Nos editoriais, na cobertura diária e até nas perguntas feitas aos candidatos, o jornalismo brasileiro agarra-se a uma falsa equivalência entre os candidatos e a um suposto tecnicismo de “exigir programas” dos candidatos – o que, a ambos, nada é perto da realidade, ainda fresca, de suas experiências de governo – para tentar revestir com trapos de dignidade a elegante putrefação do que diz serem os seus “valores democráticos”.
Não é que se lhes queira pretender progressistas ou mesmo vagamente populares, mas não há como justificar a omissão diante de um presidente-candidato que já provou, tantas vezes, seu projeto ditatorial, corrompendo o Congresso, ameaçando o Judiciário com um “implante” bolsonarista de ministros e, sobretudo, brandindo o uso das Forças Armadas sobre as urnas onde se expressará o povo brasileiro.
Se ainda corassem, suas faces ficariam vermelhas ao verem Jair Bolsonaro repetir o editorial da Folha no debate: “quem vai ser o seu ministro da Fazenda, Lula?”.
Nada é pior, porém, do que a transformação de fatos em meras versões, como ocorre com as declarações abjetas do presidente da República. O “comeria o índio sem problema nenhum”, o “pintou um clima” e outras monstruosidades saídas da boca de Bolsonaro, com áudio e vídeo a comprová-las, são tratadas não como realidade, mas como se fossem “explorações políticas” da oposição.
Ainda que possam ser bazófias de valentão de porta de botequim, suas falas são fatos relevantes, porque revelam o que vai por dentro de um sujeito sem qualquer limite moral e que, portanto, é incompatível – como já se provou na pandemia – com o comando de nosso país.
Não é possível que achem que a “turma do deixa-disso” vá contê-lo, depois do Orçamento Secreto no Congresso, dos “canalhas” atirados contra o Supremo e da transformação dos militares em falange eleitoral.
Como Neville Chamberlain fez em seu acordo de Munique, acham que tergiversando sobre os absurdos bolsonaristas, como fez o primeiro-ministro britânico frente a Hitler, evitarão o pior? Pois deveriam reler a frase de Winston Churchill sobre aquela infâmia: “”Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra“.
A percepção da ameaça autoritária é tão evidente que leva gente absolutamente antipetista como João Amoêdo ou os economistas do Real a expor, com todas as consequências que a hipocrisia das elites lhes trará, a defesa do voto em Lula, em nome, como diz o fundador do Novo, do direito a ser oposição a seu governo. Numa palavra, a sermos uma democracia.
Mas os jornalistas da grande mídia posam de isentões e, nos debates, em nome de sua superioridade moral, deixam de lado os métodos usados pelo atual presidente e perguntam sobre “programas” que, afinal, estão claríssimos nas ações que ambos tomaram ao exercerem o governo.
O “jornalismo de programa” não é jornalismo, porque se aliena experiência real, preferindo a ela as declarações de intenção que, afinal, não valem meia pataca diante da prática que todos, sobretudo os que não usam punhos de renda, sabem ser o testemunho da verdade.