Santayanna: a dívida do Brasil não é explosiva; destrutivos são os juros

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Do mestre Mauro Santayanna, em seu blog:

Seguindo a linha de criação de factoides adotada por setores do governo interino – exibe-se a bandeira da “austeridade” com a mão e aumenta-se, com a outra, em mais de R$ 60 bilhões as despesas, proventos e contratações. Uma das novidades da equipe econômica interina é a criação de um “teto” para as despesas do setor público para os próximos 20 anos. A principal desculpa para engessar ainda mais o país – e até mesmo investimentos como os de saúde e educação – é, como sempre, o velho conto da dívida pública. Segundo jornais como O Globo, a dívida bruta do Brasil somou R$ 4,03 trilhões em abril, o equivalente a 67,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – e pode avançar ainda mais nos próximos meses por conta do forte déficit fiscal projetado para este ano e pelo nível elevado da taxa de juros (14,25% ao ano).

E daí? A pátria do Wall Street Journal, os Estados Unidos, multiplicou, nos primeiros anos do século 21, de US$ 7 trilhões para US$ 23 trilhões a sua dívida pública bruta, que passou de 110% do PIB este ano, e se espera que vá chegar a US$ 26 trilhões em 2020. A Inglaterra, terra sagrada da City e The Economist, que tantas lições tenta dar – por meio de matérias e editoriais imbecis – ao Brasil e aos brasileiros, mais que dobrou a sua dívida pública, de 42% do PIB em 2002 para quase 90%, ou 1,5 trilhão de libras esterlinas (cerca de US$ 2,2 bilhões), em 2014. A da Alemanha também é maior que a nossa, e a da Espanha, e a da Itália, e a do Japão, e a da União Europeia…

Já no Brasil, com todo o alarido e fantástico mito – miseravelmente jamais desmentido pelo partido – de que o PT quebrou o Brasil, a dívida pública em relação ao PIB diminuiu de quase 80% em 2002, para 66,2% do PIB em 2015. Enquanto a dívida líquida caiu de 60% para 35%. E poupamos US$ 414 bilhões desde o fim do malfadado governo de FHC (US$ 40 bilhões pagos ao FMI mais R$ 374 bilhões em reservas em internacionais). E somos um dos dez países mais importantes do board do FMI, e o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.

Então vamos à inevitável pergunta: por que será que os países mais importantes do mundo e as chamadas nações “desenvolvidas” são, em sua maioria, os mais endividados?

Será que é porque colocam o desenvolvimento na frente dos números? Será que é porque não dão a menor pelota para as agências de classificação de risco, que, aliás, estão a seu serviço, e nunca os “analisaram” ou “rebaixaram” como deveriam? Será que é por que conversam fiado sobre países como o Brasil, mas não cumprem as regras que não param – para usar um termo civilizado – de “jogar” sobre nossas cabeças? Ou será que é porque alguns, como os Estados Unidos, estabelecem seus objetivos nacionais, e não permitem que a conversa fiada de economistas e banqueiros e a manipulação “esperta” de dados, feita também por grupos de mídia que vivem, igualmente, de juros, sabote ou incomode seus planos estratégicos?

Todas as alternativas anteriores podem ser verdadeiras. O que importa não é o limite de gastos. Nações não podem ter amarras na hora de enfrentar desafios emergenciais e, principalmente, de estabelecer suas prioridades em áreas como energia, infraestrutura, pesquisa científica e tecnológica, espaço, defesa. O que interessa é a qualidade do investimento.

Como não parece ser o caso, como estamos vendo, dos reajustes dos mais altos salários da República, e dos juros indecentes que o Estado brasileiro repassa aos bancos, os maiores do mundo. Que tal, senhor ministro Henrique Meirelles, adotar a mesma proposta de teto estabelecida para os gastos públicos exclusivamente para os juros e os respectivos bilhões transferidos pelo erário ao sistema financeiro todos os anos? Juros que não rendem um simples negócio, um prego, um parafuso, um emprego na economia real – ao contrário dos recursos do ­BNDES, que querem estuprar em R$ 100 bilhões para antecipar em “pagamentos” ao Tesouro?

