Ainda estão vivas na memória as explicações, frequentes em 2018, de que o lado estúpido, boçal, xucro, e desumano de Jair Bolsonaro era uma retórica eleitoral e que – a expressão foi usada na época, por Merval Pereira, o FHC da crônica política – seria contido, no poder, pelas “instituições”.
Era menos um raciocínio e mais uma auto-indulgência que a turma da que se diz liberal praticava para tentar demonstrar que a aliança com a barbárie poderia dar a um governo de direita a base política e social para que, afinal, se pudesse prosseguir no desmonte de direitos sociais e patrimônios nacionais que se interrompera (ou quase) nos governos petistas.
E, claro, proseguir-se na marcha de usurpação do poder político que um governante tosco lhes daria, legitimando a transferência para as tais instituições do poder do Executivo que, afinal, precisava contido.
Em escala muito menor, claro, depois dos espetáculos de selvageria explícito a que assistimos nestes 27 meses de (des)governo Bolsonaro, a ânsia desmedida desta gente ainda sobrevive e contam que criando resistências cenográficas vão poder ainda conter a Besta (de domar, claro, já desistiram) porque ela, afinal, vai hesitar em romper as correntes política e constitucionais que proíbem o caminho da aventura totalitária do cumpante do Planalto.
Está cada vez mais claro quem flerta com este perigo e tem toda a razão o artigo de hoje, na Folha, de Bruno Boghossian:
Ainda há quem espere mudanças. No auge da crise, o presidente do Senado disse que é hora de “sentar à mesa” e pediu “a coordenação do presidente da República”. O chefe da Câmara afirmou que é preciso “evitar essa agonia e esse vexame internacional”. Os dois estão atrasados.
No STF, Luiz Fux telefonou para o Planalto ao saber que Bolsonaro havia citado um cenário de estado de sítio ao ameaçar uma “ação dura” contra governadores que implantaram medidas de restrição. O autor da bravata disse que aquilo não era verdade, e o ministro se deu por satisfeito. Bolsonaro sabe que os negacionistas vão deixar por isso mesmo.
Preciosa a escolha da palavra pelo articulista: são, de fato, negacionistas (não importa se por ilusão ou ambição), porque negar que Jair Bolsonaro ponha a sua perpetuação no poder como a maior, senão única, preocupação que o move, sem qualquer limite é tão estúpido quanto acreditar que a Terra é plana.
E se não é por serem estultos, é por serem ambiciosos.
Nenhum deles, porém, é mais que o próprio Bolsonaro, que tem uma maneira bem herege e auto-referenciada no seu “Deus acima de Tudo”.