O avesso do avesso

Talvez haja muitos comentários ácidos pelo que vou escrever, mas resolvi soltar o que estava preso depois que me mandaram um vídeo onde uma das chiques lojas “Reserva”, da qual Luciano Huck é sócio, na Rua Maria Quitéria, esquina da Praça N.S. da Paz, um dos pontos mais chiques de Ipanema, exibia um “evento de marketing”.

Um display eletrônico convidava os distintos passantes a vestirem uma luva de boxe e tirarem uma foto, para a internet, socando um saco destes de treino de boxe,  onde está escrito “Fake News”, Assédio, Homofobia,Violência, Corrupção e Ódio.

Tudo “politicamente correto”.

Menos o evidente, o óbvio, o escancarado: o soco, a incitação à violência, ao ódio, à agressão, com o mais corrupto objetivo, o do ganho comercial ou, ao menos, o do mercadológico.

Um blackbloc cult, aqueleV de Vingança” do qual falei aqui outro dia com o risco de ser tachado de “conciliador” depois de 40 anos de entrega da vida à transformação do meu país.

E hipócrita, numa grife que, pouco tempo atrás, espalhava fotos de crianças com camisetas dizendo “vem ni mim que estou facim”.

Os manequins, claro, são convenientemente negros.

Faz tempo que o “politicamente correto” é manipulado pelo conservadorismo como forma de “vestir” a elite mais politicamente incorreta que o mundo já conheceu com a capa do “bom-mocismo”.

O monstruoso assassinato de Marielle Franco traz isso tudo mais à tona.

A Globo e os jornais se debulham em lágrimas de crocodilo pelas causas a que nunca deram espaços e  que só têm valor para a exploração mórbida.

Está evidente que Marielle morreu não somente  porque era mulher, negra, de esquerda  e oriunda da favela.

Morreu porque isso a fazia o alvo mais que adequado para o que se queria alcançar com um assassinato de grande repercussão.

Se fosse homem, branco, de classe média, apolítico não morreria, talvez,  apenas  pela carga simbólica que lhe faltaria.

Mas morreria, se assim o determinasse o esquema mafioso que se constrói a partir de uma polícia que virou uma indústria de corrupção.

O essencial não pode ficar escondido e é, nas palavras de um amigo, o “acirramento da a luta de classes e a emersão do fascismo”.

Estamos na luta por um projeto que, embora carregue os ingredientes da cor, do sexo, da origem e da ideologia, tem algo que a tudo isso engloba e muito mais: queremos ser um povo e um país civilizados.

É isso o que matou Marielle  e que está matando a todos nós.

E se não soubermos o que nos tenta matar, não sobreviveremos.

 

Fernando Brito:

View Comments (33)

  • Nem George Orwell, nem Aldous Huxley, nem Margaret Atwood conseguiriam imaginar distopia maior que o Brasil vive hoje...

  • Eles matam qualquer um que atravessa seus caminhos, mataram Eduardo Campos para não tirar votos deles, mataram Teori para não serem julgados e condenados e agora mataram Marielle só por que defende uma causa e ainda vão matar muito mais, depois que juízes, promotores, ministros, políticos, etc.. se uniram para um golpe e então tomar o poder no Brasil, por conseguinte, não conseguiram administrar o país como pensavam que fosse fácil, agora querem consertar as suas incompetências na bala.

    • O estado de São Paulo é um estado de exceção, políticos são eleitos pelo PSDB para planejarem o crime, seja através das organizações criminosa ou através dos intelectuais especializados diversos tipos de engenharia para maquiagem dos crimes que praticam, exemplo é o Paulo Vieira de Souza, o Paulo preto, outro exemplo, anmorte do filho do governador, foi morto porque, abriu empresas para beneficiar o pai é o tio, outro exemplo a máfia da merenda escolar que partiu do palácio dos Bandeirantes.

    • Esqueceu dos empresários... Eles compraram os funcionários públicos.

