Vacinação: você não decide sozinho se isso arrisca a minha vida

Depois de dizer que é ele quem decide de onde ser comprarão vacinas e que seu general-ministro da Saúde é quem decidirá se a vacinação será compulsória, Jair Bolsonaro deu um “chega pra lá” no Supremo, que vai apreciar ações que tornem obrigatória a imunização contra o coronavírus, se e quando se tiver uma solução cientificamente segura e comprovada, dizendo que “não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina.”

Bolsonaro está “quase” certo pois, de fato, não deve ser uma decisão judicial e só o será, eventualmente, porque se prevê uma omissão de quem deveria decidir: a autoridade sanitária, com base na comunidade científica e os órgãos reguladores da saúde pública.

Porque a vacinação não é uma decisão individual, como poderia ser considerado – ainda assim não recomendado – o tratamento com cloroquina e outras substância que Bolsonaro é pródigo em “receitar”.

Não é o caso de submeter a este charlatanismo, em hipótese alguma, uma doença que já infectou 5,4 milhões de brasileiros e matou perto de 160 mil deles.

Porque a taxa de transmissão é uma progressão geométrica que depende não só de haver um transmissor, taxa básica de reprodução (R0) do vírus ( que, por sorte, não parece ser tão alta com o Sars-Cov-2 quanto é em doenças como o sarampo). Duas pessoas vacinadas, ainda que a taxa de imunização gerada por uma vacina não passe de 50% tem aproximadamente menos quatro vezes a possibilidade de contágio.

Quando se reproduz isso pelos vários elos da cadeia de transmissão viral a diferença se transforma em milhares de vezes risco de transmissão.

Eu não posso decidir apenas por meus critérios se devo tomar ou não a vacina, portanto, porque não é apenas a minha vida que estou decidindo apostar, mas a de todas as pessoas com que eu manterei contato em meu dia a dia, sejam não vacinadas ou mesmo vacinadas, porque, como a eficácia imunização não é absoluta (a metade, no exemplo que usei) também elas estão sujeitas ao contato na proximidade com um portador do vírus.

Portanto, não é um “achismo” inofensivo do presidente da República e certamente não o será por parte do Judiciário que, neste caso, quase certamente, vai se fixar numa questão ou em duas, se considerarmos a a obviedade da primeira, que só os lunáticos tendem a negar:

    1. A Covid 19 é uma doença perigosa, capaz de oferecer um risco evidente à saúde e à vida das pessoas?
    2. Vacinas aprovadas e certificadas pelas autoridades sanitárias servem para eliminar ou mitigar decisivamente este risco?

Se a resposta a ambas for sim, está na lei penal brasileira a que se submete aquele que se recusar ou estimular a não se vacinar:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa

Ninguém está falando que o Estado deva sair “catando” pessoas para vacinar, como ao cachorro “Faísca” com quem Jair Bolsonaro quis exemplificar os cidadãos, mas é dever do Estado promover a campanha de vacinação em massa – se e quando houver vacina significativamente eficaz e segura – com todos os instrumentos de coerção administrativa de que possa dispor.

E, claro, os mecanismos de persuasões e de esclarecimento que sempre funcionaram nas campanhas de vacinação brasileiras.

O que, perdão, funcionavam.

Se houvesse, naqueles anos 60/70, legiões de imbecis com investidura pública, jamais teríamos derrotado a poliomielite e o sarampo que, aliás, voltou e fez o Brasil perder o status de país que o havia eliminado.

A OMS colocou, ano passado, o movimento antivacina na lista das 10 ameaças para a saúde global em 2019. Aqui, para nossa desgraça, ele chegou ao poder.

 

 

 

Fernando Brito:
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