Quando a gente fica velho, começa a praticar o erro de achar que tudo o que vivemos no passado está perto, porque o passado é presente na memória.
Ainda jovem, aprendi isso no convívio com Brizola conversando comigo, em longas noites em volta da mesa redonda de seu apartamento – eu chamada a saleta onde ela ficava de botequim sem cerveja – , com um “não fazer caso” com os detalhes dos fatos como se eu os tivesse vivido, ainda não nascido ou bebê.
Aquilo me impressionava e diversas vezes tinha de atalhá-lo e lembrá-lo disso, um tanto sem graça de “cortar” suas “viagens” da memória.
Só depois de muitos anos fui perceber que não importava que a minha auto-suficiência juvenil achasse antigas demais para serem úteis aquelas cenas passadas há 30, 40 ou 50 anos.
Talvez se passe hoje o mesmo com muitos jovens quando se recorda o golpe militar que faz 50 anos na madrugada de segunda para terça-feira.
Meus cinco-seis anos de então não me permitem contar como foi.
Mas posso falar do que foi crescer com ela, a ditadura.
De ser jovem e ter medo. E de ter uma força imensa nos empurrando apesar dele.
Tudo isso, porém, são lembranças, que correm o risco de serem estranhas e algo enfadonhas como as que ouvi, há quase 30 anos, de alguém que viveu tudo muna posição mais central, intensa e dolorosa que a minha.
O que me importa é compreendi que a história é um rio, que conduz as mesmas água de quilômetros e quilômetros atrás mas cujas águas não são mais as de lá, com todas as águas novas que lhe chegaram e de tudo o que se dissolveu nelas ao longo do trajeto.
Toda esta temporada, que hoje se encerra, de recordações sobre 64, embora seja necessária e útil para que se revejam e se compreendam os fatos, restaure-se o valor de um personagem como João Goulart, para que se compreendam melhor outros líderes, tem um conteúdo muito pouco destacado.
O de que o golpe veio para cortar aquela torrente, desviá-la, represá-la, dissipar sua força.
E a da que, embora por outras terras e passando em outros vales, aquele rio lentamente foi buscando, de novo, voltar ao leito que se pretendera interromper.
O projeto nacional-desenvolvimentista foi assumido por quem, de início, o recusava, dizendo que tudo se resumia a trabalhadores e a patrões, fossem estes de onde fossem.
A importância de líderes que personificassem, traduzissem e simbolizassem justiça e progresso para o povo brasileiro, tão negada entre as forças de esquerda que se reagruparam no PT, transformou-se na maior referência da população para manter o país nesse rumo.
As águas diferem; seu fluxo, não.
Quando, como nesta data sombria, sabemos onde estaríamos no passado, também nos damos conta de que nada começa conosco, nada termina em nós, mas ainda assim somos como a fibra é para a corda: da soma de nossas fragilidades vem nossa imensa força.
E, assim, podemos compreender como nossa pequenez é importante para o espetacular avanço do Brasil à condição que, como poucos países do mundo podem ter, de ser um grande país, dono de seu destino, uma enorme nave com todo seu povo, não com uma casta no convés e uma multidão nas galés.
Eles quiseram decretar o “fim da história”.
E, não obstante, ela retomou seu fio.
Adeus, 1964.
2014 nos aguarda.
13 respostas
é mto bom termos voce a nosso lado – obrigado fernando.
Só depois de colocarmos os criminosos na cadeia.
Pode ser ainda em 2014,15,20,30…bom aí muitos serão
pó, mas podemos ainda fazer um monólito com este pó..
preso para eternidade..
Mas são como ratos, procriam..
Não tô afim de ser bonzinho..com esta turba.
Não estou afim de adoçar seu sangue…não merecem.
Concordo plenamente. Se quisermos evitar que outros facínoras (militares, civis, outros colabores, patrocinadores e apoiadores) tenham pretensões golpistas, só tem uma forma, aqueles que cometeram crimes de qualquer natureza tem que ser punidos, mesmo que pós morte. Crimes do tipo prisão ilegal, tortura, assassinato,ocultação de cadáver, apoio financeiro, logístico, ocultação da verdade, falsidade ideológica, etc. não podem ficar sem punição. A certeza da impunidade é a certeza de que qualquer um que, com poder financeiro, de armas, de informação e outros, fará novamente movimentos por novos tempos com ditadura.
Triste no Brasil , e quase eterno , é o ” patinar na história “. Releio alguns versos de F. Pessoa e sinto por mim e pelo meu país :”Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas …
Que já têm a forma do nosso corpo …
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares …
É o tempo da travessia …
E se não ousarmos fazê-la …
Teremos ficado … para sempre …
À margem de nós mesmos…
Fica a sugestão ( e também do Saul Leblon , em Carta Maior de 07/10/2013 ) do excelente e atualíssimo ” Seja Feita a Vossa Vontade ” de COLBY e DENNETT, de 1998 ( http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/CIA-faz-devassa-em-busca-do-mapa-da-mina/29147.Fala) de um passado que é presente.
