No final dos anos 80, um ganhava as telas o documentário “ficção e realidade” Ilha das Flores, do hoje famoso Jorge Furtado, era um chocante retrato do Brasil arruinado pelos anos de ditadura e pelo desastre do Governo Sarney, no qual famílias disputavam com os porcos os restos de comida no “lixão” da Ilha das Flores, no Rio Jacuí, em Porto Alegre.
Mais de 30 anos, é este filme que vem a memória quando se vê as cenas de homens e mulheres retirando restos de comida da caçamba de um caminhão de lixo em Fortaleza.
A diferença é que a Ilha das Flores de hoje está aparecendo em todos os lugares: no Ceará, em Pernambuco, no caminhão de ossos do Rio, nas carcaças de peixe e frango do Mercadão de São Paulo…
No texto genial de Furtado, a leitura dramática de Paulo José diz que “o que coloca os seres humanos depois dos porcos na prioridade de escolha de alimentos é o fato de não terem dinheiro nem dono”.
Bem, se andamos um passo e estamos escolhendo os restos antes dos porcos, os brasileiros continuam sem dinheiro e sem ter quem cuide deles e lhes garanta o essencial para viver.
Não é possível compreender que, num país onde tanto se apela a Deus como provedor de soluções – que são humanas, não divinas – os homens que se arrogam em escolhidos divinos não terem uma palavra contra esta degradação humana, mais própria do Inferno.
Falta-nos a simplicidade magnífica do arcebispo e Prêmio Nobel da Paz, o sul-africano Desmond Tutu que, numa entrevista a Geneton de Moraes Neto, ao ser perguntado sobre “qual seria a primeira pergunta que o senhor gostaria de fazer a Deus, e tivesse a oportunidade de encontrá-lo cara a cara”, respondeu, sem titubear: “como é que o senhor tolera tanta injustiça e sofrimento”.