Um país entregue. Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Um texto que dói, o de Paulo Nogueira Batista Jr. – para mim, o mais lúcido pensador econômico do Brasil -, publicado originalmente no GGN:

Dialética do subdesenvolvimento

Paulo Nogueira Batista Jr. no GGN

Hoje queria escrever um pouco sobre um dos meus assuntos prediletos e obrigatórios – o Brasil e, em especial, a política externa do país. No ano passado, animei-me a publicar um livro com o título “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Não cabe mesmo, leitor. Mas o pessoal se esforça – e como!

Considere, por exemplo, a política externa do governo atual. O vexame é completo, quase inacreditável. Se fosse o caso de resumi-la em uma frase apenas, diria que se trata de uma tentativa canhestra, mais do que canhestra: grotesca, de enquadrar o país no quintal do grande irmão do Norte. Não há nenhuma razão aparente para empreender tal tentativa. Nada nos obriga à submissão, a abdicar da nossa autonomia e até do mínimo de dignidade que deve reger o comportamento de qualquer governo, particularmente em países de porte continental como o Brasil. Tudo se passa, entretanto, como se tivéssemos perdido uma guerra e o país estivesse agora entregue a prepostos de forças estrangeiras – prepostos medíocres e subservientes.

Nunca foi tão verdadeira a observação de que o brasileiro não está à altura do Brasil. Os americanos não queriam, é certo, um Brasil independente, com voz própria. Mas não imaginavam que pudessem obter sem grande esforço uma rendição tão completa e vergonhosa. A verdade é que esse imenso país sul-americano está sendo entregue de mão beijada.

E o mais estranho é que tudo se passa ao som de patriotadas ridículas, com a conspurcação dos símbolos e das cores nacionais, sob o signo de um “novo nacionalismo”, um nacionalismo simiesco, que imita de maneira constrangedora o nacionalismo de Donald Trump e, em momentos de alucinação, até mesmo de Adolf Hitler.

E, no entanto, mesmo na pior das desgraças é sempre possível encontrar motivo para certo orgulho e satisfação. Afinal, pergunto, que outro país conseguiria a proeza de inventar o nacionalismo entreguista, sofisticação dialética difícil de igualar? O Brasil não é para principiantes, dizia Tom Jobim. Lendo recentemente uma biografia de Dom Pedro II, escrita pelo historiador José Murilo de Carvalho, descobri espantado que o imperador era republicano. E o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista. Portanto, tudo é possível no Brasil. Temos agora o incomparável nacionalista vira-lata, que clama a sua devoção pelo país ao mesmo tempo em que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos e faz juras de amor ao presidente daquele país.

No resto do mundo, reina a mais completa perplexidade sobre a decadência do Brasil. Ninguém acreditaria que sofreríamos tal colapso e desceríamos a níveis tão baixos. Há não muito tempo o nosso país era referência, não só na América Latina, mas no mundo inteiro. Não estou exagerando, leitor. Tive o privilégio de representar o Brasil no FMI, no G20 e nos BRICS numa época em que o nosso país se comportava como o grande país que é. Tínhamos, claro, nossas limitações, nossas dificuldades. Mas éramos respeitados como voz autônoma, capaz de expressar com criatividade e competência os anseios de paz, progresso e reforma da governança internacional. Todo esse capital de respeito, simpatia e soft power está sendo jogado pela janela.

Somos subdesenvolvidos, reconheço. Nossos quadros nem sempre são os melhores, admito. E, mesmo nos nossos momentos mais felizes, demos as nossas pisadas de bola. Mas, convenhamos, era preciso escalar esse time de pernas-de-pau?

Vamos imaginar, por um instante, que por obra do insondável destino Jair Messias Bolsonaro fosse conduzido, digamos, à presidência da Micronésia. Os micronesianos contemplariam, perplexos, o seu novo supremo mandatário, fariam uma rápida reunião e correriam com ele sem demora. E se Paulo Guedes ou Ernesto Araújo aparecessem de repente em algum ministério da Economia ou das Relações Exteriores, qualquer um, em qualquer lugar do mundo? Ora, seriam encaminhados imediatamente, sem hesitações, ao almoxarifado mais próximo.

Fernando Brito:

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  • O que esperavam desses milicianos? Que fossem defender o interesse popular e os direitos adquiridos do trabalhador? Ou a aposentadoria dos idosos? Está tudo contaminado e já faz muito tempo. O Brasil foi grande e não é mais. Hoje é simplesmente um país continental dominado por gente da pior espécie.

    • Em tempo, forças armadas que cagam e andam para a soberania nacional servem para quê mesmo?

