Vou recordar-me, para sempre, de uma frase que ouvi, num dos discursos de Leonel Brizola: “eu uso as palavras para revelar meus pensamentos, não para escondê-los”.
Acho que as pessoas, porém, acostumaram-se a ver os políticos fazerem o contrário e, por isso, muitas vezes deixarem escapar o sentido concreto do que é dito.
Ontem, no ato em que recebeu o apoio das centrais sindicais, Lula voltou a repetir que só quer ir para o governo se puder fazer mais do que fez em seus dois mandatos anteriores.
Isto não é uma bravata, é um desejo que, para realizar-se tem como condicionante essencial o apoio político que terá para fazer estas mudanças.
E entra aí, entre outros componentes, a história da possível aliança com Geraldo Alckmin.
Lula a quer, Alckmin, também. Do contrário, não teríamos esta “hipótese federal” – como a chamou o ex-governador, circulando há um mês.
Desde que ela surgiu, venho insistindo que, ao contrário do que a maioria dos analistas repete, ela tem mais peso político que eleitoral, embora possa consolidar a expectativa de uma vitória do ex-presidente já no primeiro turno, ainda que não impossível sem Alckmin. Mais importante, copio o que escrevi, é o que ela pode jogar em favor da estabilidade de um governo Lula.
Sim, porque a direita brasileira tornou-se tão odienta e sabotadora que, há quase um ano da eleição, espiroquetas que a integram como os guris do Moro, no MBL, na Folha de hoje, já admitem apoiar o voto nulo ou branco para que o novo governante “começaria o mandato enfraquecido”.
Alckmin também a quer, porque seria a chance de assumir algo que nunca conseguiu, nem mesmo quando foi duas vezes candidato à presidência: um protagonismo no centro político. Respondeu por Fernando Henrique, em 2006 e naufragou-se nas traições de 2018.
No meio deste caminho, há o governo de São Paulo. O PT (e o próprio Lula) não quer deixar passar em branco a chance que tem de obter o segundo governo mais importante do país, igualmente pilar de estabilidade do governo central e não quer que Alckmin leve de “carona” Márcio França, que empurrará boa parte de sua base para Guilherme Boulos, como aconteceu na eleição municipal. Mas Alckmin, escaldado, não quer ficar prisioneiro de França.
Se decidir-se por uma metamorfose, tem de estar livre para voar.
Ainda que não termine em “dobradinha”, a aproximação entre Lula e Alckmin vai cumprindo o seu papel para o ex-presidente, assinalando sua capacidade de diálogo e até de alianças com o centro político (ou direita light, como cabe melhor no Brasil).
Isso já está acontecendo e só não vê os que continuam cegos de ódio.