Cloroquina econômica: ajudar a importar o que se exporta

A decisão do governo brasileiro de “facilitar” a importação de soja e de milho, zerando a alíquota de importação destes dois grãos (e seus farelos e óleos) é algo que parece descrever o dito popular de que a situação é daquela de “vaca não reconhecer bezerro”.

Afinal, somos o maior exportador de soja do mundo e alternamos entre 1° e 2° lugar no mundo como o maior vendedor mundial de milho, trocando de posição com os EUA, na faixa entre os 40 e 50 milhões de toneladas vendidos globalmente.

Imaginem o que diriam, por exemplo, da Venezuela importar petróleo…

A alegação de que a desvalorização cambial é a responsável pela elevação dos preços internos destes produtos é verdadeira, mas é absolutamente falso que, como aconteceu com o arroz, liberar importações vá fazer com que se force, assim, uma queda nos preços ao consumidor.

Os preços internacionais subiram desde o início da pandemia, é verdade, impulsionados pelas compras recorde dos chineses, mas ainda assim estão muito longe do que já estiveram na última década. De 2010 a 2014, os preços estiveram até 70% maiores, no caso da soja, e 100%, no caso do milho.

A questão é que não há produto exportável que, com quase 48% de desvalorização cambial desde o início do ano que não vá ter um repique nos preços internos e, neste caso, pela participação deles na cadeia de produção de proteína animal, também não vá se disseminar neste outro setor.

A tabela do Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas, divulgado na sexta-feira e que reproduzo na imagem do post mostra o impacto disso nos preços do atacado destes três grupos. Note que não se deve considerar os valores isoladamente, mas lembrar que é “aumento sobre aumento” e a exportação representa uma “porta” para que a inevitável queda no consumo interno evite a pressão baixista pela redução da demanda.

O estímulo à importação de milho e soja é uma das provas mais evidentes que a “eficiência”, a “competitividade” e a “liberdade” comerciais não são, necessariamente, garantia de abundância e modicidade nos preços, muito menos de racionalidade econômica.

Imagine, por exemplo, o ilustre leitor e a atenta leitora um destes imensos graneleiros aportando em Paranaguá (PR) para descarregar uma carga de soja importada dos EUA e carregar outras tantas de soja brasileira para ser vendida na Ásia…

É evidente que isso não terá, como não teve no caso do arroz, efeito senão pontual e folclórico sobre o comércio destes produtos.

Muito menor que as pressões, em sentido inverso, que não cessam de aumentar: o valor do dólar, os juros (os efetivos, não os declarados na taxa Selic) e as incertezas quanto ao desempenho da economia global, sublinhados pelo repique do coronavírus na Europa e nos EUA.

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