A Veja publica um editorial – “Carta ao leitor’ – onde tenta penitenciar por, até agora, ter ‘tratado como herói’ o ex-juiz Sérgio Moro.
Reconhece que “ele se comportava como parte da equipe de investigação, uma espécie de técnico do time — não como um magistrado imparcial”.
Como a Veja recorre à metáfora futebolística ao dizer de Moro que se “comportava como técnico do time”, há de reconhecer a absoluta exatidão da expressão da voz dos estádios referida, esta semana, na Câmara: era um “juiz ladrão”.
Se estivéssemos tratando realmente de um jogo de futebol, haveria uma unanimidade em anular a partida e realizar outra, sob uma arbitragem correta.
Mas não estamos diante de uma partida do Brasileirão.
Houve consequências as mais graves e dramáticas para as liberdades individuais, os poderes institucionais e para o Estado de Direito. A honra de pessoas acusadas e julgadas sem equilíbrio não pode ser devolvida como, eventualmente, aquilo que do que tanto se gabam, o dinheiro restituído por corruptos.
Não há dificuldades de batizar o que Veja e outros órgão de imprensa fizeram, ainda que com palavras suaves: uma campanha em favor de Sérgio Moro e da realização de seu plano supremo: condenar Lula e impedir que ele disputasse, como favorito, as eleições presidenciais.
Sérgio Moro pode ter cometido um crime, tipificado nos códigos penais – que a Veja eufemisticamente chama de “irregularidades”- mas a vítima deste crime vai muito além de Lula e de outros que possam injustamente terem sido condenados ou desmoralizados.
A vítima é o Brasil e seu povo, de quem se roubou, a golpes de mídia, seu bem mais precioso: seu livre arbítrio, a possibilidade de formar, de maneira honrada e lúcida, a sua consciência e, por livre arbítrio, construir suas decisões.
Não há atenuante possível para Sérgio Moro. Não há como dizer que ele era um juiz e só aqui e ali era “técnico do time”.
Um juiz que atropela o mais fundamental da aplicação da lei – a imparcialidade – diversas vezes é alguém que não merece contemplação em qualquer dos atos que tenha praticado.
É tão honesto quanto um “trombadinha” que só furta uma vez por dia e é “honesto” em todas as outras 23 horas do dia.
O mesmo se pode dizer de um jornalismo que, tendo praticado meses e anos de campanha ostensiva, inclusive com capas-panfleto nos dias de eleição, pretende ser honesto com uma capa e uma competente reportagem mostrando os pés de barro de seu decaído ídolo.
A Veja precisa ir além de dizer, umas verdades depois de milhares de mentiras; precisa pedir desculpas a seus leitores e ao Brasil pelo que fez.
Abaixo, o editorial da revista:
Carta ao leitor
Nesta edição que chega a você, leitor, VEJA publica uma reportagem em parceria com o site The Intercept Brasil. utiliza como matéria-prima o conjunto de diálogos repassados por uma fonte anônima ao jornalista Glenn Greenwald, editor do Intercept, e revela de forma cabal como Sergio Moro exorbitava de suas funções de juiz, comandando as ações dos procuradores na Lava-Jato. Durante duas semanas, oito jornalistas, cinco de VEJA e três do site, selecionaram os diálogos e checaram — em processos judiciais e com entrevistas — as informações que constavam neles. Pela leitura do material, fica evidente que as ordens do então juiz eram cumpridas à risca pelo Ministério Público e que ele se comportava como parte da equipe de investigação, uma espécie de técnico do time — não como um magistrado imparcial. Alguns dos exemplos de irregularidades: Moro apontava abertamente aos procuradores as delações de sua preferência, alertava sobre a falta de provas nas denúncias e chegava a receber material dos procuradores para embasar suas decisões.
VEJA sempre foi — e continua — a favor da Lava-Jato. A luta contra a corrupção tem sido um dos pilares da nossa história. Mas os diálogos que publicamos nesta edição violam o devido processo legal, pedra fundamental do estado de direito — que, por sinal, é mais frágil do que se presume, ainda mais na nossa jovem democracia. Jamais seremos condescendentes quando as fronteiras legais forem rompidas (mesmo no combate ao crime). Caso contrário, também seríamos a favor de esquadrões da morte e justiceiros. Há quem aplauda e defenda esse tipo de comportamento, reação até compreensível no cidadão comum, cansado de tantos desvios éticos. Mas como veículo de mídia responsável não podemos apoiar posturas como essa. Um dia, o justiceiro bate à porta e, sem direito a uma defesa justa, a pessoa é sumariamente condenada. Na Lava-Jato ou nas operações que virão no futuro, é fundamental que a batalha contra a corrupção seja feita de acordo com o que diz o regime constitucional. Essa é a defesa de todos os brasileiros contra os exageros do Estado.
É importante ressaltar que a reportagem desta edição não tem nada a ver com Lula Livre ou com levantar uma bandeira da esquerda. VEJA não faz parte dessa polarização que tanto empobrece a discussão política no país. Nosso objetivo é justamente buscar o equilíbrio, a razão, elevar o nível do debate. Quem acha que estamos contra Sergio Moro também erra. Poucos veículos de mídia celebraram tanto o trabalho do ex-juiz na luta contra a corrupção (veja as capas acima). Mas, ao contrário daqueles que fomentam o ódio ou se aproveitam dele, nossos compromissos não são com pessoas ou partidos. São com princípios e valores. Fomos implacáveis com os crimes cometidos por Lula e pelo PT, dedicando dezenas de capas ao assunto. No momento em que seu algoz cruzou a linha, não vamos fingir que não vimos. Essa postura é parte da nossa missão: fiscalizar e apurar todos os poderes e seus representantes. Afinal, ninguém tem salvo-conduto ou está acima da lei.
A reportagem desta edição é a primeira em parceria com o The Intercept Brasil. Comandados pelo redator-chefe Sérgio Ruiz Luz, nossos repórteres continuam vasculhando a enorme quantidade de diálogos e áudios trocados entre procuradores e o juiz Sergio Moro. Assim como a Folha de S.Paulo, também parceira do site, analisamos dezenas de mensagens trocadas ao longo dos anos entre membros do nosso time e os procuradores. Todas as comunicações são verdadeiras — palavra por palavra (o que revela fortíssimos indícios de veracidade do conjunto). Caso esta equipe depare com outras irregularidades no decorrer do processo de apuração, novas reportagens sobre o tema serão publicadas.