Como no regime de 64, o golpismo não consiste apenas em tirar do poder aqueles que legitimamente o ocupam.
É preciso impedi-los de disputá-lo, outra vez, pelos meios legítimos da eleição e do voto popular.
Os generais do golpe arrogaram-se o direito de cassar , por 10 anos, direitos políticos.
Os golpistas de Temer, mais modestos, por “apenas” 8.
Em tese, dizem que isso não é desejo de vingança ou receio que a presidente deposta possa se tornar símbolo da ilegitimidade do novo regime.
Os zelosos políticos que desdenharam da necessidade de provar crime de responsabilidade necessário, pela Constituição e pelas leis, para o impedimento, dizem que isso é necessário para cumprir a Constituição que diria que a perda dos direitos políticos viria automaticamente com a perda do mandato.
Gilmar Mendes, o dono da lei e da verdade absoluta, diz que o que ele chama de “fatiamento” é “bizarro” e que até um aluno de jardim de infância o veria.
É possível que um aluno de jardim de infância pense assim, porque é ainda é uma criança de limitada compreensão.
Mas não um adulto, que saiba observar o que está escrito na Constituição e na Lei 1079
, que regula o impeachment.
Vejamos primeiro a lei, que é inferior à constituição e que poderá, se a Carta magna obrigar a algo diferente, perder o valor: não ser “recepcionada”, como dizem os juristas.
Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.
As duas etapas estão claramente previstas aí: “no caso de condenação (primeira etapa) o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado (segunda etapa) e, no caso, a previsão de que poderia haver uma terceira etapa, no caso de crime comum, a de oferecer denúncia à Justiça Comum.
Adiante, isso se torna absolutamente explícito e detalhado:
Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pêlos senadores desimpedidos que responderão “sim” ou “não” à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: “Cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?”
Parágrafo único. Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o Presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública.
E o prazo para esta inabilitação é expressamente previsto:
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.
38 anos depois, a Constituição de 1988 vem e não estabelece outro rito de responsabilização de governantes, tanto que todos concordam que é a Lei 1.079 que segue regulando o impeachment.
O que ela faz é limitar e ampliar as sanções previstas naquela lei.
Art. 52 (…)
Parágrafo único. -Nos casos previstos nos incisos I e II (julgamento de Presidente, Vice, etc), funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
É nítido que a Constituição limita a condenação, não fixa a a condenação. O prazo é estendido para oito anos. Desparece, também, a faculdade de decidir “sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado”, justamente por se tratar de um comando restritivo do apenamento.
A visão de que é possível aplicar a pena de pena de cargo sem a inbilitação para o exercício da hunção pública (ou dosando-a) é, entre outros “meninos de jardim de infância” de juristas ilustres, como o ex-ministro do STF josé Néri da Silveira.
Mas todas estas questões viram muito pouco diante da questão de fato: o Supremo Tribunal Federal vai “meter a mão na cumbuca” do impeachment? Se o fizer, o caminho estará aberto para que se examine a legalidade de todo o julgamento.
É duvidoso que o faça, porque significa abrir a porteira para um sem-número de questões que, mesmo formalmente versando sobre questões procedimentais, acabem por levar á discussão daquilo que o Supremo pela-se de medo de discutir: o mérito – ou a falta de mérito – da condenação de Dilma por crimes de responsabilidade que não cometeu.