42 anos da Revolução dos Cravos, os militares pela democracia

cravos

A história portuguesa, ou a história de suas navegações, mostra que a sucessão de conflitos e dos dirigentes de um país altera as fronteiras como se fosse um desenho abstrato em movimento, animado pelos homens históricos e seus feitos.

A expansão marítima foi o fruto da necessidade de se encontrar uma forma de driblar o monopólio árabe-veneziano no comércio de produtos do oriente, sobretudo as especiarias.

Com esse monopólio, as especiarias chegavam mais caras ao mercado europeu, ficando os lucros deste comércio em maior parte com árabes e venezianos.

Além disso, o escoamento de grande quantidade de metais preciosos da Europa em direção do Oriente, para pagar as caríssimas especiarias, vinha desvalorizando o metal europeu, devido à sua baixa circulação.

Outro fator que colaborou com o ideal expansionista foi à crise do século X, que envolveu peste, fome e guerras, comprometendo a produção de alimentos na Europa.

A crise também punha em risco o comércio pelas rotas continentais, forçando os mercadores a optarem por rotas marítimas via mediterrâneo, passando pelo estreito de Gibraltar em direção ao norte da Europa.

Essa opção por mar favoreceu a economia portuguesa, que passou a ser um entreposto comercial, fortalecendo ainda mais a burguesia lusa.

Lançar caravelas ao mar em busca de um novo caminho para as regiões fornecedoras de especiarias, como as Índias, ou em busca de metais preciosos, não era uma tarefa fácil e de baixos custos.

Os grupos mercantis não pensavam em assumir sozinhos os riscos desses empreendimentos. Era fundamental, para um empreendimento dessa dimensão, a participação de um Estado forte e centralizado que tivesse recursos financeiros para investir na empresa ultramarina.

Portugal era a única região com esse status e por isso foi o pioneiro na expansão ultramarina.

A monarquia portuguesa manteve-se da maneira que pôde até o início do século XX. Em 1910 uma revolução instaura o regime republicano parlamentar.

É quando começa um período ainda mais conturbado da vida política portuguesa, que vai culminar com a revolta militar de 1926.

O protagonista do golpe militar é o ex-seminarista Antônio de Oliveira Salazar.

Seu regime havia acentuado ainda mais o atraso econômico, científico e cultural em que o país já se encontrava no início da república.

O mesmo regime viria a estimular o conflito com as colônias africanas, que mergulharia Portugal num mar de dívidas.

Durante o governo Salazar, ao contrário do que era informado para a população, houve um empobrecimento de tal ordem que, nas reuniões clandestinas do Partido Comunista Português, pobreza e as consequências da ditadura no país eram pautas permanentes.

Na África, tanto Angola, Moçambique como Guiné-Bissau, a situação era muito pior. No embalo das várias independências que vinham ocorrendo no continente africano, à elite intelectual dessas colônias, formada na Europa principalmente, iniciava o processo de descolonização, que seria árduo, lento, porém irreversível.

A guerra nas colônias africanas durou treze anos. Com início no norte de Angola, em fevereiro de 1961. Depois na Guiné, em 1963 e, a partir de 1964, em Moçambique.

O exército português formaria três frentes de combate, que chegou a recorrer ao uso de armas químicas, como o napalm, servindo-se de todos os meios militares ao seu dispor para combater a guerrilha.

Ao longo da luta, Portugal enviou para África centenas de milhares de soldados, com um número oficial de mortos de cerca de nove mil homens e dezenas de milhares de feridos, isso sem mencionar um número ainda superior de baixas entre guerrilheiros e civis guineenses, angolanos e moçambicanos.

Em nenhum momento da guerra o regime português quis discutir o problema das colônias.

O Estado Novo manteve com grande rigidez o essencial da política colonial, fechando todas as portas a uma solução aceitável para o problema de qualquer dos territórios.

A guerra acabou, aliás, por conduzir a maior dureza dos sistemas repressivos do regime, impedindo qualquer discussão ou abordagem do problema.

