Via Nilson Lage, recebo a matéria – em si honesta, mas por isso mesmo, chocante em um jornal tão (e nisso ainda muito mais) detrator de Brizola – de O Globo deste sábado sobre os Cieps, 30 anos depois de sua criação.
Lage, testemunha – como eu – deste processo de tentativa de omplantar, em larga escala, escolas de qualidade para o povão – entra no assunto sem meias-palavras”:
“O Globo sofre de falta de vergonha na cara.
Antes de lembrar os Cieps, o imenso projeto educacional de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, deveria,pelo menos,fazer um ato de contrição.Foi ele,Globo, que liderou uma das campanhas maios sórdidas e mentirosas da história da imprensa brasileira para destruir a obra que poderia ter evitado o desastre social no Rio de Janeiro. No contexto em que sai publicada, essa matéria é puro cinismo.”
E a matéria, feita com correção pelo repórter Raphael Kappa, descreve situações que mostram, mesmo, o potencial desperdiçado por governantes e elites que desprezaram aquele projeto, leia só:
Teresinha de Souza sonhava ser enfermeira quando aceitou, há 30 anos atrás, o emprego de inspetora em um novo colégio que abriria no Catete, próximo à comunidade de Santo Amaro, onde mora até hoje.
— Foi meu único emprego. Foi aqui que minha filha estudou e que minha neta estuda. É este colégio que mudou a vida da minha família. Até hoje trabalho aqui e evito pensar em como vai ser quando sair — conta Teresinha.
A escola que viu as três gerações da família Souza ( todas na foto do post, entre os arcos do Ciep) passarem pelos seus arcos é o Centro Integrado de Educação Pública Tancredo Neves, o Ciep 001, primeiro de uma série que pretendia revolucionar a educação através do ensino integral, como disse o mentor da iniciativa, Darcy Ribeiro, na inauguração. Três décadas depois, do projeto original só restou o prédio — ainda assim com mudanças. Mas a experiência é uma referência para o desafio do ensino integral, que permanece atual.
— A gente vivia um momento de universalização do ensino. O projeto do Ciep era uma grande inovação nesse sentido. Hoje, a reflexão histórica que se faz é que podíamos ter investido mais — afirma Antonio Neto, secretário estadual de Educação e ex-professor da segunda geração do projeto — Entrei no concurso de 1993 para professor de Sociologia de 40 horas. Era chamado de professor de 50 milhões de cruzados.
O apelido dado era devido a um dos problemas que culminaram na descontinuidade da iniciativa. O Ciep existia de forma paralela à rede regular. Seu custo era 30% superior ao de uma escola da época para atender o mesmo número de alunos, e ele estava vinculado a uma secretaria dedicada somente a esta rede.
As disparidades entre as redes, apontadas por Tania, levavam a rotinas docentes diferentes. No Ciep, o profissional dava aula no turno da manhã e tinha cursos de aperfeiçoamento de tarde, enquanto o aluno permanecia na escola com outras atividades. Na rede regular, a carga horária menor fazia o professor trabalhar em outros colégios ou ter outras matrículas públicas. (aqui, a matéria na íntegra)
Impressionante, como disse Lage, o cinismo de um jornal que, alguns anos atrás (2006) publicava um minieditorial – recuperado no excelente trabalho da professora dizendo Lúcia Velloso Maurício – afirmando que estas escolas eram um “desperdício”:
Pode-se imaginar o que se alcançaria se o dinheiro aplicado nesse projeto fosse investido em construção, reforma e reequipamento de escolas convencionais e treinamento e mesmo melhoria salarial de seus professores… A influência do projeto dos Cieps nesse processo (de melhoria) não é perceptível. Como seguramente teria sido, e em grande escala, se o foco fosse outro: os milhares de pequenas escolas públicas, modestas e tão carentes, espalhadas por todo o estado.
Incrível era que esta tese era corroborada pela esquerda elitista, que fazia uma leitura indigente das teorias de Paulo Freire, elaboradas no Brasil rural dos anos 50 e 60, para afirmar que, havendo um bom projeto pedagógico, a escola podia funcionar até debaixo de uma mangueira frondosa.
Podia, mas não no Brasil essencialmente urbano, dos anos 80/90, onde as crianças não tinham mais espaço, ruas, campinhos de várzea e nem sequer mangueiras frondosas.
Claro que os Cieps, como toda a experiência pioneira, tinham problemas. Nem sua construção excluía o cuidado com as escolas existentes e a valorização do magistério – sem, claro, em grau insuficiente, pela nossa pobreza. Houve algumas exceções, para ser exato, quase todas em prédios que iriam sem substituídos por Cieps, onde não se justificava investir em reformas mais pesadas.
O que havia o elitismo e me recordo que isso chegava ao ponto de ter ouvido professoras e pais reclamarem diante de um cartaz na entrada do Instituto de Educação (estadual) onde se pedia aos pais que não enviassem merenda (quem não se lembra dos tais “Lanches Mirabel”? ) para que todas as crianças fizessem a refeição oferecida, de ótima qualidade. Porque uns tinham doces e guloseimas, competição desleal com um bom quiabo refogado e um picadinho de carne. A mãe de meu filho “do meio” era representante dos pais e, grávida, várias vezes almoçou em outra escola pública , pois não conseguimos vaga no Instituto de Educação para nossa filha mais velha, então no Jardim de Infância. É testemunha da qualidade da comida. Meu pai, professor e diretor de escola “convencional” – e que nunca votou no Brizola – reclamava da merenda, porque as nutricionistas não deixavam botar um lombo salgado ou um paio no feijão “para dar gosto”.
Mas os Cieps ainda estão aí, sólidos e monumentais, a nos provocar a vergonha de não termos homens e mulheres com a clarividência de transformar a educação em causa pública.
E na memória de quem viveu o que é um sonho, mas também foi e ainda é, para quem lidou com ele, um ícone do que nossas crianças merecem, como se lê no cínico jornal dos Marinho, nas palavras da modesta e lúcida Teresinha, que há 30 anos acompanha essa história no primeiro Ciep construído, os desafios são tão grandes quanto as vitórias já obtidas:
— Não deixo ninguém falar mal daqui. Falam porque não conhecem. Quem dera que todos os colégios fossem iguais àquele Ciep de 1985.
Um dia serão, Teresinha, um dia serão. não perca esta fé.
4 respostas
Saudades de Brizola e Darcy o país seria outro com certeza se tivessem implementado suas políticas educacionais que pena essa elite nojenta não ter noção do que o pais perdeu . lembro que uma socialite falou que daqui a pouco Brizola faria piscina nos cieps pros negrinhos e o grande Brizola fez a piscina no ciep mangueira que saudades
Esse assunto me causa uma tristeza imensa e um ódio incomensurável pelo Moreira Franco que nunca consegui aplacar.
será possível encontrar as plantas (projetos) dos cieps na internet? quem sabe poderíamos tentar implantar alguns em outras cidades e fazer retornar esse sonho??
lembro bem desse CIEP a primeira diretora era militante da quarta zona eleitoral do bosso PDT, fomos fazer uma visita e no ultimo andar ao lado da quadra havia vinte e dois meninos e meninas que eram cuidados por um membro da policia ou do corpo de bombeiros não lembro direito, sei que perguntamos o que poderiamos contribuir ela nos falou em doar espelho ficamos espantado mas apos a explicação reparei que todos os garotos que ficam na rua quando passam e veem o reflexo da sua imagem para se curtir