Agora mesmo, como o ministro Meirelles deve saber, os juros para igual efeito na Alemanha – com uma dívida bruta maior que a do Brasil – estão abaixo de zero. Os títulos públicos austríacos e holandeses rendem pouco mais de 0,2% ao ano e os da França, pouco mais de 0,3% porque são países que, mesmo mais endividados que o Brasil, não são loucos de matar sua economia, como fazemos historicamente – e seguimos insistindo nisso, com os juros mais altos do planeta, de mais de 14% ao ano, e outros, ainda mais pornográficos e estratosféricos, para financiamento ao consumo, no cheque especial, no cartão de crédito etc.

A diferença entre países que pensam grande e países que pensam pequeno, senhor ministro Henrique Meirelles, é que os primeiros decidem o que querem fazer, e fazem o que decidiram, sem admitir obstáculo entre eles e os seus objetivos. Enquanto os segundos, por meio da ortodoxia econômica – e do entreguismo –, antes mesmo de pensar no que vão fazer, submetem-se servilmente aos interesses alheios, e criam para si mesmos obstáculos de toda ordem, adotando – como as galinhas com relação à raposa na reforma do galinheiro – o discurso alheio.

Aqui, senhor ministro, não determinamos nem discutimos, nem defendemos interesses nacionais, e quando temos instrumentos que possam nos ajudar eventualmente a atingi-los, como ocorre com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, nos dedicamos a enfraquecê-los e destruí-los.

Cortando onde não se deve e deixando de cortar onde se deveria, estão querendo matar o Estado brasileiro, que, de Brasília a Itaipu, foi responsável pelas maiores conquistas realizadas nos últimos 100 anos – na energia, na mineração, na siderurgia, no transporte, na exploração de petróleo, na defesa, na aeronáutica, na infraestrutura.

Não existe uma só área em que, do ponto de vista estratégico, a iniciativa privada tenha sido superior ao Estado, como fator de indução e de realização do processo de desenvolvimento nacional nesse período – até porque, fora algumas raras, honrosas exceções, ela coloca à frente os seus interesses e não os interesses nacionais.

E é com base justamente na premissa e no discurso contrário, que é falso e mendaz, que se quer justificar uma nova onda de entrega, subserviência e privatismo, com a desculpa de colocar em ordem as contas do país, quando, no frigir dos ovos, nem as contas vão tão mal assim. Basta compará-las às outras nações para perceber isso. As dificuldades existem muito mais no universo nebuloso dos números, que mudam ao sabor dos interesses dos especuladores (onde está a auditoria da dívida?) do que na economia real.

Se a PEC do Teto, como está sendo chamada pelo Congresso, for aprovada, as grandes potências, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha – ainda que mais endividadas que o Estado brasileiro – continuarão progredindo tecnológica e cientificamente, e se armando, e se fortalecendo, militarmente e em outros aspectos, nos próximos anos, enquanto o Brasil ficará, estrategicamente, inviável e imobilizado, e ainda mais distante dos países mais importantes do mundo.

Para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais complexo e competitivo, senhor ministro Henrique­ Meirelles, o Brasil precisa de estratégia, determinação e bom senso. E não de mais camisas de força.

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3 respostas

  1. a nova 1ª ministra britanica – Theresa May – ja disse que brechit é bréchit , que nao quer volta pela porta dos fundos e q vai fazer disso um sucesso. Alias uma tory após uma margareth thatcher tem que provar que é mais macha que antecessora, senão.. E como uoxinton vai fazer na UE, sem ter ali seu tão util cavalo de Troia? Nao sei, só desconfio.

  2. Vejo no fundo do quadro, num canto escondido, sua encarnação anterior: Joaquim Silvério…

  3. “Não existe uma só área em que, do ponto de vista estratégico, a iniciativa privada tenha sido superior ao Estado”.

    O nosso articulista quer matar de desgosto os neoliberais privatistas e seu fundamentalismo de mercado?

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