Quando Salazar caiu da cadeira e bateu a cabeça, em 1968, deixou ao sucessor um regime desacreditado, com mais de cem mil homens armados em três frentes de combates e mais de um terço dos gastos do Estado direcionado às despesas militares.

A guerra colonial acabaria sendo o algoz da ditadura, empunhando o próprio braço armado do regime: a instituição militar.

A difícil implantação do regime democrático num país vítima de quase meio século de ditadura, que de repente se encontra de braços dados com uma descolonização tardia, a que se juntavam os efeitos da crise econômica internacional, que acontecia, principalmente, durante o ano de l973, explicam as peculiares características da transição de um regime totalitário para a democracia.

O colonialismo impediu uma transição sem sobressaltos revolucionários radicais para uma democracia parlamentar.

Em fevereiro de 1974 foi publicado o livro do general Spínola, Portugal e o futuro. Através desta publicação, fica demonstrado publicamente o conflito existente no seio do regime no que se refere à solução política final para o problema ultramarino.

A essas alturas, a revolução era somente uma questão de dias.

O Movimento dos Capitães conseguiu transformar um protesto de natureza corporativa numa mudança completa de regime.

A incapacidade do governo de Marcelo Caetano em encontrar uma solução política para a guerra colonial, que se alastrava por treze longos anos, foi o fator determinante na mobilização dos oficiais.

Na madrugada do 25 de abril, daquele ano de 1974, ao som da canção de José Afonso Grândola, Vila Morena, pela primeira vez, em quase meio século, a população toda pôde participar livremente de toda e qualquer informação.

Alto-falantes anunciavam a boa nova.

No Terreiro do Paço, as floristas distribuíam cravos aos soldados, que não precisaram disparar um tiro sequer.

Foi  bonita a festa, pá.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

14 respostas

  1. Belíssimo resumo, belíssima história de um POVO livre !! Em comum os 13 anos , lá a guerra contra as colônias e aqui os treze anos numa guerra contra a mentalidade colonial.
    Lá a LIBERDADE , aqui o retorno do CÁRCERE !
    Lá Heróis do Mar, Nobre POVO !
    Aqui ……os midiotas !

  2. Aqui o link para a canção, senha do movimento revolucionário https://www.youtube.com/watch?v=gaLWqy4e7ls
    Naquela época, mesmo o Brasil estando sob a ditadura, nos foi possível acompanhar com muito detalhe e mesmo com alguma proximidade os acontecimentos da revolução portuguesa pois a grande colonia de exilados portugueses, concentrada principalmente em São Paulo e Rio, publicava Portugal Democrático, um jornal de oposição em que o espaço da esquerda era muito grande.
    Nos quartéis da ditadura brasileira instaurou-se o pânico entre os comandantes com o receio de que a jovem oficialidade pudesse ser influenciada pelos acontecimentos em Portugal e repetir no Brasil o ocorrido em Portugal.
    Foi um processo muito instrutivo para compreender a dinâmica política numa situação efervescente e volátil. A revolução deu inicialmente uma guinada progressivamente à esquerda, substituindo Spíndola por Costa Gomes e este por Vasco Gonçalves, período em que ocorreram os maiores avanços práticos, e depois o radicalismo de Otelo de Carvalho e Vasco Lourenço alem de investir contra Vasco Gonçalves, levou à divisão e enfraquecimento das forças mais à esquerda no processo, o que abriu caminho para que Ramalho Eanes (associado a Mário Soares) substituisse Vasco Gonçalves, e progressivamente o processo se movesse à direita. Em seguida ao afastamento de Vasco Gonçalves iniciou-se o processo de institucionalização da revolução, com as eleições em que saiu vitorioso Ramalho Eanes, e seguiram-se governos de Mário Soares e Cavaco Silva (tambem este oriundo da revolução mas na sua franja à direita, em que figurava Spíndola)

