Ontem, advertiu-se aqui que era preciso prudência nas ações – absolutamente necessárias – para responsabilizar o presidente da República pelo desastroso combate à pandemia e, agora, pelas irregularidades que surgem na compra de vacina. Não só é difícil e formal o formato jurídico de uma denúncia que implica afastamento presidencial como Judiciário e Ministério Público estão, hoje, sujeitos a muitas e nem sempre ortodoxas manobras.
Hoje, Helena Chagas, experiente observadora da política, bate nesta tecla com mais força e diz que erros poderão ajudar a “livrar a cara” de Bolsonaro “por falta de provas consistentes”. Porque o crime de prevaricação, de fato já bem desenhado, não parece ser o único desta trama.
CPI: a hora certa de denunciar Bolsonaro
Helena Chagas, no Jornalistas pela Democracia
Apesar da enormidade do que vem sendo revelado, com destaque para a omissão do governo em relação à tragédia da Covid, do ponto de vista legal e criminal é agora que a CPI da Covid chegou ao ponto nevrálgico da investigação – o presidente da República. O grau de envolvimento de Jair Bolsonaro não está claro ainda, e pode ir além do crime de prevaricação que os senadores já apontam pelo fato de ter ouvido o relato dos irmãos Miranda sobre as irregularidades no contrato da Covaxin e não ter tomado providências em três meses.
Mas será isso suficiente para dar base consistente a uma notícia-crime ao STF nesse momento, conforme defendem alguns? A gravidade da situação exige agora da CPI mais bom senso e serenidade, e menos jogadas midiáticas.
Se os senadores querem de fato pegar Bolsonaro, apresentando uma representação bem embasada ao Supremo, têm que completar o dever de casa e buscar elementos que corroborem o depoimento dos Miranda sobre a conversa em que Bolsonaro teria, inclusive, citado o líder do governo, Ricardo Barros, como autor do esquema. Correm em Brasília rumores de que os irmãos teriam uma gravação com as afirmações de Bolsonaro. Se existe, pode ser a prova cabal. Se não existe, ficará a palavra de um contra os outros.
Além disso, os integrantes da CPI acreditam que o comportamento de Bolsonaro poderá gerar também acusações de advocacia administrativa e até de corrupção passiva. Só que é preciso provar, aprofundando a investigação com documentos e apontando atos concreto do presidente da República que tenham beneficiado empresas privadas e outros interessados. O telefonema do presidente ao primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, sobre a Covaxin, por exemplo, pode ser enquadrado como advocacia administrativa? Só examinando os registros da conversa saberemos.
É por aí que alguns senadores consideram que uma representação ao STF tendo Bolsonaro como alvo nesse momento, com base no que se tem até agora, pode ser precipitada, um erro que pode acabar livrando a cara do presidente da República por falta de provas consistentes. No rumo em que as coisas estão caminhando, é bem provável que as provas apareçam — e o silêncio de Jair Bolsonaro quanto ao conteúdo do que conversou com Luis Miranda e Luis Antônio Miranda é sinal disso. Mas é preciso correr atrás delas e agir na hora certa. O apressado come cru.