A informação de que a milícia já controla mais da metade do território do Rio de Janeiro (57,5%) e que os traficantes fariam o mesmo com “apenas” 15,4% da área da capital fluminense deveria ser escrita dizendo que, na verdade, os grupos parapoliciais controlam as duas áreas somadas.
Não há mais, exceto pontualmente e em pequena escala, tráfico de drogas que não seja “franqueado” por organismos policiais: trafica-se por “concessão”.
É uma situação que, há muitos anos, alimenta-se do fácil discurso do “acabar com o crime”, que vêm desde lá dos avós das atuais milícias, os “esquadrões da morte”, que viraram “grupos de extermínio” e, agora, ganharam o pomposo nome de “milicianos”.
Sempre buscaram (e até obtiveram, entre grande parte da mídia e dos governantes) legitimar-se com o discurso de que enfrentavam o tráfico, a “bandidagem” e coisas do gênero.
O que sequer é verdade, porque, mesmo sem operar diretamente a venda de drogas, ela se faz, em geral, sob sua autorização.
É muito lúcida a entrevista do pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso, a O Globo:
A milícia é o principal problema por sua capacidade de se infiltrar nas instituições, em todas as esferas. O tráfico nunca conseguiu ter isso. Sempre foi associado ao medo das drogas, à guerra permanente, à desordem da violência imprevisível. O político que surge defendendo o traficante é visto como traidor. A milícia se fortalece contrapondo isso, com o marketing de defensora da ordem. Com isso, tem a tolerância de vários grupos em um estado traumatizado pela violência.(…)O que me chamou muito a atenção é a questão: “você prefere tráfico ou milícia?’’ Como se não existisse uma terceira opção, que é a liberdade, a garantia da lei e da cidadania.
Não é a ausência de Estado, como se ouve sempre dizer, a responsável por isso. É a presença da face policial, armada e opressora, nas periferias e bairros de classe média baixa, em geral, e em áreas ricas que acham que a “segurança privada” a protegerá, enquanto vai instalando seus polos ao entorno delas.
Tudo o que os governos, em todos os níveis, fizeram só aumentou seu poder. inclusive e especialmente as intervenções militares no Rio.
Pois é assim que a milícia funciona, como uma tropa, intimidando, desfilando armada, criando o medo para vender a falsa proteção.
Exatamente como se fez com o país.