O “mea culpa” da Folha dá loas à ditadura

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Depois do Globo dar o exemplo, a Folha finalmente publica o seu “mea culpa” por ter apoiado a ditadura. Só que, se me permitem o latinismo exagerado, é um mea culpa sui generis. O jornalão dos Frias, na prática, faz um enorme elogio à ditadura, e ainda xinga de “pusilânime” quem condena “agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais”.

Na verdade, portanto, não é um mea culpa. É uma explicação esfarrapada e manipuladora. Até porque, se a Globo foi a empresa que emergiu mais rica e poderosa em virtude de seu apoio ao regime, a Folha foi a que se prestou ao papel mais sangrento: emprestou veículos para os órgãos de tortura transportarem militantes anti-regime.

Isso e muitas outras coisas.

Entretanto, entendo como positiva a intenção da Folha de oferecer uma explicação, mesmo que enviesada, repleta de loas aos anos de chumbo, para o apoio que deu ao arbítrio.

Só que, pelo jeito, teremos que aguardar mais cinquenta anos para nossas empresas de mídia apresentarem desculpas verdadeiras, compungidas e sem tergiversação, ao apoio vil que deram ao assassinato dos valores democráticos que vínhamos cultivando desde o fim da II Guerra.

Pedimos licença à Folha para reproduzir o seu editorial, para registro histórico.

*

1964

Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais

O regime militar (1964-1985) tem sido alvo de merecido e generalizado repúdio. A consolidação da democracia, nas últimas três décadas, torna ainda mais notória a violência que a ditadura representou.

Violência contra a população, privada do direito elementar ao autogoverno. E violência contra os opositores, perseguidos por mero delito de opinião, quando não presos ilegalmente e torturados, sobretudo no período de combate à guerrilha, entre 1969 e 1974.

Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade –o socialismo revolucionário e a economia de mercado. Polarizadas, as forças engajadas em cada lado sabotavam as fórmulas intermediárias e a própria confiança na solução pacífica das divergências, essencial à democracia representativa.

A direita e parte dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e impuseram um governo ilegítimo. Alegavam fazer uma contrarrevolução, destinada a impedir seus adversários de implantar ditadura ainda pior, mas com isso detiveram todo um impulso de mudança e participação social.

Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país.

As responsabilidades pela espiral de violência se distribuem, assim, pelos dois extremos, mas não igualmente: a maior parcela de culpa cabe ao lado que impôs a lei do mais forte, e o pior crime foi cometido por aqueles que fizeram da tortura uma política clandestina de Estado.

Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento. Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um período de estagnação ou retrocesso.

Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa.

Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a taxa de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965, caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais até chegar a 15,3 em 2011).

No atendimento às demandas de saúde e educação, contudo, a ditadura ficou aquém de seu desempenho econômico.

Sob um aspecto importante, 1964 não marca uma ruptura, mas o prosseguimento de um rumo anterior. Os governos militares consolidaram a política de substituição de importações, via proteção tarifária, que vinha sendo a principal alavanca da industrialização induzida pelo Estado e que permitiu, nos anos 70, instalar a indústria pesada no país.

A economia se diversificou e a sociedade não apenas se urbanizou (metade dos brasileiros vivia em cidades em 1964; duas décadas depois, eram mais de 70%) mas também se tornou mais dinâmica e complexa. Metrópoles cresceram de modo desordenado, ensejando problemas agudos de circulação e segurança.

O regime passou por fases diferentes, desde o surto repressivo do primeiro ano e o interregno moderado que precedeu a ditadura desabrida, brutal, da passagem da década, até uma demorada abertura política, iniciada dez anos antes de sua extinção formal, em 1985.

As crises do petróleo e da dívida externa desencadearam desarranjos na economia, logo traduzidos em perda de apoio, inclusive eleitoral. O regime se tornara estreito para uma sociedade que não cabia mais em seus limites. Dissolveu-se numa transição negociada da qual a anistia recíproca foi o alicerce.

Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro.
Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais.

É fácil, até pusilânime, porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias.
Visto em perspectiva, o período foi um longo e doloroso aprendizado para todos os que atuam no espaço público, até atingirem a atual maturidade no respeito comum às regras e na renúncia à violência como forma de lutar por ideias. Que continue sendo assim.

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11 respostas

  1. E ainda tem coragem de chama de “pusilânimes” os que são contra a Folha.
    Apoiaram a ditadura e ainda querem que batemos palmas. Tenham santa paciência seus calhordas.

  2. “…Parte da esquerda forçou os limites da legalidade…” Este é, entre outros tantos, mais um exemplo de cinismo e descaramento da FSP. Quais seriam estes “limites da legalidade”? O que está dentro da legalidade é legal e ponto! O que estava fora, portanto, eram os golpistas e seus apoiadores, que rasgaram a constituição e impuseram, em nome de uma elite minúscula e predadora, um regime espúrio em todos os sentidos. Não há justificativa que caiba para a atitude tomada pelo jornal, tanto à época dos fatos, como agora, 50 (!!) anos depois.

  3. A ESCROTIDÃO DOS SENHORES DA FOLHA DE SÃO PAULO

    Desde 7 DE FEVEREIRO DE 2009, em outro editorial nojento, e até o dia de hoje, os senhores da Folha de São Paulo vinham dizendo que tínhamos vivido uma “ditabranda”.

