O editorial da Folha, hoje, reconhece o óbvio: que Bolsonaro é uma ameaça à democracia e à convivência civilizada entre os brasileiros.
Mas, como todos que ocultam a sua covardia sob o otimismo, sugere que não haverá problemas, pois “as instituições republicanas deram seguidas demonstrações de solidez ao impedir a deriva autoritária nos últimos quatro anos” e, portanto, estariam prontas “para um novo período de bloqueio das investidas tirânicas caso a maioria do eleitorado brasileiro soberanamente decida pela reeleição”.
Como se trata de uma tragédia, , ainda mais quando o próprio texto confessa que “seria pouco realista” acreditar que “o próprio candidato à recondução tenha compreendido e acatado os limites do mandato”, o conformismo acaba por cheirar a cumplicidade.
E cumplicidade com o que há de pior nos regimes políticos, sobre o que o editorial demonstra absoluta clareza, ao dizer que “o verdadeiro programa de governo de Jair Bolsonaro para um eventual segundo mandato” é “tornar-se autocrata”, nomezinho cult que se arranja para escrever a palavra ditador.
E dos piores, porque reconhece explicitamente que, aos “movimentos subversivos” da ordem democrática, Bolsonaro soma “aspectos acessórios, como no uso intensivo de redes sociais para disseminar ignorância, culto ao chefe e ordens de ataque.”.
Ignorância, culto ao chefe e ordens de ataque foram “aspectos acessórios” nos movimentos nazifascistas do século passado, senhor editorialista da Folha?
Nein, nein…
A covardia é “desculpada” pelo fato de que, segundo o Datafolha, “a maioria de brasileiros que consideram a democracia a melhor forma de governo” é de 79%.
“E daí?”, como diria o atual presidente, se ninguém lhes diz que Bolsonaro no poder é a negação da democracia e, como tudo indica, a mutilação ainda maior deste regime?
Se fosse assim, não estaríamos sob a “Ameaça autocrática” que se usa como título ao editorial.
Bolsonaro está lá e ameaça ficar porque a elite brasileira, como faz a Folha, tergiversa, com o seu palavreado pomposo e deixa de dizer as coisas com a clareza que elas devem ter.
Em lugar de dizer que é assim que as democracias morrem, preferem dizer que “são levadas a óbito”.