Janio de Freitas, que conhece como nenhum de nós a história deste país, escreve hoje na Folha um artigo tão didático quanto vigoroso, que merece ser lido por todas as pessoas de convicção democrática, que aprendemos, na prática, que a perda da institucionalidade é o primeiro passo para a perda dos direitos individuais e sociais.
Quem viveu uma ditadura deve lembrar-se disso e do quanto custa sair de uma delas.
Jânio só não vai ser entendido pelas mentes primárias, dominadas pelo ódio, a maioria delas apenas massa de manobra de outros interesses.
A democracia arrombada
Janio de Freitas, na Folha
Crise, crise mesmo —não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises— desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.
Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio. As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.
O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.
Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.
A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.
O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal Ibad, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.
Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.
Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.
A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.
17 respostas
O pior é Dilma Rousseff se omite. Esse general já era para ter sido exonerado. O general deve ser enquadrado, pois, como diz Janio de Freitas, se não contido a tempo, o rombo conta a democracia se alastra.
Concordo.
O Brito pode não ser moderno mas dá provas quotidianas de inteligência e espírito democrático. E’ um dado de fato, não é uma opinião. Portanto acho que ele deve seguir com frequência os pronunciamentos do general Vila-Boas, atual comandante do Exército para descrevê-lo moderno e inteligente. Vivemos um grave conflito não resolvido. Não resolvemos nossa transição democrática. A lei de anistia garante impunidade aos párias militares e civis criminosos e ladrões. O Estado Maior não pediu perdão ao Brasil por não ter honrado o juramento de obediência à Constituição e de ter violentado o proprio povo. Os militares patriotas que disseram ”Não” aos golpistas não foram reabilitados. Para o ridículo general Carlos B. Goellner “Não há nada de que retratar-se, não há nenhum erro histórico, a história não comete erros”, prova evidente que não houve depuração ideológica entre os quadros militares unidos na reivindicação do terrorismo de Estado e contra a reconstrução da verdade. Para o moderno general Vila-Boas o exército é uma “irmandade” (!) Pro general Mourão, citado no texto do Janio o exército não é uma instituição pública, com deveres estritos e regulados por lei, é priveé: a União destina verbas pra armar, vestir, alimentar e assistir a irmandade do padroeiro Duque de Caxias. O general Antonio Hamilton Martins Mourão parece um troglodita com roupa mimetizada. Pelo semblante parece ter um cérebro que não lhe permite mastigar chiclete e caminhar ao mesmo tempo. Carta Maior http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/General-faz-comicio-para-a-tropa/4/34785
Verdade. A desgraça se instala a conta-gotas com anuência, aprovação, chancela, omissão, cupidez, preguiça, corporativismo, medo, ignorância, destes agentes: funcionários públicos, agentes públicos, chefias destes, pessoas em cargos de confiança e comissão e assessores, políticos, parlamentares especialmente, mídias dos dominadores, colunistas e âncoras pagos, mas principalmente órgãos e agentes de justiça que liberam geral para todos os citados da direita. Uma putaria que as pessoas de bem não podem combater.
Maria, quem não conhece como funciona o interior da máquina pública, eu falo de tudo que é público, não entende como as engrenagens funcionam e acham que Dilma se omite ou não parte para a briga.
Dilma é uma heroina. Pense nisso.
Ela merece todo nosso carinho!!!
Desejo a vc e todos os leitores desse blog um Bom Dilma!!!
Encontrei outro dia num site de justiça que um juiz do Paraná ou TRF do sul, se aposentou involuntariamente por ter sido condenado à mesma pena em dois processos parecidos de corrupção passiva.(passivo é o que é subornado pelo privado). Como pode demorar tanto uma localização de caso de corrupção enquanto o agente continua trabalhando dentro do órgão para agentes externos? Resposta: os regulamentos permitem.
Turma, a questão é a ferocidade da direita e as armas que a modernidade fornece aos golpistas. O conluio mídia-judiciário-órgãos de controle. E acrescente o capital internacional.
Felizmente, no meu ponto de vista, a história dará razão a Dilma e a todos que ajudam a construir a frágil democracia brasileira.
