Como fazer da eleição uma corrida de cavalos

pareo

O velho Brizola costumava dizer que “eleição não é corrida de cavalos”, onde se põe ou se faz refugar o cavalo do páreo de acordo com a chance de ganhar.

Não deveria ser, mas cada vez mais se parece com uma.

Pelo visto, o Grande Prêmio Brasil de outubro não é assim, do jeito que se faz o canter, aquele trote em que as montarias se apresentam à platéia e, sobretudo, aos apostadores.

Os jornais do final de semana trouxeram a notícia de que Joaquim Barbosa vai se filiar ao PSB, à espera do que o embrulho em que o partido está metido em São Paulo, onde tomou uma rasteira do PSDB, e que Luciano Huck, depois de duas negativas formais, vai se filiar ao PPS, para estar encilhado da condição legal para, quem sabe, entrar na pista.

Não se diga que é fenômeno local, porque pelo mundo afora são cada vez mais comuns – e desastrosos – os exemplos de que personagens, em tese, distantes da política se apresentam às disputas eleitorais.

O neoliberalismo teve como obra a desmontagem dos sistemas coletivos de organização da população: sindicatos, associações e partidos políticos.

A esquerda teve sua parte nisso, quando se deixou hegemonizar pelos grupos “identitários”, com o discurso – justo – de proteção às minorias que eclipsou muitas vezes o cerne de sua natureza: a defesa das maiorias sociais.

(Sobre este assunto, leia-se o excelente texto do sociólogo Rudá Ricci, no Facebook)

O resultado desta geléia geral, onde ninguém é nada e não carrega em si uma significação política aferível por cada cidadão é algo tão absurdo que não há uma instituição que aceitasse que algum neófito, vindo do zero em experiência, a presidisse.

Mas para dirigir o Brasil serve?

Sim, serve, porque o objetivo dos que nos dominam é menos que tenhamos um governo e mais que não o tenhamos, no sentido de que ele seja um pólo, uma bússula a orientar uma coletividade que, só mantida em confusão, pode recusar a obviedade de que somos um grande país, com tamanho, população e riqueza para sermos um dos grandes do mundo.

A eleição, portanto, fica mesmo como aquele páreo, onde importa ter chances de ganhar e recolher as fortunas de suas pules.

A eleição sem Lula e sua significação será conduzida para ser isso.

Para voltar ao que dizia Brizola, na disputa entre o diabo e o coisa-ruim, o inferno sempre vence.

Nesta eleição, pior, corremos o risco de que seja com seu demônio mais caricato.

 

 

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17 respostas

  1. A direita se agarra a qualquer coisa para vencer a eleição. O problema é que eles não tem candidato. Pode ser qualquer um. Mas o maior problema é que eles NÃO TEM VOTO. Por isso o desespero.

  2. Eu gostaria de destacar dois trechos deste texto que valem por muito textão escrito por aí:

    “A esquerda teve sua parte nisso, quando se deixou hegemonizar pelos grupos “identitários”, com o discurso – justo – de proteção às minorias que eclipsou muitas vezes o cerne de sua natureza: a defesa das maiorias sociais.”

    “o objetivo dos que nos dominam é menos que tenhamos um governo e mais que não o tenhamos”

    1. Lá nos tempos distantes do Orkut, um comentarista perguntou: a causa gay é diversionismo pequeno-burguês?

    2. Cara, essa é uma das minha maiores broncas contra a esquerda brasileira. Enquanto o golpe estava em andamento, queimando a constituição, transformando a carteira de trabalho em papel higiênico e tantos absurdos mais, a nossa esquerda estava discutindo se gente branca tem direito a usar turbante.

  3. Gostei da frase do Brizola: na disputa entre o diabo e o coisa ruim o inferno sempre vence. Gostei muito também de outra que li por aí: a direita busca, sem encontrar, o seu macho alfa.

