A vitória dos garis e as razões de Estado

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É com grande alívio que eu leio, no noticiário deste domingo, que a prefeitura do Rio de Janeiro e os garis chegaram a um acordo. A greve foi encerrada, e os garis ganharão um aumento salarial de 37% no salário-base, que passará de R$ 803 para R$ 1.100. Com o adicional de 40% de insalubridade, a renda mensal dos garis em início de carreira chegará a R$ 1.540. O ticket alimentação passará de R$ 12 para R$ 20 por dia.

O prefeito prometeu readmitir os 300 grevistas demitidos no auge da queda-de-braço entre prefeitura e trabalhadores.

O alívio de que falo se dá, em primeiro lugar, por saber que uma classe essencial de trabalhadores terá uma vida melhor. Em segundo, porque a coisa estava bem feia nas ruas do Rio. O problema do lixo já é gravíssimo na cidade mesmo com a Comlurb trabalhando a todo vapor. Imagine em greve! É um problema que atinge mais profundamente as áreas carentes da cidade, e eu pensava no lixo se acumulando nas favelas. Isso é nitroglicerina pura!

Resolvido, ou menos temporariamente, o problema salarial, ainda temos muitos problemas a resolver na área da limpeza urbana. Desculpem-me tratar de um tema municipal num blog de projeção nacional, mas creio que se trata de um problema geral de quase todas as cidades brasileiras.

A cidade do Rio tem poucas lixeiras, e as que tem são pequenas. Não dão vazão à quantidade de lixo produzida nas ruas.

É um grande absurdo, por exemplo, que até hoje não se faça uso de caçamhas de lixo por edifícios e residências. O lixo é posto em sacos e jogado nas ruas. Há momentos em que a cidade fica parecendo um lixão a céu aberto, ainda mais porque os sacos são abertos por moradores de rua.

O trabalho dos garis fica imensamente dificultado por essa realidade, porque os garis tem de lidar, manualmente, com sacos abertos jogados na rua. É uma situação de insalubridade total para eles. Em qualquer cidade grande moderna, o lixo é posto em caçambas, que são içadas mecanicamente para dentro dos caminhões. Aqui, o gari é obrigado a recolher o lixo com as mãos.

A prefeitura deveria iniciar, urgentemente, uma campanha em prol da reciclagem. Podia começar até por uma coisa simples: exigindo que edifícios e residências separassem o lixo em orgânico (restos de comida, etc) e não-orgânico (plásticos, vidros, etc), cada um numa caçamba diferente. O próprio uso de sacos plásticos deveria ser substituído por sacos confeccionados por algum tipo de material biodegradável.

As “razões de Estado” do título refere-se ao cuidado que devemos ter ao lidar com greves de áreas essenciais do serviço público. Eu acho que deveríamos regulamentar melhor essas greves, mas não para tolher o direito dos trabalhadores de exigirem melhores condições e salários, mas ao contrário, para ampliar esse direito sem, no entanto, usá-lo para desmoralizar o serviço público, levando o povo a apoiar a privatização.

Não teria sentido, por exemplo, um cirurgião abandonar a sala de operações de um hospital de emergência para ingressar numa greve, e ainda fazezr piquete na porta para impedir que outro médido desse continuidade ao procedimento.

Dessa vez, a greve deu certo porque o prefeito Eduardo Paes, apesar dos milhões de defeitos que possui (inclusive, ao que parece, o de jogar lixo no chão), sentou para dialogar democraticamente com os garis e entendeu suas reinvindicações.

O secretário chefe da Casa Civil, Pedro Paulo (que está sendo preparado por Paes para ser seu mais provável sucessor), afirmou que o aumento dos salários dos garis impactará em R$ 400 milhões o orçamento anual da Comlurb, que hoje é  R$ 1,4 bilhão, sendo R$ 700 milhões para folha de pagamento.

Houve muitas acusações de “politização” da greve. Acusou-se liderançs de envolvimento com partidos, com Garotinho, com Feixo, com o PT.  Temos que tomar muito cuidado com esse tipo de leviandade porque faz parte da mesma campanha de criminalização da política que tanto denunciamos. Não é negativo que lideranças sindicais, oficiais ou não, das categorias sejam ligadas a partidos. Estamos numa democracia e devemos estimular que os trabalhadores assumam posições e participem do processo de representação política que o sistema oferece a todos.

