‘Apuração militar’ abre o perigo de crise e baderna

Em 1982, no famoso episódio da Proconsult, tentativa de fraude na totalização dos votos tinha a cobertura política de uma “apuração paralela” – nome que se dava às contagens de votos feitas pela mídia e por, em alguns casos, partidos políticos – como forma de satisfazer a curiosidade pública – que se adiantava, e muito, aos resultados da Justiça Eleitoral que, então, durava vários dias.

Naquela época, a “apuração paralela” da Globo, atrasada na contagem dos votos da Baixada Fluminense, criava a impressão de vitória de Moreira Franco sobre Leonel Brizola e acabava por encobrir a fraude na totalização dos votos, ainda que não se possa provar se de forma deliberada.

Agora, porém, os militares se preparam para – numa evidente usurpação de um papel institucional que não é seu, organizar uma “apuração paralela” das eleições de 2 de outubro.

Nada de mal há em contagens paralelas, mas não há nada que garanta que, por algumas horas, ela possa apresentar resultados diferentes dos oficiais, por ser “alimentada” por um leque parcial de urnas diferente daquele que compõe a apuração da Justiça Eleitoral.

Ao contrário, especialmente numa eleição “apertada” (seja pela disputa de dois candidatos, seja pela proximidade nos 50% para que seja decidida em turno único), qual é a consequência de serem apresentados resultados diferentes e contraditórios que – embora resultando da simples origem dos votos totalizados – coloquem parte da opinião pública não só em dúvida sobre sua veracidade mas agarrada a uma ou a outra apurações como expressão da verdade final dos resultados?

Quem vai poder discutir se um general, dizendo estarem apurados 80% dos votos, anuncie um resultado diferente daquele que sai do Tribunal Superior Eleitoral. Um partido político pode pedir recontagens, mas o Exército a pedirá, a exigirá ou simplesmente afirmará que o resultado correto é o “seu”?

E a turba bolsonarista, inculcada todo o tempo por seu chefe, não vai se agarrar nas “urnas do Exército” para proclamar-se vitoriosa e investir, sabe lá Deus como, sobre a Justiça Eleitoral?

Esta é uma aventura que tem de acabar, sob pena de levar nossas Forças Armadas a uma posição sem recuo, fazendo com que elas saiam do processo eleitoral não como instituições permanentes que são, mas na mesma condição de derrotadas de Bolsonaro.

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