  • Descobri dolorosamente, em 14 de março de 2018, que a História é uma centopeia. Enquanto nós, pobres bípedes, nos esforçamos para entendê-la, prevê-la, sobrepujá-la, ela nos engana, célere, com as 98 patinhas restantes. Comecei a escrever um texto na véspera, num bar em Volta Redonda, onde trabalho, uma simplória tentativa de comentar a frase lapidar do Lula no lançamento do livro, em São Paulo, sobre a perseguição que sofre há 16 anos, desde que foi eleito presidente do Brasil:
    “- Escolhi um lado, e estou pronto a pagar o preço.”
    Expliquei também que o clichê “frase lapidar” se devia à sua certeza de pedra, como diziam Graciliano Ramos, João Cabral de Mello Neto, Ariano Suassuna.
    O golpe, através do corrompido sistema policial, assassinou Marielle. Sobre tudo que escrevi naquela noite, sobre minhas duas perninhas trôpegas, as 98 perninhas incansáveis da História acharam por bem me pregar uma peça. Tudo que achava sólido, desmanchou-se no ar.
    “Escolhi um lado, e paguei um preço.” Poderia ser o epitáfio de Marielle, se alguém ainda desse importância para epitáfios. Quanto mais na favela da Maré.
    Em dois dias, a frase de Lula mudou de boca – em um percurso próprio aos gênios políticos -, e passou do presente dos vivos ao passado dos mortos. Dos torturados. Dos assassinados. Dos presidiários sem sentença. Dos injustiçados. Dos perseguidos.
    Marielle faz parte hoje da História do Brasil, tanto quanto Edson Luiz, Marighella, Lamarca, Prestes, e tantas outras vítimas, conhecidas ou anônimas, dessa elite retrógrada e colonialista, vendida ao Departamento de Estado norte-americano, que está se apoderando de nosso país, suas riquezas e suas mentes.
    Eu também, há muitos anos, escolhi um lado. E não tem preço.

  • "Faz tempo que o “politicamente correto” é manipulado pelo conservadorismo como forma de “vestir” a elite mais politicamente incorreta que o mundo já conheceu com a capa do “bom-mocismo”."

    Nada mais a dizer.

  • Assino embaixo, caríssimo Fernando Brito. Para se ver quantas bobagens e mentiras foram ditas sobre Marielle Franco. Aqui, a Tese de Mestrado que ela defendeu com brilhantismo e que mostra a forma como se especializou em Segurança e, principalmente, sobre o funcionamento das UPP´s, o controle policial do Estado e o ideológico manipulado pela Grande Mídia. Ela seria um "estorvo" para os facistas de plantão.
    https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/2166/1/Marielle%20Franco.pdf

    • Obrigada por divulgar a tese da Marielle! Vou ler com respeito e carinho. Lamento tanto que tenhamos chegado à essa escala de selvageria! Alguém de tanto valor e preparo...calada por animais! (posso estar enganada: mas os assassinos da vereadora são, a partir de agora, "arquivo mortos"!).

    • Não conheço a Marielle. E supondo que tudo de ruim sobre ela seja verdade, pergunto: Isso é suficiente para categorizar a família dela, bairro, cidade ou partido político ?

      Preconceito é um mecanismo básico de ação do ser humano. Afinal, você não repensa tudo novamente a respeito de estímulo similar.

      Entretanto, como é possível ter preconceito de alguém que você nunca viu ? Como é possível ter ódio de alguém que você não conhece ?

      Tem coisas que só os gênios da direita conseguem explicar.

      • Sim. E o pior é que a maioria ou boa parte dela está aí há 500 anos. E os brasileiros ainda não acostumaram ao exame honesto: de que está e se é o melhor para ele?! Gratíssimo. Shalom.

    • Jayne, sou grato por informar o link da Tese de Mestrado da Marielle. Já coloquei em Outros Favoritos para começar a ler logo mais. Depois volto a comentar.

      • Bom proveito, Guimarães. Parabéns pela iniciativa. Sucesso. Grato, eu. Shalom.

  • Concordo quem fala que a mídia famosa disseminou esse ódio, terminando nessa tragédia covarde tentaram em vão calar a voz da Marielle e surgiram e triplicaram as voz dela, nossa luta não precisa de BALA !

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