Se existe alguma “vantagem” para quem queira analisar o doentio padrão mental do sr. Jair Bolsonaro é o fato de que ele sequer pratica a hipocrisia, aquele tributo que o vício presta à virtude, na expressão conhecida de François La Rochefoucauld.
Dimitrius Dantas, em O Globo, escancara um dos traços da sociopatia presidencial: ele não dá à menor importância – se é que o tem – ao sentimento da perda, o luto que, a todos, é um traço comum diante da morte alheia.
Traço comum em outros governos – Temer (5); Dilma (10); Lula (22) – o decreto de luto oficial só foi usado por Bolsonaro uma vez, apenas porque o objeto do luto havia sido o duas vezes vice-presidente da República Marco Maciel.
E não foi, como a Odorico Paraguaçu, por falta te mortes: tivemos as 620 mil da Covid, as 300 de Brumadinho, as de músicos, poetas, cantores, atores, personagens de grandes carinhos populares.
Foi porque Jair Bolsonaro não chegou ao estado civilizatório em que a humanidade passou a venerar a vida e, portanto, ver na morte uma perda individual e coletiva, há coisa aí de dezenas de milhares de anos.
“Todo mundo um dia morre”, “E daí?”, “Não está havendo morte [de crianças] que justifique [a vacinação infantil]”, “a covid apenas areviou em alguns dias ou semanas a vida destas pessoas [com comorbidades] que já iam morrer mesmo” e outras peças da coleção de declarações bestiais que deu são o retrato – reconheça-se, sincero – deste déficit de humanidade bolsonariano.
Daí que não consegue alcançar o simbólico do luto nacional. “Eu não sou coveiro”.
A morte não importa a que só pensa em si e se acha, mesmo, “imorrível”.