    Há cerca de UM MÊS sairam a campo para pesquisar a tese deles sobre o grau de apoio popular a uma ditadura no Brasil.

    E NA SEMANA PASSADA estavam, a todo vapor, convocando no Jornal, na Internet e na sua “TV Cultura”, a Marcha da Família com Deus II. para tentar mais um golpe contra um Governo Trabalhista.

    Depois do fracasso da sua tese do apoio popular à uma ditadura e do fiasco da marcha pró-ditadura, vem a Folha uma semana depois aparecer com este editorial canalha. Que encerram dizendo que “o período foi um longo e doloroso aprendizado para todos os que atuam no espaço público”.

    Todos quem, caras pálidas ?

    Junto com os Mesquita e os Marinho, entre tantos outros, os senhores da Folha de São Paulo ENRIQUECERAM na ditadura que apoiaram e da qual participaram ativamente, doando caminhonetes e recursos para sustentar o aparato repressivo de tortura, estupro e assassinato, e, na caradura, veem agora dizer que tiveram um “doloroso aprendizado”.

    Quem é mais repugnante ? Quem é mais criminoso ? Um Coronel Ustra, que torturou e matou algumas dezenas de “terroristas” ? Um Coronel Malhães, que torturou e matou algumas dezenas de “terroristas” ?

    Ou os senhores da Folha de São Paulo, responsável pela sustentação de TODOS OS TORTURADORES E ASSASSINOS DA DITADURA, entregando à execração pública nas suas primeiras páginas a fotografia e a lista das próximas vítimas, comemorando nas suas primeiras páginas o estupro, assassinato e desaparecimento das vítimas anteriores, e ENRIQUECENDO com este trabalho sujo contra o Brasil e os brasileiros ?

    Senhores da Folha de São Paulo: vocês são um bando de escrotos.

  4. Ditadura – DITADURA – DITADURA
    È o que foi…
    E eu sempre associo a:
    tortura, choro, sangue, dor,desespero,chute na bunda, covardia, cusparada, humilhação, morte, desaparecimento de corpos, sequestro de crianças,estupro, pedofilia, agressão, socos e pontapés, berros, tapa na cara,esculacho, desumanização, psicopatas, medo,trucidar, choque elétrico, afogamento, lançar homens vivos ao mar, lançar mendigos ao mar,direita, jornais da direita, globo, militares corruptos, vendilhões da pátria,estado pequeno demais, morte de índios, morte de negros, grilhagem de terras, entrega de empresas, morte de ciganos,etc.etc.etc.
    Poderia ficar aqui pensando em tudo o que já li…só nos blogs,TV Brasil, TV escola, TV SENADO.
    Para quem sofreu, esta é uma homenagem de um simples comentarista, homenagem a você que entregaram um Brasil melhor..

  5. Os carros da Folha não eram usados para transporte. Eles eram, sim, utilizados como carros “camuflados”, civis, um veículo “inocente” qualquer, para emboscar resistentes.

  6. Não consegui passar do terceiro parágrafo. Ditadura comunista? Claaaaro… Nojento, arrogante, hipócrita. Cuspo nesse editorial.

  7. A ditadura favelizou as grandes cidades, expulsou as famílias do campo, com o aumento da concentraçao de terras e falta de apoio aos pequenos agricultores, o que resultou em inchamento das áreas urbanas, sem condições de infraestrutura para receber tanta gente, que passou a viver em condições de miséria e em meio à violência, que só aumentou no governo dos ditadores. Houve crescimento do tráfico e consumo de drogas e o surgimento do crime organizado nas favelas do Rio de Janeiro que, posteriormente, foi exportado para SP, já no governo do PSDB. A corrupção na ditadura era generalizada, sem punição, sem meios para se denunciar, e com a total conivência do governo, que premiava os amigos, os apadrinhados, os delatores, etc. Não se contratava por concurso público, mas por indicação política. Houve um agravamento da concentração de renda, num tempo em que os ricos ficaram mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A educação piorou, a qualidade da escola pública desabou, o salários dos professores foi rebaixado, a saúde era uma calamidade. A Folha Ditabranda tem a desfaçatez de dizer que houve redução na mortalidade infantil no período de 1965 a 1985 – esse jornal é mesmo muito manipulador, pois a mortalidade infantil nesse longo período caiu no mundo inteiro, como ocorreu em todo o século XX, devido às descobertas da ciência e evolução da medicina. Se não fosse o aumento da miséria do povo no período da ditadura, com certeza a redução teria sido muito maior aqui no Brasil. A ditadura empobreceu o Brasil, pois o aumento do PIB não se refletiu em melhoria das condições de vida da população, mas ao contrário, houve piora nas condições sociais e até na economia, pois o pib cresceu às custas de endividamento externo, dinheiro fácil que os eua e bancos estrangeiros emprestaram aos ditadores para ganhar depois com os juros elevados. Com isso, a economia brasileira ficou comprometida por décadas, o endividamento atrasou o desenvolvimento econômico do Brasil, mesmo após o fim da ditadura. Mas alguns grupos ganharam muito dinheiro naquele período, principalmente os empresários que colaboraram com os ditadores, e até com a tortura, como os donos desse jornaleco, que emprestavam carros para transporte de presos políticos. E os colaboradores da ditadura ainda querem contar a História.

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