Um dos problemas da mídia brasileira é que ela inventa uma narrativa que não corresponde à realidade.
Apenas serve a um propósito político.
Segundo esta narrativa, a corrupção começou agora, com o PT.
É uma coisa esquizofrênica, porque no momento em que a Polícia Federal e o Ministério Público iniciam grandes investigações, que não poupam ninguém, nem membros do governo, nem gente da cúpula dos partidos governistas, ou seja, quando há efetivamente, combate à corrupção, pinta-se um quadro de descontrole administrativo que, na verdade, pertence ao passado.
A corrupção em grande escala sempre acontece nos bastidores do poder. Por isso, investigações que não atingem o próprio governo e os próprios partidos no poder não são objetivas.
Era o que acontecia antes. Não havia investigação. A Polícia Federal era uma ferramenta de partido, e suas atividades não poderiam jamais afetar a imagem do governo. Ao final do governo FHC, chegou-se ao cúmulo do diretor da Polícia Federal ser um militante filiado ao PSDB.
Hoje, não. Hoje a Polícia Federal tem independência. Tanta independência que alguns setores são, inclusive, acusados de estarem à serviço da oposição.
Isso também não pode acontecer. A PF não pode servir nem ao governo, nem à oposição.
De qualquer forma, ninguém hoje nega que a PF tem muito mais autonomia do que jamais teve no passado. Investiga mais, possui mais estrutura (mais gente e mais recursos), e tem mais autonomia.
Dito isso, publico abaixo uma entrevista concedida à Istoé, em fevereiro de 1996, por Murilo Mendes, então presidente de uma das maiores empreiteiras nacionais, a Mendes Jr.
É uma entrevista com valor político e literário. Político, porque Mendes Jr. abre o jogo, às vezes diretamente, às vezes com insinuações, sobre a corrupção generalizada que existia na relação entre as empreiteiras e os governos.
A própria Istoé, no editorial daquela edição, deixa bem claro que a corrupção era a regra:
Eu falei em “valor literário” da entrevista porque Murilo Mendes usa uma linguagem solta, cheia de palavrões, que expressa uma época que hoje parece tão distante do padrão politicamente correto que rege nossa imprensa.
Trechos com insinuações interessantes:
“Serjão” era o apelido de Sergio Motta, o homem forte do governo FHC na relação com o congresso, acusado de ter sido o operador do esquema de propinas para a aprovação da emenda da reeleição. Esse é o homem com quem Murilo Mendes admite ter “conversa de empreiteiro”.
Além de operador político, Motta também era ministro da Comunicação, o homem que lidava diretamente com os grandes grupos de mídia, enchendo-os com dinheiro da publicidade institucional. Não existia esse negócio de “mídia técnica”. A grana era para Globo, Abril, Folha, Estadão, Istoé, e ponto final.
Trechos com confissões do presidente da Mendes Jr, sobre existência da cultura de propina:
Entretanto, é de se notar a simpatia da Istoé pelo entrevistado, e pelas empreiteiras de maneira geral, mesmo sabendo que elas pagavam propina a funcionários do governo.
A entrevista é feita com explícito objetivo de defender o ponto-de-vista do presidente da Mendes Jr, cujos negócios sofriam com uma dívida de R$ 3 bilhões que o governo não queria pagar.
Ainda não havíamos chegado ao vale-tudo de hoje, em que, na ânsia de derrubar um governo eleito, a mídia não mais se preocupa com o destino das empresas e dos milhões de empregos agregados às suas atividades.
A íntegra da entrevista, e o editorial da Istoé podem ser vistos abaixo:
10 respostas
Parabéns, é fundamental que se reforce este “lado negro da força”. O Brasil prosperaria muito de houvesse a extinção da corrupção nas campanhas eleitorais. Além de enricar políticos e empobrecer brasileiros que precisam de trabalho, deixa “equivalência de voto” de lado, o cidadão que vale um voto, têm que disputar com a corrupção que dá milhões para a campanha de quem deseja eleger e certamente ganha.Só, esperamos que os movimentos não deixem de pressionar para ser abolido a dinheiro corrupto nas campanhas.
Fundamental, essa lembrança. Não somente para buscar equilíbrio na análise do momento político atual, mas, também, para promover uma história (enquanto campo de conhecimento) para além da escrita pela mídia hegemônica, completamente desprovida de crédito e isenção. Parabéns.
Olha, quando eu vejo uma matéria daquela época (os anos negros em que o PSDB governou o país) e vejo um dos maiores empreiteiros falando abertamente das propinas que as empreiteiras pagavam para ganhar licitações, sem o menor receio de serem investigado pela PF e pelo MP ou de que a imprensa inflasse protestos contra o governo, tenho vontade de denunciar os pais dos nosso jovens atuais que vão “bater panelas” contra a Dilma, por abandono intelectual de incapaz, por não contarem de forma desavergonhada como eram as coisas na era do PSDB.
Sério, dá nojo de ler uma entrevista dessas e ver quão grande era, não só a sensação de impunidade naquela época, mas a certeza da impunidade, por saber que a PF e o MP eram apenas brinquedos úteis ao PSDB e a mídia fazia apenas críticas pontuais para não dizer que não criticava.
Aliás, os membros do MP e da PF, deviam ler essas matérias e corarem de vergonha junto com os “paneleiros”.
Miguel.
O seu texto está errado: todo mundo sabe que a corrupção começou com a chegada de D. João VI, em 1808, e terminou com a eleição do FHC, em 1994. Aí, depois de um período glorioso de oito anos da maior retidão republicana que já se viu no universo, tudo voltou a desandar em 2003, com a eleição de Lula. A solução é a volta alada da pureza e honestidade bicuda.
[ ]s,
Ninguém
Tem razão, rs.
Essa entrevista deve ser enviada ao dr. Moro. O tal clube que participava das concorrências da Petrobrás é muito mais antigo do que se pensa. Esse empreiteiro informa que até na Alemanha o cartel de empreiteiras também existia na época. Assim o que é importante é inviabilizar o cartel ampliando ao máximo os participantes das concorrências. Não adianta quebrar as empreiteiras brasileiras e trazer as do exterior. O MPF ao trabalhar contra os acordos de leniência, os quais preveem o ressarcimento dos valores eventualmente desviados, está prejudicando o País. Os criminosos devem ser punidos mas as empresas devem continuar.
Aqauela coisa Amigos dos Amigos!
O tal Patrimonialismo.
Quem tiver a oportunidade de ler os excelentes livros de história do Brasil, escritos pelo Laurentino Gomes, verá a seguinte narrativa. Dom Pedro I, com a corte quebrada e totalmente na pitanga, comprava cavalos pangarés baratinhos e os marcava com o sinete da Cavalaria Real e os revendia por um bom preço. Isso é só um exemplo de como começou a Lei de Gerson no Brasil.
Miguel,
excelente abordagem,
e não é que estamos diante da oportunidade histórica de superar essas práticas?
E porque tanta gente, de esquerda inclusive, está tão alarmada, crítica e desesperada?
Abraço.