Para entender o Datafolha

É público e está disponível desde o final do mês passado, mas só a reportagem de William Castanho e Thiago Resende na Folha de hoje chama a atenção para o estudo feito por Rogério Jerônimo Barbosa, da Universidade de São Paulo, e Ian Prates, do Cebrap (aqui, para quem quiser conferir a publicação), que pode funcionar como uma chave para entender as pesquisas de aprovação/reprovação do Governo.

O resumo: o programa de renda básica emergencial atingia, em junho passado, 61 milhões de pessoas, 40% a mais que o Bolsa Família, que atingia 43,7 milhões de brasileiros. Mas com transferência de renda imensamente maior: contra um volume de R$ 32,5 bilhões do Bolsa Família, os R$ 600 mensais distribuídos na pandemia representam R$ 252,2 bilhões, oito vezes mais. Sem contar, nisso, o gasto público com o subsídio à suspensão dos contratos de trabalho, mais R$ 51 bilhões.

Vale lembrar que a potência fiscal da polêmica CPMF 2.0 que Paulo Guedes pretende é de R$ 120 bilhões, 30% do gasto fiscal feito naqueles dois programas.

Seria, claro, uma beleza se isso fosse sustentável: ampliar em 3% o déficit público primário anual, num cenário de recessão econômica passa pela cabeça de alguém, se este déficit se der no custeio, não no investimento?

Mas, como efeito imediato, equivale a um acréscimo de renda que evitou que 23,5 milhões de brasileiros caíssem abaixo da linha da pobreza. Isto é evitar a queda de 23,5 milhões de brasileiros para a pobreza.

Quer ter uma ideia do que isso representa? Em 12 anos – de 2002 a 2014 – os governos Lula e Dilma tiraram 26,5 milhões de brasileiros da pobreza.

Portanto, exceto se você pensar que truques são o mesmo que milagres e que o coronavírus veio para salvar o Brasil da pobreza extrema, prepare-se para ter de explicar depois como você acreditou que o povão apoiaria a reeleição de Jair Bolsonaro.

Não digo que ela não possa ocorrer, mas não são favas contadas, por conta de um suposto duradouro apoio popular.

Mesmo com a degola de Paulo Guedes, não há maneira de prolongar este dispêndio gigantesco – mesmo que reduzido à metade – por prazo indeterminado.

No próprio estudo, os pesquisadores advertem:

Passada a pandemia, a economia estará ainda no fundo do poço. Extinta a RBE [renda básica emergencial] – e sem outro programa que a substitua, mesmo que menos generoso –, a pobreza pode atingir um quarto da população e a desigualdade crescer vertiginosamente para patamares que não víamos desde os anos 1980.

Não se faz justiça social com medidas de ocasião, nem se pode acreditar que sempre foi contra a renda do trabalho possa ser defensor da renda por transferência fiscal.

Mas sempre tem gente de joelho fraco que, diante de fantasma, dobra os joelhos e renega tudo o que pensou.

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Uma resposta

  1. …” nem se pode acreditar que sempre foi contra a renda do trabalho possa ser defensor da renda por…”
    Parece que faltou o “quem”.
    Não sei se é possível, mas seria bom se o texto pudesse ser corrigido rapidamente. (Caso seja realmente conveniente).
    Quem recebe notificações poderia fazer as sugestões.

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