Não capitulemos à morte

Para quem teve juízo e começou antes das ordens oficiais o isolamento, faz um mês que estamos em privação. Deixamos de encontrar amigos, amores, família, de apertar as mãos, de abraçar, de beijar, de praticar gestos de carinho subitamente tornados egoísmo e facas mortais.

Mais que a solidão, porém, sei que hoje o sentimento que temos é o de tristeza.

Estamos assistindo a ganância de dinheiro, de poder e psicopatia transformarem nossas únicas armas – a disciplina e a ciência- num macabro show de auditório.

O presidente da República, depois de “passear” numa padaria, juntando gente numa Brasília que é, reconhecidamente, um dos polos de propagação do vírus e, em seguida, exibindo caixinhas de remédios milagrosos numa “live” são a nossa reencarnação maldita de um Jim Jones, levando milhares ao suicídio fanático.

Já há 100 mil mortes no mundo e, aqui, infelizmente, sabemos que há mais do que se anuncia, pois – O Globo “descobre” hoje, em manchete – que o Brasil é o país que menos testa entre mais atingidos pela Covid-19.

Mas creia que, sem os cuidados que tomamos, aqueles que o homem que ocupa o poder diariamente desdenha e ataca, seriam mais, muitos mais os corpos a contar.

Em poucos dias, toda esta pantomima ruirá, e é com mais tristeza ainda que sabemos disso.

Paradoxalmente, porém, será nossa segunda chance, tendo desperdiçado a primeira e ela significa, perdidas milhares de vidas, salvar outras milhares .

Não há ética em se fazer concessões agora. Não se busquem subjetividades, não se considere que os rapazes da tropa da SS que avança conta cada um de nós, sitiado, mereça argumentos ou considerações sobre como é um inocente a serviço da morte.

A cena aí de cima não é da África ou de algum lugar perdido na Ásia, é de Nova York, a cidade do brilho e do glamour, enterrando seus mortos, às dezenas e centenas em covas coletivas, escavadas a trator. Foi publicada pelo The New York Times, a quem, por certo, ninguém chamará de sensacionalista.

Aqui, ainda podemos cavá-las uma a uma, mas por pouco tempo.

E que de cada uma delas, como Neruda disse da Espanha na guerra antifascista, saia vida.

Sua casa é sua trincheira. Sua arma é sua palavra. Sua resistência importa, não se prostre, por maior que seja a dor.

Estamos em guerra pela vida, meu irmão e minha irmã, e guerra não se vence aceitando os que colaboram com o inimigo.

Porque o inimigo é a morte.

Cada um de nós é fraco, mas coletivamente somos fortes para enfrentar este combate.

É apenas seu corpo quem deve permanecer só.

 

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18 respostas

  1. Pois é Brito, nossos corpos estão sós, isolados, impedidos de manifestações físicas de amor, afeto, amizade, alegria (se bem que em tempos assim a alegria é rara e momentânea).
    Mas, como dizes, a separação e a solidão física tem que ser motivo para nossa coragem, união e disposição de vencer a morte e seus agentes (tanto o vírus como o fascismo). É assim no mundo inteiro, o dinheiro e o fascismo de um lado e a vida e a civilização de outro.

    Na itália criaram um lema de resistência “Distanti ma uniti”.

  2. Prognóstico sombrio num texto tão bem escrito.
    Quisera eu que fosse apenas um texto de ficção como o de Camus (A Peste).
    Mas infelizmente é a realidade.
    É difícil não ir às lágrimas.

  3. E o Cachorro Louco continua com sua crusada demente. Segundo ele (O DOIDO), o negócio é MATAR O MÁXIMO DE VELHOS para aliviar o INSS. Só um completo retardado mental não entende que as aposentadorias vão continuar sendo pagas para os beneficiários. Pedir o que de um reatrdado mental?

  4. Brito, as imagens não aparecem na página mobile (quase nunca).
    E o link para o NY Times está indo para o Globo.
    Grande abraço
    Hervandil

  5. Caros Fernando e leitores do blog,
    Para os Cristãos hoje é o dia do silêncio e da reflexão. Como escreveu o Fernando (permita a intimidade do leitor que é seu contemporâneo) as nossas Almas seguem trocando afeto, as mentes refletindo e o corpo na trincheira. Pensemos também que vem a Vitória e a Páscoa.

