução é promover a ideia de que a "educação em casa" é chique, é moderno, é libertário.
    Assim não precisarão abrir mais escolas e sobra mais dinheiro para o pessoal continuar a se apropriar.
    Infelizmente, voces da imprensa não estão a perceber o que está a acontecer, ficam preocupados com a eleição presidencial. Ela não vai mudar nada, seja Bolsonaro , Lula, Marina, não importa quem seja, são todos marionetes nas mãos de quem realmente manda.
    O próprio Lula, que voces apoiam, teve tanto poder para mudar , ou pelo menos dar uma direção melhor ao pais, mas o que aconteceu ? Comeu na mão de todos eles.
    Percebes ? Os libertários querem privatizar educação, saude, segurança para que o estado tenha mais dinheiro disponivel para eles. E os socialistas querem estatizar tudo para poderem participar também da festa.
    O pobre? Ora , o pobre continuará a ser o que sempre foi, massa de manobra de todos, com a unica certeza que continuará a ser sempre pobre.

  • Eu fui professor por 38 anos, a minha esposa é professora há quase trinta anos, e não sentimos em condições de educarmos uma criança em casa. Só os idiotas norte-americanos acham que isto é possível, mas é uma tamanha estupidez que não tem limite.

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