O que devemos combater, naturalmente, é a irresponsabilidade, a greve pela greve, a falta de bom senso. Aliás, bom senso é o conceito fundamental para se avaliar a pertinência ou não de uma greve. O bom senso vale para o Estado, vale para o grevista, vale para o trabalhador, e vale para o cidadão comum. Com racionalidade e equilíbrio, consegue-se sempre chegar a um acordo.

O importante é ter em vista o objetivo coletivo de uma cidade, que é melhorar a qualidade de vida para todos, em especial para os trabalhadores de baixa renda, como os garis.

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8 respostas

    1. Mais ou menos 4.400 reais para 40hs/semana…acho que tem mais alguns benefícios como vale para a compra de livros, etc. É o maior salário entre as capitais. É claro que a maioria dos professores do país não trabalham em turno único e sim em turnos de 16, 22hs, etc. A prefeitura do Rio vem ampliando o turno único e quer chegar a 100% em 2020.

  1. Algumas autoridades disseram que se as pessoas não jogassem lixo nas ruas, elas não estariam sujas. Demostração de incompetência porque, principalmente no centro do Rio, existem milhares de empresas que precisam descartar seus lixos, além das pessoas em suas casas. Quanta ignorância… No mais, parabéns aos garis. Eles merecem!

  2. acredito que zani não foi feliz,e sua conclusao vai alem da premissa posta no texto pelo blogueiro. A tese do fernando seria que -certos tipos de greves precisam de regulamentaçao especial, desde que nao se lhes negue o direito de faze-la) E analogias sao factiveis,fracas ou defensaveis desde q tenham faces de contato.

  3. Quando conheci, de fato, como eram tratados esses brasileiros, nossos irmãos, os garis do Rio de Janeiro, torci para eles. Manifestei-me em blogs em seu favor, mesmo durante o carnaval, pois foi aí que eles marcaram a sua posição.

    Maravilhosos guris! Mostram que podemos protestar sem violência, mostrando suas razões e, se tiverem, receberão, como receberam eles, a concordância da sociedade, que, após ver todo o estrago, perceberam que o trabalho deles, mesmo humildes, valem e muito mais do que pediam.

  4. Essa estória de caçambas é para prefeitos de alto nível, a gentalha que governa o rio desvia dinheiro de todas as áreas da vida pública, inclusive do saneamento básico. E estão se lixando para a limpeza da cidade. Não tivemos nem temos um Prefeito que amasse ou ame esta bela cidade. Além de deixá-la permanentemente imunda,com suas calçadas sempre estragadas e prédios degradados, o Paes, como o fez Cesar Maia, está destruindo a natureza da cidade, derrubando árvores por toda parte, deixando-as sem tratamento contra fungos e outros males. O Aterro, cartão postal do país, hoje é um lixo a céu aberto, com pouca grama e a que resta toda amarelada, o Rio Carioca fedorento e o piso de madeira que colocaram sobre ele apodrecendo, a pista para caminhada e ciclovia toda quebrada, enfim, este é o legado que, como o maluco beleza, nos deixará esse ex-tucaninho.O que dirão os turistas?

  5. O prefeito sentou para conversar porque viu que seu poder é totalmente nulo diante da vontade da população, que já conhece muito bem o prefeito e seus manjados blefes. A população sempre esteve ao lado dos garis, como está ao lado dos professores, dos profissionais de saúde e da segurança pública. O prefeito se mostra, cada vez mais, muito imperfeito para comandar uma cidade como o Rio de Janeiro e já mostra, também, sinais que de a prefeitura está administrativamente perdida, tal o confuso descontrole na coordenação, organização e execução das obras em toda cidade. Tudo isso sem falar nas péssimas recomendações que o mesmo faz para a população do Rio de Janeiro, tanto que é o alvo nº 1 das piadas e o titular escalado para ser o bobo da corte pelos cariocas.

  6. “Em qualquer cidade grande moderna, o lixo é posto em caçambas, que são içadas mecanicamente para dentro dos caminhões. Aqui, o gari é obrigado a recolher o lixo com as mãos.”

    Considerando o impacto de 400milhões, daria, sim, para aparelhar a coleta.

    Mas assim como em toda cidade grande moderna não existe a figura do trocador, fazer isso colocaria uns 75% dos garis no desemprego, já que só com o motorista (e um caminhão próprio) coletaria-se o lixo.

    Tenho certeza que os “donos” das empresas de coleta de lixo têm esse sonho, afinal, caminhão não faz greve, não falta ao trabalho, não fica doente e, especialmente, não está submetido às regras da CLT!

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