  4. Incrível contradição nossa democracia mesmo frágil, franzina golpeada e golpeável parece um paredão infranqueável para os golpistas. A eleição deste ano que em 2016 parecia um passeio transformou-se no pior pesadelo para eles. A política irresponsável e terrorista de terra devastada se voltou agora contra aqueles que a promoveram para sacar dela vantagem e proveito. Quem semeou vento está colhendo agora a pior tempestade e com o barco cheio de buracos.

  5. LA-PI-DAR

    “..A esquerda teve sua parte nisso, quando se deixou hegemonizar pelos grupos “identitários”, com o discurso – justo – de proteção às minorias que eclipsou muitas vezes o cerne de sua natureza: a defesa das maiorias sociais…”

    que pena ..uma triste e verdadeira constatação ..uma minoria barulhenta, que com seus diversos temas, envenena, atiça e provoca a fúria das oposições ..angariando uma multidão de inimigos que, antes, pelas maiores questões, até se passavam por simpatizantes

    não, não sei se a bem maior suas demandas “sectárias” são lá tão justas assim ..queira-se ou não, a demanda só é justa numa democracia quando abraça e atende ao clamor da imensa maioria que DEVE SIM se sentir atendida em suas principais reclamações ..o resto, pela força do convencimento e do argumento, tem que esperar sua vez

    nt – LULA terminou seu mandato com 87.5% de aprovação

  6. A verdade dita acima é que temos uma luta a mais que condiz com a eliminação do neoliberalismo e uma formação política de consciência no Brasil. Estamos caminhando a passos largos para uma Síria e sem volta. Não precisamos de aventureiros, paraquedistas ou neófitos, mas sim de pessoas comprometidas com o Brasil e com seu povo. Mas tudo isso veem da constituição de 88. Precisamos de uma nova que seja uma constituição em que o metade dela seja votada pelo povo e a outra metade construida pelo congresso e esse mínimo possível.

  7. “Homens seriam oriundos de um “pecado original”, segundo as neofeministas identitárias. Brancos, idem, para os identitários negros. A humanidade estaria fadada à divisão inevitável. Lembremos que do ponto de vista biológico, só existe uma raça humana”

    Esse tipo de pensamento viceja entre os homens brancos que vêem direitos humanos como uma concessão sua a mulheres, e a negras e negros. Que se dizem de esquerda porque parece nobre, parece bonito.

    Para mulheres, para mulheres negras, para homens negros e pobres, ser de esquerda não é uma questão de conveniência, é sobrevivência. E essas pessoas tem sobrevivido não com a complacência, não sob o favor, mas apesar dos homens de “esquerda” que as acusam de dividir a humanidade – mulheres e negros, os novos culpados pelos males do mundo.

    1. Rosilda, seu comentário, como pode ver, foi publicado. Já se explicou aqui que a liberação é feita de um em um e praticamente sozinho. Espero contar com a compreensão de todos com certa demora, pois não há uma equié profissional para fazê-lo, por uma razão muito simples: este blog vive da colaboração de seus leitores. A crítica que se faz é, a meu ver, a um comportamento agressivo, que coloca quem não está no tal “lugar de fala” como ilegítimo ou inimigo. Aqui nunca se transigiu na defesa dos direitos da população negra – especialmente dos mais pobres – e das mulheres. Aliás, não o fiz durante mais de 40 anos de luta política. Acho que mulheres e negros já têm inimigos demais de seus direitos – que são direitos, não concessões – para ter uma atutude de “patrulhismo” com quem critica apenas os sectarismos. Aliás, disto a direita faz bom proveito, espicaçando os preconceitos e os ódios. Rudá Ricci não está culpando mulheres e negros por mal algum. Sua história de vida é toda de lutas a seu lado, seja como membro das equipes de Paulo Freire que alfabetizavam empregadas domésticas e porteiros na periferia de SP, seja como fundador e dirigente nacional do PT que, logo a seguir ao PDT, foi dos primeiros a integrar monimentos negro e de mulheres às suas estruturas. O que ele diz serve para cá: quem atira nos amigos só ajuda os inimigos. A precipitação em ver censura e discriminação onde não as há é muito ruim para nossas causas comuns, a maior delas a da fraternidade.