Fala do interesse americano em nosso petroleo , outros minerais , etc.
Fala em espionagem. Em golpe civil-militar .Na mídia e sua propaganda no Brasil.
Quando sairemos dessa bifurcação do tempo , dessa encruzilhada histórica ? O eterno patinar ( na nova versão , “em silêncio” , sem se defender) até que “um aventureiro lance mão”. Perderemos o último bonde , chamado Petrobrás ? Quando de fato o atual governo irá defender um projeto de “Nação” ?
O que mais me preocupa é que 95% da população brasileira, incluindo direita, esquerda, petistas e tucanos, veneram a “democracia” e satanizam o regime dos militares. Porque? Porque tanto medo da época militar? Era porque existia ORDEM? Hierarquia? Patriotismo? Não se tolerava vagabundo nas escolas? O que de tanta vantagem trouxe a democracia? Sei o que trouxe: Falta de respeito com os mais velhos, ridicularizarão da figura do professor, calúnia e difamação aos governantes, imprensa ameaça a estabilidade do país instigando violência (Sherezade) e derrubando presidente (Veja versus Collor baseado no disse que me disse de um irmão côrno), e aumento escandaloso da criminalidade. Hoje o cidadão honesto, que trabalha, vive ameaçado, com medo, intimidado, desrespeitado nas escolas, hospitais, ônibus incendiados, família desestrutura pela putaria que virou a televisão brasileira … mas não, a ditadura foi ruim, hoje estamos em mil maravilhas. Quero ver um governante do nível do Castelo Branco que demitiu o próprio irmão.
Onde você esteve nos anos de chumbo? Nenhum amigo torturado? Nenhum familiar violentado na prisão, torturado? Se você não estava em outro planeta durante o período da ditadura, então você fazia parte dela.
Trabalhando, estudando, eu e toda a minha família. A maioria no corte de cana e nenhum de nós foi maltratado pelos militares. Quem foi da casa para o trabalho, do trabalho pra casa, raramente sofreu algum constrangimento. Ao contrário de hoje. Não venha generalizar as coisa por causa de uns maconheiros que foram pra vala.
Enquanto o amigo estava cortando cana, os lideres dos sindicatos dos trabalhadores rurais estavam sendo presos.Eles apoiavam a proposta do governo de criar mais pequenos proprietários familiares, dividindo as terras improdutivas. Se isso tivesse acontecido, as pessoas teriam permanecido no campo e não teriam abandonado o interior para ir morar nas cidades, em busca de emprego e inchando as cidades. Com isso trazendo a degradação das famílias e a violência. O golpe foi para garantir os interesses dos grandes fazendeiros que não exploravam as terras, nem deixavam que elas fossem exploradas por quem precisava e tinha vontade de trabalhar.
Essa falta de patriotismo, de educação que você tanto lamenta, é resultado do desmonte das escolas durante a ditadura. Tudo que padecemos hoje em termos de educação (ou falta) é culpa da ditadura.
Negativo meu caro. A democracia tirou as matérias de OSPB e Educação Moral e Cívica dos currículos. No meu tempo professor entrava na sala de aula, a gente tremia. Hoje é ao contrário, o professo respira fundo ao entrar numa classe graças a Liberdade de Expressão. Não seja desonesto e não coloque isso na conta dos militares, coloque o que o senhor quiser: Inflação, concentração de renda, endividamento, falta de transparência com o dinheiro público … mas EDUCAÇÃO? Não senhor.
É isso mesmo Fernando , esqueçamos 1964 (triste lembrança ) e Bom Dia, mas Bom Dia mesmo 2014 , para nossos filhos e netos ….Viva a Democracia … nossa liberdade !!!!!!!!!!!
isso aí Fernando bola pra frente, esvaziei minha mochila de dores do passado, as cicatrizes são indeléveis,e agora ela contém algumas das pedras preciosas que estamos garimpando nas lutas atuais..remoer nas feridas é sofrer várias vezes e o sofrimento nos paralisa e embrutece,no máximo lambamos nossas feridas para fechá-lhas definitivamente, cultivá-las jamais.
Parabéns pelo artigo.
Abraços
Infelizmente, os governos de esquerda continuam reféns das forças conservadoras. Nada, nenhum instrumento foi criado para impedir a repetição de golpe. Continuamos sendo uma população desarmada, passiva, frente ao surgimento de um grupelho militar maluco, contratado por forças externas ou internas. Facilitar o porte e a guarda de armas e imperativo para a existência de uma real democracia. Somente uma população armada e bem treinada coíbe a ação de aventureiros. Países desenvolvidos armam e treinam seus cidadãos para a defesa externa e interna.