Marielles, Rebeccas e Emilys

“O tempo é o senhor da razão” é um dos ditados que o Brasil conseguiu desmoralizar completamente, talvez pela sina que lhe deu Fernando Collor de Mello ao usá-lo em camisetas com as quais dava corridinhas com as quais pensava fugir do impeachment.

Por aqui, o tempo é, ao que parece, patrono da irracionalidade.

Pois se completam mil dias da morte de Marielle Franco e não se respondem às perguntas sobre quem a mandou matar, a ela e ao motorista Anderson.

Mas a vereadora assassinada apenas abre uma fila de mortes inexplicáveis, na qual a seguem, há 610 dias, o músico Evaldo Rosa, morto por um pelotão de fuzilamento de militares em Costa Barros, como morto foi também pelos mesmos executores o catador de papéis Luciano Macedo. Destes, sabe-se quem são os matadores, mas isso não impede que estejam soltos.

Também vem juntinho a menina Ágatha Félix (445 dias) e o garoto João Paulo, fuzilado em sua casa, em São Gonçalo vai mais atrás, com seus 202 dias vagando à espera que punam seus assassinos.

Agora, fecham a fila as meninas Rebecca e Emily, mortas na sexta-feira.

São apenas alguns que estão ali – invisíveis, mas presentes – na genial charge de Laerte, na edição de hoje da Folha.

Porque há um rascunho, um esboço, linhas tênues esperando – tomara que não! – para todos os que são pretos, os que são pobres, os que são insubmissos ao estado de brutalidade que, de tão natural, alguém já quis legalizar como resultante de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Medo, em grupo, armados de fuzis, diante de crianças, mulheres ou homens de alguma idade e desarmados? Surpresa, se são sempre os que sempre morrem? Emoção, para que executa ou assume o risco de executar friamente gente que não oferece perigo algum, exceto o de nos lembrar que somos uma sociedade injusta, repressiva e racista?

Não adianta pedir “paz”, não adianta dizer que desonra uma farda que se impregna todos os dias de sangue. não adianta excluir da polícia e mais nada, porque vira milícia, habitando as órbitas nem tão ocultas do aparelho policial.

A violência esconde-se sob a violência e usa o crime aparente – o dos bandidos – para ocultar o crime real, o das elites dirigentes, que negam aos pobres a lei, que negam aos negros a cidadania, que negam às crianças o direito a serem protegidas no único lugar em que se pode protegê-las: a escola.

Assisti, nos pouco mais de 40 anos de minha vida adulta, o discurso da segurança pública produzir arbítrio, violência, opressão, morte e…nenhuma segurança pública. Vi, ao seu lado, Leonel Brizola ser chamado de protetor de bandidos por não aceitar tiros a esmo numa favela ou uma bota a arrobar a porta do barraco de uma família.

Esta é uma armadilha, caros e caros leitores, como o discurso moralista sempre o foi e nos levou a uma sociedade corrupta, não apenas nos dinheiros, mas nos valores.

Não há crime no Brasil em que não exista polícia no meio ou nas suas franjas de promiscuidade, porque sem elas não há armas pesadas, não há tráfico, não há “novo cangaço”, não há “territórios” inexpugnáveis.

Mas, quando estes existem, servem para usar o medo, o pânico, a insegurança como instrumentos deste poder policial que, afinal, tomou as rédeas do país.

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