Juristas desmontam Merval: sua defesa de Moro é acusação a ele

Dos juristas Lenio Streck e Gilberto Morbach, hoje cedo, no Conjur, a provar como eram frágeis as tentativas de  aparentar “normalidade” nos diálogos entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol sobre os processos da Lava Jato.

Eram frágeis, fragilíssimas. Depois das novas revelações, nem isso são. Simplesmente não existem mais. Leia o admirável desmonte que eles fazem da tentativa do inefável Merval Pereira em defender o ex-juiz de Curitiba.

Na sexta-feira (14/6), em sua coluna no jornal O Globo, Merval Pereira escreveu Juiz das garantias. Em síntese, Merval diz que (i) não há, no Brasil, a figura institucional do juiz de instrução, e que, (ii) nos países onde há, o juiz que participa da investigação não é o mesmo que julga o processo e profere sentença. Dessas premissas, Merval deriva que (iii) não há nada de errado nos diálogos, divulgados pelo Intercept Brasil, entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol — na medida em que não há juizado de instrução, não haveria problema na hipótese de o juiz do processo, ele próprio, “controlar as investigações”.

De premissas corretas, Merval Pereira consegue derivar uma conclusão absolutamente equivocada que contradiz as próprias premissas. Merval contra Merval. Sua lógica é a seguinte: se (i) temos um sistema acusatório e, portanto, (ii) não temos um juiz responsável pela fase de instrução, o significado daí (arbitrariamente) deduzido pelo articulista é o de que o próprio juiz Sergio Moro poderia muito bem ter exercido esse papel.

É exatamente o contrário. Os diálogos entre Moro e Dallagnol configuram uma violação tão óbvia quanto grave, tão grave quanto óbvia, a tudo aquilo que o próprio Merval Pereira reconhece como verdadeiro. Merval contra Moro.

Dos princípios mais básicos que sustentam um sistema acusatório, Merval extrai exatamente uma contradição grosseira a esses próprios princípios. Não é porque esse tipo de lógica estruturante não prevê a participação de um magistrado específico responsável pela fase de investigações que se segue que o juiz, nos nossos moldes institucionais, possa fazê-lo.

Se não há a figura do juiz de instrução em sistemas acusatórios é exatamente porque, em países de organização não-inquisitorial, juízes não participam da instrução. Ponto.

O sistema penal acusatório, afinal, “estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal”. Isso quer dizer, por óbvio, que “um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse”. As palavras não são nossas, mas da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Em qualquer democracia moderna já é — felizmente — platitude dizer que juízes devem ser imparciais. Imaginamos que Merval Pereira concordaria – e pensamos que concorda — com a ideia de que qualquer noção elementar de império da lei pressupõe a isenção daquele que julga. Se isso é verdade, como pode ser então legítimo que um juiz, de jurisdição inserida em um contexto acusatório, atue em conjunto — e fora dos autos — com procuradores, especialmente num país que diz institucionalmente que “não é razoável exigir-se isenção dos procuradores da República”?

E esse é o risco de tornarmos nossos mais básicos princípios meras platitudes: aquilo que temos de mais fundamental é tomado como óbvio, garantido, e acaba perdendo o sentido. Quando as condições de possibilidade de uma democracia liberal tornam-se abstrações e/ou ficções, é possível que se diga qualquer coisa em nome delas.

Vemos isso nos eufemismos e meias-verdades que Merval Pereira escolhe para justificar o injustificável, para conferir um caráter de normalidade ao absurdo.

Merval Pereira diz que “[e]m todas as conversas reveladas pelo hackeamentodo celular do procurador Deltan Dallagnol não há um só momento em que se flagre uma combinação entre ele e Moro para prejudicar o ex-presidente Lula ou outro investigado qualquer”.

Diz também que “as conversas entre os dois” — cujos papeis, ainda segundo Merval, sempre foram “bem definidos” — “são sobre o combate à corrupção, e como ela está arraigada na sociedade brasileira”; que “os dois só têm conversas a respeito de procedimentos, e o que parece uma participação indevida do juiz Moro, na verdade é a discussão de decisões sobre as investigações, ou a comunicação de uma testemunha que havia revelado um crime”.

Primeiro, Merval Pereira assume, já de saída, que o vazamento é fruto da ação de hackers. Há algum elemento que sustente a afirmação? O Interceptjamais disse, sequer deu a entender, qualquer coisa nesse sentido. Não parece correto, especialmente em se tratando de um jornalista reconhecido, trazer uma alegação carente de uma única prova que a sustente. Não está à altura das exigências que esse mesmo reconhecimento impõe.

