A cúpula da diplomacia – e leia-se sempre relações econômicas internacionais ao ler-se diplomacia – brasileira está encaixada naquela tradicional e curiosa expressão: ser mais realista do que o rei.
Realista, aí, por óbvio, não se refere à realidade, muito ao contrário. É defender o império mais que o próprio imperador.
A coluna de Elio Gaspari – longe de bolivarianismos, portanto – de hoje é a tradução, em texto, do curioso episódio jornalístico de ontem.
Enquanto a primeira página do Estadão anunciava o abandono, pelo novo governo dos EUA do Tratado Transpacífico, no outro lado da folha de papel o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, defendia, em artigo, que uma das prioridades da diplomacia e do comércio brasileiros era…ingressar no tratado…
Gaspari, com toda a razão, diz que Trump fez todos – ou quase todos, porque aqui abundam estas exceções – se lembraram que os países precisam ter olhos em seus próprios interesses quando se trata de sua inserção mundial. Mais ainda aqueles países que, por seu tamanho e expressão, têm tudo para ter peso próprio no mundo, como é o nosso caso.
A estátua de Trump deve ficar no Itamaraty e a homenagem nada teria a ver com a essência de suas decisões. Serviria apenas para lembrar que os países precisam de políticas nacionais. Certas ou erradas, mas nacionais. Quem brinca de vagão acaba abandonado no meio da estrada.
O Brasil, que ensaiou tais políticas no Governo Lula tem, hoje, uma projeção diplomática com a dupla Michel Temer – José Serra que coloca o nosso país na estranha situação de alguém que se oferece para fazer “tudo o que o mestre mandar”, embora o mestre o esteja despachando solenemente. E o pior é que olha para o protecionismo arranjando supostas vantagens que, francamente, fariam inveja às repúblicas bananeiras.
“Vamos ter vantagens na venda de limões e laranjas”, diz um; “vamos vender mais para os países que Trump deixou de lado”, diz outro.
Bobagens de quem não consegue ir além da visão de gerente de supermercado ou vendedor de guarda-chuva em dia de temporal.
Não conseguem entender, senão no varejo, a intrincada guerra comercial que se abrirá no mundo e os efeitos financeiros de uma possível redução nos fluxos comerciais norte-americanos. Não vêem que os que ficarem órfãos do Transpacífico são novos concorrentes, desesperados com a ociosidade de estruturas produtivas montadas para atender o mercado americano.
Alguns pequenos exemplos: se Trump toma a iniciativa de chamar as montadoras norte-americanas, no segundo dia útil de governo, para ordenar-lhes que produzam automóveis por lá, o que se dirá da indústria aeronáutica, onde exportamos Embraer para eles? E as plantas de montagem de veículos do México, com o mercado dos EUA sendo progressivamente fechado, vão transferir para onde o seu olhar? Montadoras são empresas globais, que podem numa simples ordem transferir produção para lá e para cá, quando lhes for conveniente.
Mas a nossa visão mais colonialista que a da Metrópole, só nos enxerga como exportadores de grãos e minérios e, no caso do petróleo, a de simples concedente de jazidas.
Ser mais realista do que o rei é, como se vê, sentimento próprio de quem tem a vassalagem como razão de existir.