Para a elite brasileira, uma coisa nada tem a ver com a outra.
Uma parte da classe média até acha muito chique e sonha com um Macron, ou um Dória, ou alguém que venha do mundo azul da riqueza para dar alguma farinha àqueles coitados.
Registra, no Facebook, meu amigo, o jornalista Fernando Molica:
A ‘Folha’ destaca hoje no caderno ‘Cotidiano’ uma ótima reportagem de três páginas sobre famílias que passam fome na cidade de São Paulo. A matéria é ilustrada com fotos de personagens e de suas geladeiras vazias. Aí você vira a página e dá de cara com uma foto – bonita, bem iluminada – de um balcão de supermercado entupido de alimentos, um anúncio imenso da rede St. Marche, um “mercado que entende de comida”.
Também hoje, na capa do caderno ‘Mercado’, a ‘Folha’ chama para outra importante reportagem. Estudo internacional mostra que os ricaços brasileiros têm ganhos superiores aos franceses que estão no mesmo patamar – o 1% da população mais abonada daqui recebe mais que o 1% que, por lá, garante vaga no topo da pirâmide social.
Na reportagem citada por Molica, a repórter Joana Cunha conta que “a renda média do 1% mais rico no Brasil ronda US$ 541 mil ao ano, na França, esse 1% ganha de US$ 450 mil a US$ 500 mil”, com base em estudo do World Wealth and Income Database, codirigido pelo economista Thomas Piketty, denota a assimetria brasileira.
Entre eles, além dos empresários – depois isso vai ser detalhado – estão os “incognitos: empresários, juízes, executivos e médicos, pessoas que vivem de outras rendas que não a do salário.
Suba um pouco mais, para o ápice da pirâmide e você tem o ” 0,1% mais rico, um grupo de 140 mil indivíduos recebe ao menos US$ 799,2 mil todos os anos. Isso é só a faixa de corte. A média para tal grupo gira em torno de US$ 2,8 milhões ao ano”. Em reais, para as nossas pobres mentes: R$ 760 mil por mês.
Claro, são todos merecedores e bons para o país, por conta de uma daquelas “obviedades” ironicamente elencadas por Darcy Ribeiro: ” (…)os pobres vivem dos ricos. Está na cara! Sem os ricos o que é que seria dos pobres? Quem é que poderia fazer uma caridade? Me dá um empreguinho aí! Seria impossível arranjar qualquer ajuda. Me dá um dinheirinho aí! Sem rico o mundo estaria incompleto, os pobres estariam perdidos.”
Se há de uma coisa da qual não podemos reclamar é de nossa classe dominante Verdade que ultimamente meio sem classe, mas dominante como nunca, como Ribeiro escreveu:
Nunca se viu, em outra parte, ricos tão capacitados para gerar e desfrutar riquezas, e para subjugar o povo faminto no trabalho, como os nossos senhores empresários, doutores e comandantes. Quase sempre cordiais uns para com os outros, sempre duros e implacáveis para com subalternos, e insaciáveis na apropriação dos frutos do trabalho alheio. Eles tramam e retramam, há séculos, a malha estreita dentro da qual cresce, deformado, o povo brasileiro. Deformado e constrangido e atrasado. E assim é, sabemos agora, porque só assim a velha classe pode manter, sem sobressaltos, este tipo de prosperidade de que ela desfruta, uma prosperidade jamais generalizável aos que a produzem com o seu trabalho, mas uma prosperidade sempre suficiente para reproduzir, geração após geração, a riqueza, a distinção e a beleza de nossos ricos, suas mulheres e filhos.
Tão competente nisso é que, ao ver esta gente começar a desconfiar que existia, despejar sobre ela, via mídia, a ideia de que a corrupção – aquela, que vem desde o Iscariotes – ser a dos trinta dinheiros e não a de um sistema econômico que corrompe tudo, sobretudo a maneira de viver e entender o mundo e o Brasil.
Pobreza e riqueza são, portanto, necessariamente apresentados como coisas distintas, quase estanques. Diz Molica no seu comentário, citando os nomes dos cadernos da Folha: “de um lado, a lógica do Mercado, do outro, a realidade do Cotidiano”.
Os ricos merecem e os pobres carecem, por desígnio divino, por merecimento ou por falta dele, porque “é assim mesmo”. E ainda precisamos cortar direitos e acabar com aquela pré-histórica CLT porque trabalhador é caro e isso contraria a ordem natural das coisas, de que pobre tem de ser barato.
Porque, dizia Darcy e eu só acrescento uma palavra: na mídia, ” na lei ou na marra, ( o povo trabalhador tinha de ser convencido) de que seu reino não era para agora, que ele verdadeiramente não podia nem precisava comer hoje. Porém o que ele não come hoje, comerá acrescido amanhã. Porque só acumulando agora, sem nada desperdiçar comendo, se poderá progredir amanhã e sempre. O povão, hoje como ontem, sempre andou muito desconfiado de que jamais comerá depois de amanhã o feijão que deixou de comer anteontem”.
Nem eles se privam do seu caviar de hoje.
PS. O texto da palestra “Sobre o óbvio”, de Darcy Ribeiro merece ser lido inteiro, como o presente que nos dá este grande brasileiro, cujos 95 anos de nascimento – na quinta passada, 26 – jamais fazem ser menos uma linha atual seu pensamento. O texto, na íntegra, está aqui.
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5 respostas
A reportagem é sobre os 1% e os 0,1% mais ricos do país. Mas é sempre preciso dar uma estocada na classe média. Isso pode ser percebido em outros blogs de orientação petista. Apesar disso, imagino que os leitores desses veículos seja de classe média, e considero uma pena que se estimule o afastamento desse segmento da população das ideias petistas. Aí chegam as eleições, e o que esperar? Que a classe média vote no Lula? Fica difícil assim…
Tijolaço é PDT. Vai se informar, cidadão. Fica difícil a classe média brasileira, que em padrões primeiromundistas, évive abaixo do limite da pobreza, pensar… que dirá votar com um mínimo de inteligência. É por isso que esse país é a porcaria que é…
É claro que a história do Fernando se desenrolou junto ao PDT. Mas se essa fosse a orientação do blog, Ciro Gomes não deveria aparecer mais por aqui do que Lula??? Aliás, seria interessante que os blogs de esquerda em geral pudessem dar mais espaço para as ideias e debates promovidos pelo Ciro.
Resumindo tudo: Os nossos ricos são mais ricos, e os nossos pobres são mais pobres! Quanto à classe média (que hoje já não sei mais o que é. …), esta vive a sonhar que está a uns passos deste 1% – e acredito eu que estes 1% desejam que que estes pensem assim, pois acabam por ter o apoio da média. …para medidas que ferram os pobres e a eles próprios. ..) , mas, na verdade, a classe média está é sempre a um passo para baixo. Pena que não façam o movimento de levar os de baixo para cima. Aí teríamos uma classe média forte capaz de brigar por uma menor diferença com o topo.
Exatamente