      • Servem para ver o país dominante do momento, e serem submissos a ele. Foi assim com Portugal, onde foram criados para eles, e depois com a Inglaterra, agora com os EUA, quando este cair, o pais que se tornar hegemônico, já terá um exército, aqui, pronto para eles.

    • Faço minhas suas corretíssimas palavras, caro Fernando.
      Parabéns !

  • Crônica de uma tragédia anunciada. E não estamos nem perto do fim.

  • Nestes tempos nazistas, existe uma solução final para o (des) governo do Bozo. Mas vou parar por aqui.

    • Quando vou pra cidade de SP fico impressionada com o número cada vez maior de moradores de rua.

  • Até hoje não entendi porquê Dilma nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda quando dispunha de um economista do quilate de Paulo Nogueira Batista Jr. que já tinha passado pelo FMI e estava nos representando brilhantemente no BRICS.

    • Acho que essa escolha de Dilma ninguém entendeu! E até hoje ela não deu nenhuma justificativa para tal escolha. Estou no aguardo das explicações dela.

      • Na primeira entrevista do tal Levy tive a certeza que o Brasil escoaria pelo ralo. O figura não fez nenhuma saudação ou agradecimento e começou falando - Nós vamos fazer isso nós vamos fazer aquilo. A atitude era a de quem acabara de ser eleito presidente e não escolhido como mero ministro. A Presidenta ao aceitar isso e depois manter por um ano, assinou sua própria sentença!

      • E depois de preparar o caos na economia brasileira, voltou a assumir seu cargo no Banco Mundial, em Washington. Parece que ele está de novo na praça, acho que no BNDES...
        A sra. Dilma nos deve essa explicação.

      • Para tentar permanecer na presidência. Mas nem assim conseguiu.

    • Porque ela queria apoio ou seria agradar a oposição para conseguir continuar governando e aprovando as pautas.

      • Sim, cedeu à pressão da turba verde-amarela e dos jornalões limpinhos e cheirosos, só que não deu nada certo. Também não deu certo apostar que a nossa burguesia ia fazer alguma coisa senão embolsar a grana da desoneração fiscal.

  • Nossa população está sofrendo de uma doença estranha, cuja base principal é o antipetismo inoculado. É difícil dizer como a mídia majoritária conseguiu tal proeza. Creio que o bombardeio negativista diário dos últimos anos foi decisivo, porém não seria suficiente para apagar a realidade dos governos decentes e bem sucedido na economia, no social e nas diplomacia internacional. Suponho que haja fatores extras fortíssimos que são a manipulação evangélica nas igrejas e o uso das redes sociais através de "memes", algo de alto poder sintetizador, que atinge rápida e facilmente os iletrados e pouco cultos.

    • Nosso maior erro e citar a "MÍDIA", temos que dar nome aos bois, são eles que falam.

    • O bombardeamento midiático não foi só os dos últimos anos: foram décadas de criminalização da esquerda. E pra piorar a própria esquerda ficou se auto-imolando em eterna penitência pelo menos desde os anos 90.

  • O brasileiro tem vocação para vira latas, é inegável. É o povo mais imbecil do planeta Terra, não há dúvidas sobre isto.

    • Zé povinho nojento brasileiro (classe média alta e quem votou no bostonaro) é o povo mais covarde, mal educado e cortês do mundo. Isso se não for do universo e multi versos mas do mundo eu tenho certeza.

    • Perfeito...o brasileiro tem alma submissa, um povo sem caráter, aceita tudo calado. Por mais erros que o PT tenha cometido, era um projeto de país independente, dono de seu futuro mas o brasileiro quer ser vira lata. Tudo lá fora é melhor que aqui, não podemos ser referência em nada no mundo só no que não presta, essa é a mentalidade do brasileiro.

      • tudo isso ACRESCIDO DO MAIS ABJETO RACISMO. FOI SÓ LULA COMEÇAR A PROPORCIONAR FACULDADE AOS NEGROS, PARDOS, MESTIÇOS, UM RESQUÍCIO DE TERRAS PARA OS SEM TERRA, PETRÓLEO PRA FINANCIAR EDUCAÇÃO DOS POBRES . A CLASE "MÉRDIA" PRECONCEITUOSA SE FEZ PRESENTE COM SEU RACISMO E ÓDIO AOS POBRES.

    • este fato é comprovado por pesquisas internacionais.
      77% de analfabetos funcionais e 88% de ignorantes.

  • E, cortando nossas asas: tantos anos de esforço tecnológico da Embraer, de engenheiros e técnicos brasileiros, para truncá-la, decididamente. Será que voltaremos a voar, algum dia/

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