  3. Muitíssimo obrigado por este texto, Fernando Brito. O Brasil tem uma visão tão ruim de Portugal quanto este tem, por vezes, do Brasil. Não confundir elite com o povo o qual esta submete é a essência da solidariedade entre os povos oprimidos. Sempre que penso em colonização portuguesa, a questão que mais me chama a atenção é justamente a da natureza do colonizador. Eram todos “cabrais”? Eram todos bandeirantes, dispostos a cometer genocídios em troca de uma inclusão sempre prometida e nunca concedida pela metrópole? Com certeza, não! As cartas de Caminha acabam por transbordar da narrativa a dicotomia entre os que comandavam as expedições e a grande maioria da tripulação, desesperada por dias melhores diante de todas as mazelas europeias: a fome, a peste, a inquisição, a perseguição político-religiosa… Num dos episódios mais marcantes – e por conseguinte, mais esquecido – Caminha relata a atitude de Cabral perante o contingente indígena que se aproximava da praia e se amontoava diante da visão esplêndida da chegada das caravelas. Diz o escriba da expedição que, ao ver tanta gente e sem saber se eram hostis ou receptivos, Cabral ordenou que se pegasse o marinheiro de mais baixa patente e o jogasse à praia, a fim de testar os ânimos dos nativos. Era um pobre de um grumete. Um menino, possivelmente, galego, que entre outras atividades, tocava gaita de fole pra distrair a marujada. Jogou-o à praia e ficou esperando o resultado. O rapaz, desarmado e sem alternativa, fez a única coisa que lhe era possível: tocou pela primeira vez em solo brasileiro um instrumento europeu. Enquanto a gaita de fole ressoava, mulheres e crianças da tribo anfitriã, cercaram-no em uma ciranda e começaram a seguir o ritmo com o bater dos pés na areia. Quer saber? Este deveria ser nosso mito de fundação! Não a primeira missa, mas o encontro entre duas culturas, entre os humildes que se entendiam pela linguagem da arte enquanto caciques e comandantes se fitavam, preparando-se para o embate político em que os aborígenes sairiam logrados. Mas, venceu o mestiço. Estamos aqui, apesar de tudo. E rezo pra que ainda tenhamos um pouco que seja do espírito dos humildes que formaram o povo e geraram uma das civilizações culturalmente mais ricas do mundo, enquanto poderosos insistiam em investir em seus projetos de usurpação, destruição e domínio.
    Enfim, nem todo português colonizador era um monstro. Nem todos que aqui aportaram nos encheriam de vergonha por sermos sua descendência. Ao contrário, a maioria não é mais do que o povo é ainda hoje: sobreviventes da exclusão. Fico feliz por ver um jornalista desempenhar o papel de educador ao produzir um texto que nos faz sentir orgulho de nossas raízes lusitanas e nos irmanarmos a uma nação que, como nós sempre andou às turras com seus desgovernos. Raízes populares que tal como nós, lutam contra a opressão histórica de uma elite alienígena e entreguista, com a alma e os olhos voltados para a imagem dos impérios, insensível a humanidade da maioria oprimida, para que se sintam parte de algo que nunca os aceitou e nunca os aceitará.

    1. Belo relato caro Edgard, feliz pela reflexão tão simples e tão escondida pelos nosso “historiadores” que insistem na tese absurda , medíocre e desonesta do saque continuado das riquezas do Brasil pelo POVO PORTUGUÊS durante a colonização. Esquecem que os comuns do POVO formaram a maior parcela do que hoje se chama de POVO BRASILEIRO !

      Viva para sempre o POVO PORTUGUÊS !! VIVA NOSSO POVO !!

  4. Tenho para mim que a célere entrega do poder aos civis teve como exemplo a não seguir o que se passou aqui 10 anos antes. A revolução começou depois de um golpe de estado dado por militares, e logo teve VOTO. A estes agradeço tudo o que pude ser.

    Sou o primeiro de minha família, enorme, a ter um diploma universitário. Isso não seria possível sem a revolução: educação e saúde públicas, gratuitas e universais. As histórias que ouvi das infâncias dos meus pais e dos meus avós são claras quanto ao destino que eu teria se nascido debaixo do regime.

    25 de abril sempre!

