Lula, Brizola e a elite que engole sapo, por Veríssimo

lulabrizola

Ler Luís Fernando Veríssimo é sempre muito bom.

Durante os anos do “pensamento único” neoliberal, quando ousar dissentir das verdades privatistas era quase ser condenado à fogueira, foi um dos poucos que teve coragem – e condições – de resistir, ainda no velho Jornal do Brasil.

Em seu artigo de hoje, especialmente, ele toca nas lembranças do que vivi e as liga ao que vivo, ao recordar a expressão “sapo barbudo”, uma das mais folclóricas – e verdadeiras – tiradas de Leonel Brizola.

Situo a história, da qual me lembro em detalhes, em 1989, num discurso no Riocentro, numa “pajelança” para unir o ressentido PDT para enfrentar, ao lado de Lula, o segundo turno contra Collor.

Eis a origem da expressão.

Quando se elegeu governador do Rio de Janeiro, em 1982, o general Euclydes Figueiredo, irmão do general-presidente João, disse que Brizola, eleito, era “um sapo que a gente engole e depois expele”.

Não expeliram.

Nem a ele, nem a Lula, o sapo barbudo.

E têm indigestão de ambos, até hoje.

A longa indigestão

Luís Fernando Veríssimo, em O Globo

Quando o Brizola se convenceu de que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com uma sentença: a elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava vivo e consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder. Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.

É verdade que o PT tratou de tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo econômico vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus compromissos de campanha, mas sem fazer loucuras. E o sapo barbudo desceu pela goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra coisa. Não se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela primeira vez o Brasil tinha na presidência um ex-operário, vindo das lutas sindicais, que errava a concordância verbal mas mobilizava a massa. Com todas as suas precavidas concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de representar a “classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da Revolução, no poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do patriciado brasileiro ao PT tem várias causas: diferenças ideológicas, interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no governo e suas quedas na corrupção, e — especialmente inadmissíveis — os seus sucessos: distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. Mas o ódio ao PT só se explica como má digestão.

Doze anos de indigestão: é compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT no governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma suposta fraude no pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão exercendo o direito de todo perdedor, o de espernear. Só achei curioso ver, desfilando numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que pedia a volta dos militares ao poder. Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer e carregar uma faixa daquelas: uma para pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei pensando em quantas pessoas no desfile além das três hipotéticas concordavam que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém, talvez a maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.

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19 respostas

  1. De fato Edson, até o PT, por ser de SP, paga o preço de tal “carma”. Que me perdoem os paulistas decentes, mas não há como não registrar esse anacrônico fenômeno que ocorre em SP.

  2. Anos atrás cancelei a assinatura da porcaria da zero hora.
    Mas antes disso, mudei o contrato de recebimento diário para receber só domingo e segunda-feira, pois era na segunda-feira que tinha o prazer em ler as colunas do Veríssimo.
    Depois que passei para o serviço público, leio suas colunas no exemplar adiquirido pela instituição.
    Não dá pra viver sem ler o Veríssimo, bem como, de agora em diante, o Fernando Brito também. PARABÉNS!
    Obrigado por permitir ser teu leitor.

  3. Delícia é saber* que O Globo publicou isto (*porque não perco tempo com aquele tablóide peçonhento).

  4. ´´Certas canções que ouço cabem bem dentro de mim, que perguntar carece: Porque não fui eu quem fez?´´
    Assim como na letra da música que Milton Nascimento interpreta, neste artigo do Verissimo PORQUE NÃO FUI EU QUE ESCREVI?

  5. Aquela disputa eleitoral, em 1989, faz parte da história de muita gente.

    Brizola, debatendo com Maluf “filhote da ditadura” é algo de que jamais se pode esquecer.

    O Rio Grande do Sul (de bandeira, até hoje, farroupilha)é celeiro de algo diferente em termos políticos.

    Eu, que agora tenho até televisão, ao assistir, ontem, a uma entrevista da Luciana Genro ao Heródoto Barbeiro não pude deixar de passar o mesmo “filme” dentro de mim.

    Os fatos do século XIX (1835)…. o senso político de Getúlio…a campanha da legalidade… a histórica reunião civil / militar de 2 de abril de 1954…. Tudo isso me veio à mente.

    https://www.youtube.com/watch?v=nQHxiJXrPOA&list=UUpAiwBeL3nJXXHlDXoomTBA

  6. Muito bom o artigo de Veríssimo. Deve estar tão surpreso e enojado com as manifestações pós eleições, que faltou a leve ironia que lhe é tão peculiar. Não é para menos.

  7. Só não concordo com “a arrogância do partido no governo”. Parece mais uma frase enxertada no texto para que ele não pareça chapa branca.

  8. Veríssimo, Urariano Mota, Eduardo (do blog Cidadania) e Fernando Brito: meus preferidos! Pode haver mais, mas se me lembrei imediatamente destes, que sejam estes por ora. :)

  9. Realmente é muito curioso carregar faixas pedindo: ” Quero ser censurado! Não quero liberdade de expressão ! Quero ter meus direitos civis cassados! Quero ser proibido debater política! Quero ser proibido de escolher meus governantes! Quero ser torturado ou morto se desobedecer!
    Realmente muito curioso. Agora quem disse que os militares querem? Quem disse que os militares estão em oposição aos civis, que são na verdade o seu objetivo de existência?
    Espero que o Brasil continue sua vocação pela paz mundial e nunca precisemos da ajuda militar na defesa nacional contra ataques militares.Mas que estejam a postos e precisam ser muito valorizados por isso. Gostaria muito de ver os militares mais presentes nas grande obras, nos momentos de catástrofes naturais e no desenvolvimento tecnológico e na construção da nação que almejamos.

    1. Mas F@&@& mesmo são os 138.810 idiotas descerebrados que assinaram aquela ” petition” a Casa Branca solicitando a intervenção dos Estados Unidos porque Aecio Neves perdeu a eleição….
      Vergonha alheia é muito pouco…. Pena que a p….da lista não tem os nomes dos FDP…. Tem só as iniciais…Ainda por cima covardes !

  10. Mestre indiscutível! Tive o prazer de conviver pessoalmente com ele, e tem um vídeo no youtube em que nós estamos tocando o ” Tune up” do Miles em ritmo de bossa , por sugestão dele. Grande fera na música também!

  11. É muito bom ler gente inteligente! Parece que os caras têm uma lanterna que vai iluminando o caminho.

  12. Haaaaaaaaaaa to felizzzzzzz Lula la Lula lá sou dessa epoca sou petista desde 1984, essas recodações minhas lembranças de militante sem era ou bera, sou de Recife sou maneluco to feliz Verissimo é isso mesmo. Conseguimos o país mudou cresceu nós mudamos. Somos grato pelo Lula, Luis Inacio da Silva de Caetés de Pernambuco falando para o mundo…….
    Fatima Costa

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