Além disso, fundamentalmente, Merval esquece que Moro não pode ter “estratégia de investigação nenhuma”. Que “quem investiga ou quem decide o que vai fazer ‘e tal’ é o Ministério Público e a Polícia”. Merval esquece que “o juiz é reativo”, e deve “cultivar virtudes passivas”. Quem diz isso não somos nós; são palavras de Sergio Moro, em palestra de março de 2016. Moro contra Moro, Merval contra Moro.

Talvez seja essa uma das razões da defesa. Merval e Moro, afinal, têm algo em comum: o estranho paradoxo de estarem errados a partir dos próprios pressupostos que assumem como corretos. Merval contra Merval, Moro contra Moro.

Ambos, em suas contradições, adotam o discurso do combate à corrupção. Só que esse discurso vem calcado na tese de que os fins justificam os meios — posição criticada com veemência em editorial até pela Revista Veja, que, habitual defensora da operação, fala em “claras transgressões à lei”. E o cerne da questão é que, articulando-se nessa perspectiva instrumental, dialética e perigosamente, os tais “avanços da Lava Jato” trouxeram consigo um conjunto de ilegalidades que corrompem nos mesmos termos da corrupção contra a qual ela dizia lutar.

Merval Pereira é indulgente com um universo que dizia não tolerar: o do desrespeito às regras e às instituições. O então juiz Sergio Moro reivindicou para si o privilégio que ninguém tem em uma democracia digna do nome: o de estar acima da lei. O discurso do primeiro legitima a frágil ponte que o segundo tenta construir entre a inobservância dos meios e os fins; entre o propósito certo e a ação errada.

Os dois têm, então, cada um à sua maneira, vários acertos. Não temos juízes de instrução. Nosso sistema é acusatório. Os papeis de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol sempre foram bem definidos. Juízes devem ser reativos; devem preservar virtudes passivas, e não podem ter nenhuma estratégia de investigação. Quem investiga, afinal, é a Polícia e o Ministério Público.

É exatamente em razão de seus acertos que Merval Pereira e Sérgio Moro erram em todo o resto. As instituições caem quando não respeitam a si próprias, e o jornalismo é traído ao consentir o absurdo, atribuindo àquilo que comenta as virtudes que não tem.

Querendo ajudar, Merval vai exatamente contra Moro.

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25 respostas

  1. …….”tentativa do inefável Merval Pereira em defender o ex-juiz de Curitiba……” Onde se lê Merval , leia se Globo .

  2. OS INDIGNOS,os DELINQUENTES,os IMORAIS, como estes dois CANALHAS ,só ganham destaque porque são respaldados e seguidos por uma grande parcela da nossa sociedade ,que vé neles uma extensão do seus pensamentos e procedimentos.

  3. A “operação” na verdade era uma superprodução dirigida e produzida pela Grande Imprensa e financiada por um amplo consórcio golpista que bancou(!) essa superprodução. Antes a Grande Imprensa preparou um determinado “clima” sem o qual não seria possível essa superprodução ter logrado o sucesso de público e crítica que chegou obter. Podemos definir esse “clima” de inquisitorial, dado o estado de fanatismo e ódio coletivo que foi previamente criado para o sucesso da “operação”. Todas as condições para manter viva e coerente toda a trama de fatos que permitia manter em segredo e oculta toda a farsa vem desMOROnando somente agora. A ação da VERDADE, essa senhora que tem seus próprios tempos e pautas, indiferentes ao desejo de todos: os que desejavam manter em segredo tudo, e os que como nós queríamos desvelar sua trama de mentiras e falsidades. Hoje parece fácil apontar os dedos para os artistas e dizer que são eles, péssimos artistas de si mesmo, incapazes de desempenhar seus papéis nessa farsa. os responsáveis pela tragédia que estava sendo encenada. A mentira chega primeiro, mas a verdade factual, essa senhora dona de seu destino, tarda, mas não falha.

    1. Policarpo, boa análise. É como diz aquele ditado popular: “Mentira tem perna curta e rabo de palha”. Talvez isso explique o pânico que se alastra no ex-juiz, no procurador Deltan, nos lavajateiros e na mídia: a cada fogueira acesa pelas mensagens vazadas pelo Intercept, os rabos de palha ameaçam se incendiar…….E pior, tem aliado que ao tentar ajudar acaba jogando alcool na fogueira.Pânico em capítulos……

      1. Pânico no Pânico, que o diga Vera Magalhães e outras penas pagas. Será que Intercept têm alguma coisa sobre os mercenários da imprensa ou a coisa ficará restrita só a “operação” aos arrivistas de Curitiba? Nas próximas semanas cenas dos próximos capítulos dessa história de terror.