Sem querer parecer presunçoso, digo que há tempos venho batendo nessa tecla. É escatológico o governo, e até o PT, dizerem que a democracia está forte porque as instituições estão funcionando e os crimes sendo apurados. Primeiro, quem teve que acertar contas e quais os crimes? A ação 470 que condenou sem provas? (candidamente confessado pela ministra Rosa Weber, em seu voto contra José Dirceu: “não há provas mas a doutrina me permite condená-lo”. Qual doutrina? Não cita. Seria a teoria do domínio do fato citada por seus pares e cuja aplicação no caso brasileiro foi criticada por um dos principais formuladores dessa teoria, o alemão Claus Roxin?) Enquanto isso, os réus do mensalão tucano de Minas, cujo modus operandi originário inspirou o dito mensalão petista, continuam livres, leves e soltos. A lista de Furnas nem se fala. Aquilo sim, assalto claro e comprovado aos cofres estatais que dorme na gaveta do Janot. De outro lado, vemos ativistas partidários, os delegados responsáveis pela operação lava-jato (que chegaram, durante as eleições, pasmem, publicarem nas redes sociais, fotos suas fazendo treinamento de tiro ao alvo em cima do retrato da presidenta). Para não falar do próprio juiz, o mouro, cuja esposa tem interesse direto na ação, uma vez que o escritório em que trabalha advoga para subsidiárias da shell e, ela própria, foi assessora jurídica do psdb. Num processo, que todos aqui já sabemos mas nunca é demais falar, maculado desde a origem. Com delações premiadas de bandidos que já foram beneficiados por tal instituto e que, pela lei que o regula, não poderiam ser beneficiados novamente, em um sistema em que os interrogatórios são adiados ad infinitum até que os réus, por desespero se submetam a falar o que o juiz (e o mp associado) quer ouvir. Por outro lado, os governos petistas não fizeram a sua parte. Afinal, porque não ocorreu, por parte da advocacia geral da república, nenhuma iniciativa para que os crimes cometidos durante o (des)governo bhc (privataria tucana, SIVAN, pasta cor de rosa, esquemas da g’r’obo e “filho” de bhc, etc, etc) fossem apurados? E me veem tentar convecer que o fato de que a pf, o mp e o judiciário, corruptos e de matiz oligárquica, estarem perseguindo petistas é sinal que as instituições funcionam e que portanto vivemos num estado democrático de direito? Ora, convenhamos. É autismo demais para a minha vã compreensão. Não dou conta!
Quem falar uma frase sequer contra o Governo Dilma, neste momento grave, para mim não é nada mais que um traidor da Pátria. Irresponsabilidade é como bricadeira, tem hora.
Não confunda a nossa pátria com a podridão do PT.
25/10/2015 – 10:48
Estamos vivendo situações piores do que em 1964. Pessoas estão sendo atacadas nas ruas, nas lojas e livrarias, simplesmente, por sua posição política contrária ao golpe. Senadores, ministros e populares, em geral, são atacados brutalmente à vista de todos, sem que ninguém os proteja, muito menos as Polícias Militares. Quando os agressores, que alegam que podem protestar contra quem bem entender e em qualquer lugar, são enfrentados com mais firmeza, ai sim, a Polícia Militar, corre para defende-los. Se este país fosse minimamente democratico e tivéssemos governo, o Estado de São Paulo, já teria sofrido uma intervenção, pois não está garantido o direito dos cidadãos que pensam diferente de sua elite retrograda, reacionário e fascista, muito ao contrário! E 1962 o presidente Kennedy mandou a Guarda Nacional e milhares de agentes federais para garantir que alguns estudantes negros que estavam sendo impedidos, por milhares de racistas, de se matricularem em universidades, inclusive com o apoio de governadores dos estados. Fez isto para cumprir o que determinava a Constituição Americana. Aqui a nossa Constituição é letra morta. E, o pior, estes ataques fascistas, estão se alastrando pelo país.
Brito, eis mais uma trollagem…
POEMA ALFA
by Ramiro Conceição
Quiçá escrevamos romances, contos
e poemas p’ra que um dia finalmente,
sozinhos, diante de uma planície,
cheguemos à conclusão de nosso
ontológico… a n a l f a b e t i s m o.
*
*
BOÇALIDADE
by Ramiro Conceição
Hoje,
vi o Sol nascer… E tive uma certeza
da transitoriedade de tudo. Como é
possível, não sendo donos de nada,
que pouquíssimos, machos!, sejam
transitoriamente donos do mundo?
Sem dúvida,
tal boçalidade é possível somente via
o criadouro de bilhões de estúpidos
oriundos paulatinamente de séculos.
O Brasil dependeu dos heróis europeus. Primeiro, os suíços que mostraram com todas as provas quem é Eduardo Cunha. O outro foi o pequeno herói da Holanda, Wadih Damous que entrou com a ação no Supremo para evitar o cabo do rito definido por Cunha.
IRAQUE CONFIRMA: EUA E REINO UNIDO SUPREM ESTADO ISLÂMICO COM ARMAS PESADAS, INCLUSIVE MÍSSEIS
http://noticia-final.blogspot.com.br/2015/10/militares-iraquianos-tem-provas-de-que.html
Mais uma mostra do sucesso retumbante do monumental aparato de propaganda do sistema dominante em sua tarefa de dominar corações e mentes das pessoas.
–
O Sr Tranquilini, cheio de razão, vem afirmar que uma revista que tem trilhado uma longa trajetória de isenção diante dos governos, quaisquer que sejam eles.
–
Enquanto isso, ao que tudo indica, acredita, piamente, que Veja e Istoé são exemplos de jornalismo isento.
Assim como no caso da AP-470 e agora na lava-jato, tribunais de exceção das grandes corporações já atuam amplamente no mundo:
http://www.esquerda.net/artigo/assim-funcionam-os-tribunais-de-excecao-do-capital/39266
Para desespero de vcs, a democracia barrou o processo de venezuelização do Brasil. O Congresso Nacional induziu o aborto do PNDH-3 e matou o não menos danoso Decreto Bolivariano 8243/2014. O Brasil tem uma democracia forte!
Jânio sempre nos traz textos oportunos e agradáveis, o que não vi neste. valorizar a opinião de lunático milico da categoria gorila só me trouxe intranquilidade e descrença sobre o Brasil que amo, admiro e imaginocom memória adequada para evitar novo descalabro como vivemos no recente período mando militar.