Diplomacia não foi da vacina, foi da cloroquina

A detalhada reportagem de Patrícia Campos Melo na Folha é, na pratica, um roteiro para a inquirição do ex-chanceler Ernesto Araújo. descrevendo a intensa atividade diplomática para obter cloroquina e a rala e tardia ação quando o assunto era a obtenção de vacinas. Não apenas por revelar documentos e comunicações oficiais do governo brasileiro como, nelas, ficar caracterizada a orientação direta de Jair Bolsonaro nos apelos para comprar quantidades cavalares do fármaco, quando já havia consenso sobre sua inutilidade – e até riscos – de sua utilização.

Há, nas comunicações do Itamaraty, absoluta confirmação de que o presidente da República, já na gestão de Nélson Teich no Ministério da Saúde, estava empenhando órgão públicos – Fundação para o Remédio Popular, Fiocruz, Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica e Laboratório do Exército – para produzirem a droga além de pressionar para conseguir insumos para laboratórios privados fazerem a festa vendendo o suposto “remédio” para o vírus: nomeadamente a EMS, a Eurofarma, a Biolab e a Apsen.

Se o conteúdo dos documentos, transcritos em parte pelo jornal confirma a impressão dominante de “opção cloroquina” adotada pelo Governo brasileiro no suposto combate à pandemia, isso empurrará o ex-chanceler a ampliar e radicalizar seu negacionismo e, na linha de Jair Bolsonaro, reafirmar o charlatanismo de sua ação como um ato de coragem e de enfrentamento ao que acham ser uma “conspiração globalista”: a pandemia e sua vacina.

Sabe-se que a posição de Bolsonaro é inteiramente traduzida por Araújo, inclusive no relacionamento com a China, sempre importante e, agora, absolutamente vital na obtenção de vacinas e de seus insumos. Fora do cargo e interessado – como revela também o jornal, em sabotar a ação de seu sucessor no Itamaraty, pode-se prever a tentação que terá Araújo de apresentar-se como arauto do profeta do negacionismo.

Ao contrário de Eduardo Pazuello, desesperado por esconder-se, o ex-chanceler tem a vocação exibicionista e olhe lá se não nutre, também, pretensões eleitorais que o coloquem a firmar-se como herói do fundamentalismo.

 

 

 

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