Dois pescadores ilegais, possivelmente ligados a narcotraficantes, confessaram a morte, o esquartejamento e a ocultação dos corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips.
É possível que os restos mortais sejam recuperados hoje ou amanhã, necropsiados e, no início da semana que vem, sepultados.
Mas a dor nem a vergonha que todos sentimos em ver o governo de nosso país transformar em “heróis pioneiros” a vasta marginália de ilegais que se espalha na Amazônia, pronta para extrair das águas e terras todas as migalha de fortuna que puder delas sacar, estas não serão sepultadas com eles.
Pior ainda, ficará gravada para sempre a atitude de um presidente que, jamais comovido, mas sempre aborrecido com o “incômodo” que a situação traz a seu discurso anti-preservação, ainda diz que o jornalista “era malvisto na região” por causa de reportagens denunciando a devastação.
Não é possível crer que “Pelado” e “Dos Santos”, os supostos assassinos do inglês, fossem leitores do The Guardian e do Washington Post, onde ele escrevia.
Quem era, é e será malvisto são as autoridades, civis e militares que, por omissão, dinheiro ou votos permitiam a eles fazerem o que quisessem, até executar, sem chance de defesa, dois homens desarmados.
Sempre houve e, infelizmente, haverá violência estúpida nestas terras remotas, mas elas ocorrem em maior grau e ferocidade quando se percebe a simpatia oficial – quando não a cumplicidade – do já fraco poder do Estado com a violação das leis.
Apenas colocar na cadeia os dois ou três que mataram fisicamente a dupla não lhes faria justiça.
O país precisa de gestos que compensem a tragédia que estas mortes simbolizam e é por eles que devemos nos mobilizar.
Apressar o julgamento da questão do marco temporal das terras indígenas, reconhecer seu direito ancestral aos lugares aonde vivem e compelir o governo a desengavetar a demarcação de seus territórios é uma das formas de mostrar que este país não é cúmplice da devastação e da morte, que um novo governo poderá confirmar com uma mudança na atuação omissa dos órgãos de fiscalização ambiental e de proteção étnica.
Assim, ainda que a um preço triste e doloroso, Bruno e Dom serão honrados perante aquilo em que acreditavam e em nome do que perderam suas vidas.