  4. Merval é inteligente, não muito, mas inteligente; não é ingênuo ou desavisado ao colocar sua pena à favor de uma causa ou, no caso, uma figura. Sabe exatamente o que está escrevendo e onde quer chegar com suas claras intenções diversionistas. Merval está, portanto, sendo o que sempre foi: um mau caráter.

  5. Merval perdeu uma ótima oportunidade de tomar mais um uísque em vez de escrever bobagens.

  6. Jornalistas e debatedores escolhidos pela Globo ou rádio Tupi sabem que seus ouvintes não têm capacidade para perceber os sofismas e contradições desses soldados da extrema direita em sua guerra infame contra os interesses do povo e do país. Ah, somem-se o pessoal da Band FM, principalmente o tal Barão.

  7. Da leitura da matéria do Merval, agora um “jurista/jornalista” de araque, temos que, exceção do próprio Merval, TODOS os demais profissionais do direito do Brasil SÃO UNS IGNORANTES…..
    O Merval Pereira está tentando justificar, três décadas depois da CF/88, que ninguém sabe como funcionam as leis no Brasil, só ele? Que o “sistema” Sérgio Moro está na Lei e só nós que não vemos?
    É de uma hipocrisia enorme. Falta de vergonha na cara.
    Se já não bastasse a falta de ética, patente em toda a proximidade do juiz(?) Sérgio Moro, com a acusação, mídia (da direita) e setores pouco profissionais da PF, agora também tenta deturpar as leis para continuar com essa farsa.
    Será que os idiotas/coxinhas vão continuar berrando que “Lula já foi condenado em 3 instâncias” depois desse jogo de cartas marcadas onde o juiz(?) combina com o ataque de um dos times que é “só cair perto da área”?
    Ser enganado, ou ser burro, qualquer um pode ser. Mas querer ser “corno manso”, vendo que está sendo enganado e quer continuar fechando os olhos é ridículo.
    (antes de qualquer coxinha vir aqui e tentar se defender, pergunto se votou para o Aécio -500 mil- ou pro Bozo das Milícias, pra ver se gasto um tempo para debater).

  8. Botar Lenio Streck para “desmontar” Merval ABL? Pereira é convardia, Sr. Brito!
    A essas horas o “formador de opinião” deve estar escondido debaixo da cadeira que ocupa (não se sabe porquê?) na tal ABL.

  9. Uma questão: Moro extrapolou a função de juiz, que deve ser imparcial entre o papel de acusador do MP e o do advogado de defesa. E o papel de acusador do MP é de acusar mesmo sem provas? Não deveria ter pedido o arquivamento da denuncia já que não tinham prova e, como descobrimos agora, nem convicção? Ou o MP deve sempre acusar, porque leram materia da imprensa?

    1. Atacaram a jugular da vítima movidos por convicções político-ideológicas, mas, pelo que revelaram em seus diálogos, também por estarem “articulados com os americanos”. Movidos por paixão político-partidária, dirigidos pelo Deep State.

  10. Como diria Roberto Bolãnos, na pele da grande El Chavo “Que burro, dá zero pra ele!”. Merval, cego pelo desespero em perceber que seus heróis são, de fato, a verdadeira orcrim, produziu sua obra prima escatológica, um goldenshower jornalistico, bem sobre a cabeça do MOROn. Na linguagem estadunisense e, como a quadrilha da lava-jato parece gostar de usar termos em ingles, lá se vai mais um jurista “wannabe” para o ostracismo.

  11. Merval Pereira é uma figura folclórica dentro do jornalismo…
    Nunca passou de um capacho da família Marinho, sinceramente eu não levo a sério.

  12. Merdal Pereira da Bosta! Esse merda além disso canalha , aliás na globosta não falta cafajeste e canalhas ! Recomendo para esse bosta que vá para eternidade com esse seu ódio !

  13. Lênio Steck, sempre certeiro! Porque Lula e Dilma não o convidaram para um tribunal superior? Em que quesito relevante Cármen Lúcia, Rosa Weber, Fux, Toffoli, Barroso, Fachin etc levam vantagem?

    1. Leino Streck e Eugênio Aragão.
      Erro imperdoável do PT.
      Agora estão sofrendo na pele as péssimas escolhas dessas seis figuras irrelevantes do Direito brasileiro. Acho que foi um dos piores colegiados que o STF já teve em toda a sua história.

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