Bom amigo e velho companheiro de lutas, Luís Augusto Erthal, traz no blog Toda Palavra, a História (assim mesmo, de H maiúsculo) do ponto final, o verdadeiro e definitivo, das rusgas entre Leonel Brizola e o ex-presidente João Goulart, que atravessaram quatro décadas e que terminaram 40 anos depois do golpe militar que levou-os ao exílio, do qual o presidente jamais voltaria vivo.
Houve, sim, em 1976, a reconciliação formal entre ambos, mas só muito depois a profunda, a emocional, naquele que, ao contrário de Jango, teve a oportunidade de voltar a servir ao seu país.
E este ponto final veio, conta Denize a filha do ex-presidente, duas semanas antes da morte do ex-governador, com o pedido emocionado de desculpas que ele fez à sobrinha por tudo o que ela, o irmão e os próprios filhos de Brizola – estes, hoje, mortos – sofreram com a separação da família nos já por si terríveis dias de exílio.
Denize, com a delicadeza e a discrição política que sempre a marcaram, narrou pela primeira vez o encontro em que ouviu o pedido do tio e a confissão em que ele, Brizola, afinal reconhecia que Jango estava certo, ao entender muito antes dele que não havia condições de resistir militarmente à ofensiva golpista naquele 64.
Reproduzo um pequeno trecho da narrativa de Erthal, muito bem contextualizada, inclusive sobre a interferência dos EUA,- que pode lida aqui, na íntegra – mas volto, em seguida, para dar meu testemunho – indireto, é verdade – sobre os dias finais de Leonel Brizola, sobre os quais sempre guardo a reserva que Denize provou ser necessária, guardando ela própria o relato deste episódio.
“Teu pai tinha razão”
Luiz Augusto Erthal
Duas semanas antes de morrer, o ex-governador Leonel Brizola ligou para Denize Goulart – sobrinha de sua mulher, Neuza, e filha do ex-presidente João Goulart – e pediu que ela fosse ao seu apartamento, em Copacabana. Denize foi acompanhada pelo sobrinho Christopher Goulart, filho do seu irmão, João Vicente, e pela amiga Ana Guimarães.
Ela chegou por volta das 11 horas e, embora ainda fosse de manhã, Brizola propôs abrir um vinho. A atitude pouco usual do velho líder trabalhista sugeria uma conversa longa e, talvez, para ele, um tanto difícil.
Começou com um preâmbulo intimista – as reminiscências do exílio, a vida no Uruguai e a própria família – como preparação para algo mais solene que viria em seguida.
“De repente ele olhou para mim e, para minha surpresa, me disse: ‘Eu tenho que te pedir perdão por tudo que vocês passaram. Tenho que pedir perdão a ti, ao teu irmão e aos meus próprios filhos’”, revelou Denize durante um debate organizado pelo Cineclube Macunaíma, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na noite desta terça-feira, 2, após a exibição do filme “Jango”, de Sílvio Tendler.
“Mas perdão por quê? Não há nada que perdoar”, respondeu Denize, confessando que jamais pensou em ouvir algo assim de Brizola. Ela narrou, então, a declaração feita por ele com lágrimas nos olhos no final daquela manhã no antigo edifício da Avenida Atlântica, esquina com a Rua Xavier da Silveira:
“Eu fui muito contra o teu pai, muito contra o Jango. Rompi com ele em 64, nos afastamos, apesar de termos depois nos reconciliado. Mas eu fui responsável por muitas coisas e hoje acho que teu pai tinha razão. Não existia a mínima possibilidade de resistência naquele momento. Teu pai já sabia o que eu não sabia”.
“Ele falou isso olhando nos meus olhos. Eu chorava e ele também”, contou Denize. Segue…
Meu relato, que não pude dar, pelo atropelo dos fatos sobre um blogueiro solitário e por algumas circunstâncias pessoais, não pode contribuir com este episódio. Não estava ali, nem ele era alguém que narrasse facilmente encontros de natureza pessoal.
Mas posso testemunhar que era exatamente assim que Brizola estava naqueles dias, reconhecendo com gestos inesperados a dureza austera com que sempre tratou a vida.
As últimas semanas de vida de Brizola tiveram esta natureza de balanço e acertos finais que, sem jamais admitir, o velho líder fazia, preparando-se para a morte que, sem admitir ou prostrar-se diante dela, pressentia.
Agiu assim com as coisas práticas e com os sentimentos. Desfez-se de quase tudo do grande pedaço de vida que deixou no Uruguai, para muito além dos 15 anos que lá passou exilado. Reservado com sua vida pessoal como sempre foi, permitiu-se alguns – mais não muitos – esparramos emocionais com pessoas mais próximas e avisou-me com um deles – um longo apertar de minha mão, com a força que restava nas suas duas, e um pedido para que não deixasse de voltar, no dia seguinte – da morte iminente.
Voltei, de fato, na exata hora em que ele cumpria o aviso, no CTI do Hospital São Lucas, atônito, de celular na mão, para que os médicos falassem com o Dr. Adib Jantene, a quem eu telefonara, tarde demais, para pedir que viesse ao Rio tentar salvá-lo.
Não me surpreende, portanto, a narrativa de Denize sobre o gesto final em relação a Jango. Foi a compreensão do velho homem público daquilo que, em 64, com 42 anos, ainda não compreendia: que a coragem não pode ser a única a guiar nossas atitudes, que nunca devem perder as rédeas da sabedoria.