      1. Obrigada pela resposta. Peço desculpas pelo meu julgamento apressado.

        O meu comentário, assim como o de qualquer mulher e qualquer pessoa negra, será sempre visto como agressivo. É agressivo que nos expressemos, porque quem está acostumado a olhar e definir mulheres negras são homens brancos. Receber o olhar de volta pode ser mesmo assustador.

        Mas é preciso não desviar o olhar, é covarde desviar o olhar e usar de subterfúgios absurdos como a comparação com a extrema direita ou com a própria kkk (que eu saiba negros não planejam o extermínio de brancos, e das mesma forma mulheres feministas, mesmo as mais radicais, dizem apenas não confiar nos homens, querem afastamento). A comparação é injusta.

        Mesmo Paulo Freire, tão sensível, me chocou em um relato sobre a tentativa de alfabetizar a própria empregada. Lembro que ele menciona ter pedido a essa mulher que realizasse alguma atividade de leitura (não lembro ao certo, precisaria rever o texto) mas ela logo teria se cansado e foi realizar outras tarefas domésticas. Ora, ele, na posição de patrão, não pede, ordena. Por mais gentil e delicada que seja a ordem. E a empregada tem outros afazeres na casa, provavelmente ele atrasou o serviço da coitada. E não digo que fez por mal, penso que não percebeu a brutalidade do seu gesto. Mas a mulher negra, se expusesse a sua opinião, estaria obviamente sendo agressiva com o seu bem feitor.

        Deus me livre de um feminismo com selo de aprovação dos homens, de uma luta negra com aprovação dos brancos e de uma luta de operários com selo de aprovação dos donos dos meios de produção!

        Não é sobre lugar de fala. Todos podem falar. Só que agora os homens brancos não podem mais falar sozinhos. Espero que aprendam e troquem, e que saiam da defensiva, postura que Rudá assume no seu texto.

  8. “Preferem citar dominação ou opressão porque fogem da lógica política contraditória para poder demarcar certa dicotomia, separação na espécie. Exploração é fundada numa relação funcional ao sistema vigente (operário e empresário dependem mutuamente para existir e somente o fim do sistema que os define – não a mera existência pessoal de um ou outro – termina com a exploração). ”

    O fato é que mulheres trabalham mais e ganham menos, a maioria dos presos e mortos pela polícia são negros. Mulheres são excluídas do trabalho formal por serem mulheres, são assassinadas por serem mulheres. Mulheres são assassinadas por homens (que cometem quase 95% dos homicídios no mundo), crianças são violentadas por homens (98%), mas falar sobre a construção da violência masculina é pecado.

    Claro, não existe “estrutura fundante” que permita exploração de acordo com sexo e raça. E são negros e negras que estão dividindo o mundo. Está na legenda desse discurso “negros não podem falar, mulheres não podem falar, ou só podem falar o que homens brancos acham conveniente”.

    As homenagens à Mariele foram questão de conveniência, discurso vazio, se vc, Brito, concorda com esses absurdos.

    1. não estão sendo excluídos sistematicamente. Pode ter ocorrido por deficiência do sistema ou por algum excesso verbal que, outra vez, peço a todos que sejam evitados.

  9. Destaco a reflexão:…A esquerda teve sua parte nisso, quando se deixou hegemonizar pelos grupos “identitários”, com o discurso – justo – de proteção às minorias que eclipsou muitas vezes o cerne de sua natureza: a defesa das maiorias sociais.

  10. Se fosse corrida de cavalos, até que seria aproveitável, mas parece que temos uma mistura
    de burros, jegues, jumentos e humanos quadrupedes e bestializados.

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