  5. Todo meu respeito à minha pátria mãe,Portugal.
    Todo meu respeito à Dom Pedro II.
    Imperador do Brasil.

    1. Viva Para SEMPRE SMI D. PEDRO II , primeiro brasileiro GOLPEADO pela sórdida elite nacional !!
      Viva Nossa Nação “Valente e Imortal” !!!
      Viva o 25 de ABRIL !!!
      Viva NOSSO POVO, NOSSA LÍNGUA MÃE, NOSSA LUTA !!!
      Viva PORTUGAL !!! Viva o BRASIL !!!
      Obrigado Fernando por lembrar aqui , mesmo em meio a nossa luta de hoje, as lutas de outrora e com especial menção ao 25 de Abril !!!


      Em cada esquina um amigo
      Em cada rosto igualdade
      Grândola, vila morena
      Terra da fraternidade

      Terra da fraternidade
      Grândola, vila morena
      Em cada rosto igualdade
      O povo é quem mais ordena ” !!

  6. Acho difícil enaltecer colonizadores sejam eles portugueses, ingleses ou franceses. A AL de hoje sofre ainda com a violência de uma população nativa subalternizada, violentada e vilipendiada no mais profundo de sua cultura nativa e sua alma. Concordo muito mais com Aníbal Quijano, Enrique Dussel e Walter Mignolo. O imperialismo em estado puro deve ser enfrentado, contexto este que nos leva ao início do século 16. Respeito o colonizador mas não aprecio o exterminador de Almas e Culturas do Novo Mundo. Esse texto ufanista e duvidoso deixa um gosto duvidoso. Os bolivianos são mais evoluídos na compreensão dessa questão central para a AL.

    1. … E de corpos femininos e masculinos reduzidos a condição bestial para satisfação do dominador. Aí está o erro original. Nessa sintese de dominacao bestalizada Dilma representa o amor pelo “outro” na foto que me tocou profundamente no blog da cidadania, intitulada : “a dor do desamparo”. É essa nossa realidade de AL explorada brutalmente desde sua origem. Essa foto de Dilma abracando uma garota pequena negra que chora e se refugia nos braços de Dilma fala muito mais do que as conquistas de colonizadores, por mais verdadeiras e humanas que estas sejam, é claro.

    2. Esse texto não enaltece colonizadores, pelo fato de estar tão somente homenageando a população portuguesa e seus segmentos politicamente “vivos”, pela capacidade de retomarem as rédeas de seus destinos democráticos, mesmo que essa democracia (assim como a nossa) esteja longe da perfeição.

      Seguindo a lógica que vc expôs, jamais deveríamos parabenizar por exemplo, a sociedade francesa (sua Burguesia à frente, é claro) por sua emancipação política e cultural da Monarquia Absolutista vigente naquele momento sob o “Rei-Sol”. Afinal, a histórica colonialista seguiu firme com a República até os tempos atuais.

      No artigo do Brito, creio que está claro, que o esforço é mostrar como se deu a articulação da instituição Militar, para que se chegasse à queda do regime Salazarista. Até porque, foram os mais expostos à violência dessa política externa intervencionista, falsamente engrandecedora de uma nação, onde suas famílias iam às profundezas da carestia e da falta de perspectiva.

      Sua análise sobre o imperialismo e o risco de o apoiarmos, é boa.
      Mas, por favor, somente quando alguém escrever uma babação de ovo, sem ponderacão.

      O que não é o caso.

      1. Exatamente, é por aí mesmo, a França é caso recorrente de colonização travestida de “pos-colonização”, ou seja, de uma falsa ideia de “colonização positiva” ainda pouco contestada nos dias de hoje. A narrativa imperialista contínua permeando a narrativa do dominado, assim, algumas ponderações nem sempre ajudam a verificar fatos históricos suficientemente isentos de ideologias e verdades absolutas.

  7. Somos todos portugueses. Infelizmente nossas Forças Armadas não podem agora impedir este golpe que pretende fazer o Brasil voltar a ser país sem soberania e dominado por traidores entreguistas. Pelo menos, acreditamos que as Forças Armadas devam impor aos traidores da Pátria e da Democracia que nossos grandes projetos de defesa fiquem incólumes à sanha golpista que vai concretizar o desmonte do país. .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *