21 razões pelas quais já estamos em Estado de exceção. Por Lenio Streck

lenio

Trecho do artigo publicado hoje no Conjur pelo jurista Lenio Luiz Streck:

“Valho-me do livro que melhor analisa, para além de [Giorgio] Agamben, o problema do que se pode chamar de Estado de exceção nestes tempos conturbados. Falo de Autoritarismo e golpes na América Latina — Breve ensaio sobre jurisdição e exceção, de Pedro Serrano, para quem o Brasil vive um momento perigoso de crescimento acelerado de medidas próprias de um Estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente e, o que é mais grave, naturalizadas. Nossa incipiente democracia vai assim se esfacelando e se transformando em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado Democrático, mas ao invés de ampliar e efetivar direitos, suprime-os paulatinamente, conclui Serrano.

O Estado de exceção ocorre quando determinadas leis ou dispositivos legais são suspensos (no sentido de não serem aplicados). Ou seja, alguém com poder põe o direito que acha adequado para aquele — e cada — caso. O soberano é aquele que decide sobre o Estado de exceção, diz Carl Schmitt. Para ser generoso, poderia aqui falar de um “Estado de Exceção Regional(izado)”, isto é, ao menos em uma área sensível do Brasil já vivemos esse fenômeno denunciado por autores como Giorgio Agamben. Quando se suspende uma lei que trata de direitos e essa suspensão não tem correção porque quem tem de corrigir e não o faz ou convalida a suspensão, é porque o horizonte aponta para a exceção.

Vou elencar alguns tópicos que compõem uma espécie de check list para saber se estamos ou não perigosamente na tênue linha do Estado de exceção. Assim, pode-se dizer que estamos em Estado de exceção quando

1. a advocacia se torna um exercício de humilhação cotidiana;

2. indício e presunções viram prova, prova é transformada em uma mera crença e juiz condena réu a longa sentença (reformada) baseado em meros relatos de delatores;

3. faz-se condução coercitiva até de advogado, em flagrante violação do CPP e da CF;

4. advogado é processado por obstrução de justiça porque aconselha seu cliente a não fazer colaboração premiada;

5. ocorre divulgação (seletiva ou não) de gravações resultantes de intercepções não autorizadas; isto é, quando a GloboNews e o Jornal Nacional sabem antes do próprio réu;

6. arquiva-se, com argumentos de política e não de princípio, representação contra quem procedeu — confessadamente — a divulgação da prova ilícita;

7. ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça confessa que foi conivente com vazamento, sob o argumento de que a ilegalidade era para o bem;

8. o MP faz denúncia criminal considerada por Tribunal Regional Federal como coação ilegal (assim, literalmente) e isso não acarreta repercussão nos órgãos de fiscalização do MP;

9. membros do Ministério Publico e do Judiciário se manifestam em redes sociais (tomam lado) confessando parcialidade e incitando a população contra o Tribunal Superior Eleitoral, face a julgamento com o qual não concordam;

10. agentes políticos do Estado vendem, por intermédio de agenciamento comercial, palestras por altos valores, autopromovendo-se a partir de processos judiciais das quais são protagonistas;

11. ocorre a institucionalização da ausência de prazo para prisões preventivas (há casos de prisões que ultrapassam a dois anos, usadas para forçar delações premiadas e acusados (ou indiciados) “aconselhados” a trocarem de advogado, para contratarem causídicos “especialistas” em delação;

12. juiz constrói um Código de Processo Penal próprio, a ponto de, no bojo de uma sentença de um réu, dar incentivo condicionado à delação de um outro réu, tudo à revelia da lei e do CPP;

13. se institucionaliza a dispensa dos requisitos do artigo 312 do CPP para decretação de prisão preventiva; lei vale menos que o clamor popular;

14. um agente político do Estado troca de lado no combate ao crime: em linguagem ludopédica, é um craque — sai do ataque e vai para a defesa;

15. delações concluídas e homologadas à revelia da legislação, inclusive com cumprimento de penas que-não-são-penas porque não houve julgamento; ou seja, o prêmio da delação premiada é recebido antes do processo;

16. “normalização” do lema “se delinquir, delate” (conforme bem denuncia o jornalista Vinicius Mota): “está aberta a via para um ciclo de delações interminável e potencialmente infernal, porque composto de informações de difícil comprovação”; lambuzamo-nos com o melado recém-descoberto, diz Mota;

17. perigo de se institucionalizar uma espécie de “lavagem de prova ilícita”, isto é, a legitimação de delações sem denúncia e “constitucionalização” da possibilidade de uso de prova ilícita (por exemplo: o sujeito, via prova ilícita de raiz, chega ao MP e faz acordo; com esse acordo, recebe imunidade; depois essa prova estará “lavada” e o judiciário não mais poderá anulá-la);

18. naturalização de decisões que decretam prisões baseadas em argumentos morais e políticos;

19. naturalização de denúncias criminais baseadas em construções ficcionais; enfim, decisões (atenção: o ato de denunciar alguém[1] já é uma decisão) que deveriam ser baseadas no Direito não passam de escolhas baseadas em opiniões morais e políticas;

20. como se fosse candidato a senador ou presidente da república, candidato a PGR diz que precisamos de uma reforma política…, mostrando, assim, que alguma coisa está fora de ordem nas funções estatais;

21. por último, estamos em Estado de exceção Regional (EER) quando todos os itens acima não causam indignação na comunidade jurídica e parcela majoritária dela os justifica/naturaliza pelo argumento de que “os fins justificam os meios”.

A lista pode ser estendida. São sintomas. Cada leitor pode fazer a sua. O que aqui foi exposto é simbólico. Tudo começou com o ativismo e a judicialização da política… para chegar ao ápice: a politização da justiça.

Imparcialidade e impessoalidade: eis o que se espera de quem aplica o direito. E isso já se erodiu. Quando jornais como O Estado de S. Paulo começam a exigir o cumprimento de garantias e criticar as delações, é porque de há muito começou a chover na serra… a planície é que não se deu conta — aqui parafraseio Eráclio Zepeda.

Juristas viraram torcedores. E torce-se o Direito à vontade. Vontade de poder (Wille zur Macht). A mídia faz a pauta (des)institucional. O Direito desaparece(u). Lewis Caroll — em Alice Através do Espelho — inventou/denunciou, bem antes de Agamben e Schmitt, o sentido de Estado de exceção. O soberano, que decide no Estado de exceção, dá às palavras o sentido que quer, como o personagem Humpty Dumpty. Por isso, o prazo para a prisão é aquele que quem tem poder de dizê-lo, é. A fundamentação também é aquela que…! E pode fazer condução coercitiva… porque sim. Até de advogado. E pode…tudo. Desde que tenha o poder. Próximo passo: dispensa de advogado nos processos judiciais. Futuro: Privatização da ação penal — se o réu confessar logo, nem denúncia haverá. E delegado terá o poder de mandar recolher o indiciado diretamente à prisão.

O engraçado de tudo isso é que, face a este estado da arte, defender a estrita legalidade virou um ato revolucionário. Tenho dito isso em todas as minhas palestras não-remuneradas.

(*)Lênio Luiz Streck, ex-promotor do Rio grande do Sul, é Doutor em Direito Constitucional e professor dos cursos de pós graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

26 respostas

  1. Este País virou um monstro, e devora ele mesmo,olhando através de um espelho,achando assim que irá,resolver assim, o mal que ele mesmo causou, ao seu reflexo, triste muito triste.

    1. Leia o Estado de Exceção,Giorgio Agamben -https://drive.google.com/file/d/0B6eHj5egjfFva3hIQVJTMllLY0E/view
      Abraços

  2. Para os BANCOS: 1+1=RENTABILIDADE e para as donas de casa donas 1+1= éo preço de um pão na padaria do seu Manoel.

  3. Será que o jurista Reinaldo “Azarado” tem uma opinião diferente do dr. Lênio? Ou o catedrático em Direito William “Bonder” também? Quem sabe os Mosquitos? Os Marinho? Os Saad? Os Civita?

      1. Querida Lenita,vc vê porque pergunto CADÊ O POVO???nestes últimos dias ,tenho feito o que todos os blogs deveriam estar fazendo,agitar o povo,tira-lo da sua letargia,sair às ruas e aproveitar o momento político de maior fraqueza dos bandidos. Vc acha que alguém me apoiou ???NINGUÉM,percebe que quando digo que somos um povo sem alma,estou certo? porque admiro nossos vizinhos ,que sem medo saem às ruas a derrubar governos ??????

        1. Quandi oessoas vividas e bem formadas, que ascenderam de estratos sociais mais baixos e galgaram condições remediadas recusam-se a ver a falta de isonomia de tratamento dos “deuses de Curitiba” a pilantragem de bacanas que recobriu o País, impossível não concluir quanto ao otimo trabalho de condicionamento de ideias (e de destruição do senso de moral) que os donos do poder desenvolveram através do controle da midia.

        2. Você tem razão Hocus, tb não entendo essa letargia. Eh assustador ! Força ! Aderindo a Greve Geral amanhã !!!!

  4. Boa tarde,

    Não bateram panela, achavam que era os maiorais que iria limpar a corrupção do Brasil! Tai no que deu, agora é lutar..

  5. CONTINUA O CHORO,”COMO ELES SÃO MAUS”,CONVERSA,CONVERSA,CONVERSA.
    VAMOS PARAR DE FALAR E VAMOS A LUTA,VAMOS ÀS RUAS!!!!!!!!!!!!
    NÃO VEJO NENHUM BLOG DE ESQUERDA CONVOCANDO A ADERIR A GREVE ,A SAIR ÀS RUAS,A MOSTRAR SEU DESCONTENTAMENTO,CHEGA !!!!!!
    OS BANDIDOS SE ARTICULAM A LUZ DO DIA,DEBOCHANDO UMA E OUTRA VEZ ,E QUAL A REAÇÃO??????CHORO E MAIS CHORO!!!!!
    VAMOS ÀS RUAS ,EU QUERO UM PAÍS MELHOR !!!NÃO QUERO SER ESCRAVIZADO PELOS BANDIDOS !!!!
    O BRASIL É NOSSO,NÃO DELES !!!!!!

    1. Eh isso aí !!! Há tempos Requião disse que a avaliação da situação ja foi exaustivamente discutida ! Ação que é bom e União, ainda é pouco ! Os blogueitos sujos estão dormindo.

        1. Estamos juntos e tem muitos como nós. O FB faz cara de paisagem mas ele sabe que tem vc, eu e mais alguns gatos pingados por aqui que não desistem. E assim seremos numerosos o suficiente para a boa luta.

  6. Ainda bem que temos juristas decentes, como o gaúcho Lênio Streck, para clamar incisivamente contra o Estado de exceção, que já está implantado com a conivência dos juristas pusilânimes que costumeiramente sustentam (juntamente com as forças armadas) todas ditaduras.

  7. Porque o stf, para falar daqueles que se dizem superiores, permitiu isso?
    É inominável o que fez e, para começar, “”””só a anulação do golpe permitiria a tentativa de recuperação da dignidade””””.
    Cada dia a sua situação fica mais vexatória. Como exemplo dou o debate que se dá agora, dia 28,no plenário do stf: eles chegam a concreta conclusão que a delação premiada é incompatível com a constituição, este é o resumo da ópera, e por tentar negar entraram em um beco sem saída e por isso estão se enrolando e enrolando e se desmoralizando. Não há saída digna.
    Neguem o golpe senhores.
    Depois do golpe, o caos. Não veem?

  8. Poderia chegar a 99 razões pela quais deixamos de ser uma democracia para ser uma republiqueta bananeira e com um stf de republiqueta bananeira, e elas se resumem em uma palavra: moro.
    Moro, por incrível que pareça, um juizinho do mato, matou o país.

  9. É exatamente isso.

    Para piorar,espero que alguém aqui no Brasil mesmo,não sei se tribunais internacionais poderiam fazer uma intervenção nessa justiça corrupta brasileira,possa por um freio(acabar)com o item 17 da lavagem da prova ilícita.Essa análise e maravilhosa.

    Léo Pinheiro tentou fazer duas delações na qual sempre incentiva Lula resultado:10 anos de cadeia na primeira,10 na segunda e na terceira ele no acordo torturado(combinado)com a Farsa Tarefa foi obrigado a mentir dizendo que o triplex estava reservado para o ex presidente.

    O que nós sabemos é que a Farsa Jato/ Farsa Tarefa quer implementar um modelo e quem tem que implementar modelo,leis e afins é o congresso nacional com Globo ou empresários corruptos querendo ou não,é torturar o delator para falar o que os políticos do MP e Judiciário quer ouvir na ocasião especifica e não quererem ir atrás de nenhuma prova depois,porque no caso da Farsa Tarefa da Farsa Moro,eles já sabem que não tem como provar nada porque é tudo forjado e se tivesse provas como na maioria dos casos da Farsa Jato não tem,eles não querem quebrar a cabeça,suar a camisa para provar delação nenhuma.

    Se nada for feito,futuramente fofoca se comadre,vizinho e afins,seguindo o padrão do heroino do mundo Sérgio Irineu Moro,servirá como condenação a prisão perpétua no Brasil.

    Falando em Brasil,aonde estão os infelizes analfabetos politicos telespectadores do Jornal Nacional das classes b+,b-,c,d e agora com o golpe Psdb/pmdb voltamos a ter classes D e E,para pararem o Brasil contra a reforma da revogação da Lei Áurea?