  6. Sejamos francos, noventa por cento da “histeria” provocada pelo coronavírus, é porque ele atinge a TODAS as classes. No início ele parecia que atingiria só os mais fragilizados, e talvez por isso tenha sido desprezado. Mas isso mudou e muita gente de classes mais altas está sendo afetada e aí tudo muda. Por dia no mundo, morrem DUAS MIL crianças de menos de cinco anos, de pneumonia comum, e ninguém nem sabe disso. Talvez por serem crianças pobres. E nem vou falar nas que morrem de fome. Pelo menos com as crianças, o novo coronavírus parece ser menos cruel.

    1. Concordo. Mas isto não é razão de se dar menos importância ao coronavírus. As mortes que citou podem ser evitadas. Mas, aquelas decorrente da epidemia, pelo visto, não!!! Não há cura comprovada ainda. Mas concordo com vc a respeito da pouca importância das mortes que ocorrem por outras doenças, fome, assassinatos e acidentes de carro. Seria hora de reflexão de toda a sociedade. Mas como não acredito que tal “momento zen” ocorrerá, continuo com a minha esperança, que se materializa com o voto nas esquerda. Não o voto cego. Mas um voto crítico.

      Não vivi o nazismo. Acreditei que a humanidade tinha aprendido alguma coisa com ele. Mas vivi para que pessoas, principalmente aqueles que se dizem cristãs e judias, terem a mesma atitude dos nazistas no passado. Percebi como damos pouca importância a História. Ela nos mostra que os mesmos religiosos (judeus, evangélicos e católicos) elegeram Hitler. E agora, elegeram Trump e Bolsonaro. Não aprendemos com os erros dos nossos antepassados. E erramos de novo. Erraram aqueles que apoiam e apoiaram os novos fascistas. Erraram aqueles que os subestimaram. Tudo que esta acontecendo mostra claramente que ter ou não ter religião não faz ninguém melhor. Vc é o que é!! Com ou sem um deus. E pelo visto, vc consegue ser pior acreditando numa vida eterna.

    2. Não sejamos levianos. A tal “histeria” que afirma haver, em maior proporção (não vou determinar percentuais, porque não tenho bola de cristal), deve-se ao fato da perspectiva de exaustão dos sistemas de saúde e funerário de cada país. Simples assim.

  7. Espero de coração que vc esteja errado, pois sua verdade é dura demais para aqueles que como eu estão tentando se iludir, pois longe dos sentimentos, paixões e política, resta a dura realidade que o vírus não negocia, não sente misericórdia, ele só existe, ele só realiza seu propósito que o define.
    Talvez realmente como raça tenhamos de viver tudo que tem de se viver nessa hora tão sombria, que a morte nos faça repensar a vida, que as gerações por vir entendam quem não somos gado, que só precisamos de comer e beber, que somos mais e merecemos evoluir.

  8. Por curiosidade fui ler sobre a ilha cemitério de Hart Island em Nova York e fiquei simplesmente chocado como a maior potência do mundo simplesmente varre para debaixo do tapete suas vergonhas. Uma vala vala comum que abriga nada menos que um milhão de mortos, quase sempre indigentes, bebês, imigrantes, que até pouco tempo atrás era até mesmo proibida de ser viaitada. Isso mesmo, quem quer que se tivesse a intenção de visitar o túmulo de um atepassado enterado na ilha, precisava passar por uma burocracia draconiana e era proibido de tirar fotos. Pesquisem

  9. Por curiosidade fui ler sobre a ilha cemitério de Hart Island em Nova York e fiquei simplesmente chocado como a maior potência do mundo simplesmente varre para debaixo do tapete suas vergonhas. Uma vala comum que abriga nada menos que um milhão de mortos, quase sempre indigentes, bebês, imigrantes, que até pouco tempo atrás era até mesmo proibida de ser visitada. Isso mesmo, quem quer que se tivesse a intenção de visitar o túmulo de um antepassado enterado na ilha, precisava passar por uma burocracia draconiana e era proibido de tirar fotos. Pesquisem.

  10. E o mais contraditório, Fernando Brito, é ver parentes enaltecendo o Boçalnaro, mas quietinhos em casa, fazendo quarentena… E, obrigada por não calar, sua indignação perante essa desgraça que virou presidente é também a de milhões de pessoas!

  11. Estamos firmes e firmes permaneceremos. A peste passará, assim como passarão os arremedos de governantes empoderados pela cupidez mórbida dos traidores do país.

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