A manchete da Folha, dizendo que a população de moradores de rua da cidade de Saão Paulo passa de 30 mil e que cresceu 31% desde o início da pandemia é, infelizmente, incorreta.
Necessário, o censo realizado para prefeitura não capta os números corretos, porque grande parte destas pessoas, com toda a razão, é arredia e tenta escapar do contato com o poder estatal, no qual enxerga – e não sem razão – uma ameaça.
O que o estado, afinal, sempre lhes deu foram bordoadas, jatos de água fria e, mesmo quando é mais “suave” o “você não pode dormir aí”.
Além do mais, o “censo dos desvalidos” é feito, evidente, nas áreas onde se concentram, mas há muitos mais espalhados por todas as áreas da cidade, vivendo seu abandono solitario, sem formar grupos identificáveis, um dia aqui e ou ali.
Um vez, ouvi de Leonel Brizola o trecho de uma diálogo que teve com Samora Machel, líder da então recente independência de Moçambique, no qual perguntou ao africano quantas pessoas havia no país. Machel deu o número dos habitantes das idades e falou: “ainda há os elefantes”. Não eram os imponentes animais, mas os seres humanos que viviam internados nas selvas do país, dois quais só se tinha notícias quando surgiam, em bandos, nas cidades e vilas.
Claro que há, entre eles, problemas de toda ordem: familiares, de dependência de álcool e drogas, distúrbios mentais, deficiências físicas, etc. Mas, mesmo limitada, a pesquisa mostra que, para a maioria, mesmo, é a falta de emprego e renda, esta miserável e insuficiente não só para morar, mas para comer, medicar-se e cobrir-se com algo que não sejam simples farrapos.
Não são um problema exclusivamente paulistano, também sabemos, e não vai ser resolvido apenas com acolhimento e caridade pública, ainda que isso mitigue o sofrimento destes nossos irmãos e irmãos.
Muito menos haverá solução na base da “ordem púbica”, removendo as pessoas para onde não possam ser vistas e não firam os olhos e não amedrontem a classe média.
Nem a cidade mais rica do país tem condições de resolver este drama por seus próprios meios se o país tratar o emprego e a renda da população com menos atenção que os delírios demagógicos do presidente da República e a cumplicidade de uma crista política que o sustenta.
Ao contrário, esta multidão só aumente e, a cada dia, vai perdendo o sentimento de dignidade do qual precisa para reerguer-se.