    Será que covardes e frouxos é só no Brasil também e tipo exportação?

      1. Porque, como na Santa Inquisição, delações e testemunhos só valem se forem contra aquele cuja condenação já está decidida!

  10. O VAMPIRO não se pronuncia em horário NOBRE e sim à tarde para não haver o CORO DO BRASIL. Esperto…

  11. Essa situação de exceção foi construída à luz do dia e na calada da noite. Há décadas ouço falar de suspeita sobre o senador Romero Jucá (PMDB/RR) de expedientes fora da lei junto ao banco da Amazônia. Nunca ouvi falar que esse senador tenha sido investigado e muito menos julgado. Está aí como se fosse bom exemplo de cidadão e de sujeito republicano. Como jucá, pululam de exemplos dos homens da foto dos grupos políticos partidários no registro do ridículo discurso de Temer para atacar o procurador geral da república. Foro privilegiado não é nada mais do que álibi para a impunidade, pois qualquer pessoa pública deveria ser afastada quando suspeita de algum ato ilegal ou impróprio à função e ao cargo porque pessoa pública não pode continuar lidando com a coisa e interesses públicos sob suspeita. mas no Brasil, é o contrário. Entram para a vida pública para se proteger. Há ainda, morosidade inexplicável como é o caso da falta de julgamento definitivo do mensalão tucano e do DEM. O do PT foi julgado a toque de caixa, com ou sem prova. Mas os do PSDB e do DEM estão aí dando espaço e oportunidades para novas traquinagens… Essa é a democracia brasileira para quem queira acreditar que é democracia…. Onde estão os paneleiros vestidos com a camiseta da seleção brasileira que lotavam as tardes ensoladas da paulista??????? Gente revoltada com a corrupção.

  12. ESTES 21 TÓPICOS DO PROF. STRECK CONSTITUEM UMA “NOVILEI” (POR SEMELHANÇA À “NOVILÍNGUA” DO “1984” DE ORWELL).
    ESTA NOVILEI NÃO FOI SENDO CONSTRUÍDA AO ACASO, AO SABOR DOS ACONTECIMENTOS OU À MEDIDA QUE A CRISE FOI EVOLUINDO.
    A NOVILEI É UM PACOTE COMPLETO, UMA NOVA CARTA MAGNA QUE NOS FOI IMPOSTA PELOS EUA, POR MEIO DE SEUS AGENTES DE INFLUÊNCIA NO BRASIL (CONSCIENTES OU NÃO) COMO SERGIO MORO “ET CATERVA” – E CONVALIDADA POR BARBOSAS, GILMARES E SEUS PARES/COMPARSAS.
    SERGIO MORO FOI PROFESSOR DESTA NOVILEI PARA JUÍZES, PROCURADORES, POLICIAIS E AFINS NA TÃO POUCO DIVULGADA “CONFERÊNCIA SOBRE CRIMES FINANCEIROS”, PROMOVIDA EM 2009 ( AINDA NO GOVERNO LULA) PELA EMBAIXADA ESTADUNIDENSE NO BRASIL.
    ÀQUELES QUE ACHAREM QUE “ISTO CHEIRA À TEORIA DA CONSPIRAÇÃO” SUGIRO QUE LEIAM O TELEGRAMA ENVIADO PELA EMBAIXADORA LISA KUBISKE A SEUS SUPERIORES EM WASHINGTON EM https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html .
    LÁ, TODOS VERÃO A PARTICIPAÇÃO DE MORO (COMO “INSTRUTOR” DO S/CT – UM APARATO DE INTELIGÊNCIA DO DEPTO. DE ESTADO) ENSINANDO AOS “ALUNOS” TÉCNICAS DE “INTERROGAÇÃO” DE UMA TESTEMUNHA SIMULADA E MODELOS DE IMPLANTAÇÃO DE UMA “FORÇA TAREFA” JURÍDICO/POLICIAL A SEUS “ALUNOS” – ALGUNS DELES VISITANTES DE PAÍSES VIZINHOS.
    MINHA PERGUNTA A TODOS É: ATÉ QUANDO NÓS BRASILEIROS ACEITAREMOS VIVER SOB O TACÃO DESTA “NOVILEI” ??????

  13. Todo o respeito aos que pensam diferente, mas o stf não está acovardado, ele é partícipe ativo do golpe e só uma movimentação em massa como forma de pressão pode mudar a relação de forças, temos que exigir o retorno à democracia, através da anulação do impeachment da presidenta Dilma. Disto vai depender, a meu ver, o destino do Brasil. Todo esforço não será em vão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *