Mino Carta: a demolição do Estado de Direito

mib

Todos os dias, ao assumir posições políticas, os homens e mulheres honestos se perguntam se não deliram ou, pior, sucumbem o pensamento às paixões partidárias (no sentido amplo, porque isso ocorre mesmo, e talvez mais, aos que não tenham militância partidária).

A honestidade não significa apenas viver com austeridade e sobreviver com ética. É também, uma atitude mental de não aspirar ser, sempre, o dono não apenas de bens materiais mas da verdade, este bem intangível mas essencial à vida digna.

Enxergar as coisas além da casca superficial que todos os dias nos servem, escrever na contra-mão do moralismo falso, submeter-se aos xingamentos bárbaros de quem nos chama de “chapa-branca” remunerados (resta saber em quê) ou dos fanáticos que não querem que vejamos nossos próprios erros, tudo isso é difícil, às vezes difícil demais para ser resolvido nos poucos minutos ou horas em que somos chamados, nesta velocidade cibernética, a tomar posições e emitir os conceitos mais graves.

Peço, por isso, desculpas aos leitores por essa lenga-lenga, para dizer que a manhã trouxe-me tranquilidade, por ter escrito, com insignificante menor talento,  na  mesma linha de pensamento democrático que traça hoje, na CartaCapital, um dos poucos ícones sobreviventes da imprensa, Mino Carta.

A liberdade tem seus instintos, além de seus pensamentos. Talvez sejam eles que, afinal, a façam sobreviver à infinda ameaça dos que a querem assassinar. E que alinhem sem uma ordem ou comando, aqueles que a amam e defendem.

Em cena, a covardia

Mino Carta, em CartaCapital

Faz duas semanas, em carta publicada na seção competente, um leitor elogiou CartaCapital ao defini-la como revista de esquerda. Que significa ser de esquerda? Bom ou mau? As opiniões, como se sabe, divergem, e em um país maniqueísta como o Brasil divergem absolutamente, embora o significado exato da palavra tenha perdido a clareza de antanho.

Há mesmo quem diga que o tempo das ideologias acabou de vez como se fosse possível admitir a inexistência de ideias capazes de mover as ações humanas. De todo modo, em terra nativa, basta pouco para ser classificado de esquerda, ou mesmo comunista. Vários requisitos exigem-se para chegar a tanto, mas dois são determinantes.

Primeiro, denunciar com todas as letras a insuportável desigualdade reinante no País, recordista em má distribuição de renda. Segundo requisito. Não se acovardar diante da prepotência oligárquica, tão desbragadamente exercida por meio da mídia nativa, paladina de uma liberdade de imprensa que não passa de liberdade de propalar impunemente o que interessa aos patrões, moradores cativos da casa-grande e, portanto, de inventar, omitir e mentir. Esta é também uma forma de corrupção.

No enredo político em pleno desenvolvimento no cenário nacional, o papel da covardia é capital, é a partícula primeva que explode no big-bang. Espero ser entendido ao acentuar que a encenação é digna de um colossal hollywoodiano, e talvez fosse oportuno entregar a direção a Cecil B. DeMille. Cinéfilos vetustos como o acima assinado sabem o que estou a dizer. Vamos, porém, ao ponto, sem exagerar em esperanças quanto a essa compreensão.

A par da credulidade de muitos leitores, ouvintes e telespectadores e da benfazeja indiferença da senzala, preocupada com temas práticos e cotidianos, sobra, com extraordinário vigor, a covardia de quem haveria de resistir. A começar pelo Supremo Tribunal Federal. Lembrei-me do meu professor de Direito Penal na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em uma das cúspides do chamado Triângulo de uma São Paulo adoravelmente provinciana. Noé Azevedo, cavalheiro de cabelos brancos, supunha-o parecido com Caronte, o barqueiro do Styx na versão dantesca, “branco por antigo pelo”. Ensinava a supremacia do Direito Natural: os fatos merecedores de julgamento, hão de sê-lo no mesmo local em que se dão.

Aí está o pecado original, imperdoável, da Lava Jato. Escudado pela polícia curitibana,Sergio Moro manda às favas o Direito Natural. Os ministros do STF não foram alunos do professor Noé, está claro, e talvez nem saibam dele. Poderiam, contudo, ter consciência das suas responsabilidades. No entanto, diante do desmando e de muito outros cometidos na república jurídico-policial de Curitiba, se acovardam.

Divididos nos sentimentos e nos humores, os senhores ministros de uma justiça desvendada, curvam-se aos pés da arrogância midiática. Apavoram-se com a reação, impressa, radiofônica e televisada, a qualquer tentativa de recolocar a situação nos trilhos da lei, sem deixar de apreciar referências gaudiosas às suas pessoas, uma foto aqui, uma nota favorável , ou mesmo uma entrevista, acolá. A citação empolga e compensa o medo.

O mesmo gênero de temor atinge o próprio governo, acuado e até hoje incapaz de inaugurar o segundo mandato de Dilma Rousseff, tão bem representado na sua inércia aturdida por um ministro da Justiça inexoravelmente inepto. Aceita-se a afirmação da prioridade do combate à corrupção, enquanto demole-se o Estado de Direito.

E as bancadas petistas do Congresso e os parlamentares da dita base aliada? Acovardados, alguns à sombra da espada de Dâmocles, outros por que simplesmente tementes à mídia em lugar de Deus, possivelmente alheado como de hábito das misérias humanas. Se algum dia o Brasil foi um Estado de Direito a despeito da presença inesgotável da casa-grande e da senzala, deixa de sê-lo agora debaixo dos golpes das manchetes.

Observa um velho amigo ao me visitar no meio da tarde melancólica: tínhamos um salvador da pátria, chamava-se Joaquim Barbosa, de um tempo para cá tomou-lhe o lugar Sergio Moro. Nada mais simbólico do que a homenagem que lhe fez a Aner (Associação das Revistas), contada nesta edição por Nirlando Beirão na página 30. O herói de camisa preta, adequada a mostrar antes a vaidade do que a identificação ideológica, conforme o editor de CartaCapital. Permito-me observar que o preto também é próprio do coveiro. 

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16 respostas

  1. Fernando, o texto da Carta Capital não aparece completo. Se conseguir publicá-lo completo podemos compartilhar os dois textos juntos: o seu é o da revista.

  2. Por mais odioso que Delcídio seja, pior é começar a destruir o que já temos de tão pouco

    Roberto Tardelli – Advogado, Procurador de Justiça aposentado (1984/2014), onde atuou em casos como de Suzane Von Richthofen. Atualmente é advogado da banca Tardelli, Giacon e Conway Advogados, Conselheiro Editorial do Portal Justificando.com e Presidente de Honra do Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

    Quinta-feira, 26 de novembro de 2015

    (…)
    Nas horas que corriam, um sentido ambivalente nos tomava, um misto de alívio e de terror. Alívio porque nossa fúria foi rapidamente satisfeita, e terror porque a prisão foi assustadoramente ilegal.
    O parlamentar no Brasil é protegido pelo art. 53, da Constituição, que traça um sistema de garantias, fundamental para funcionamento do regime democrático, ainda que se corram riscos calculados. Um deles está em que desde a expedição do Diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável (§ 2º). Isso é tão sagrado que essas garantias, assim como outras, subsistirão durante o estado de sítio só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços da Casa respectiva (§ 8º). Por mais que o Ministro Relator tenha insistido que houve flagrante, disse-o valendo-se do argumento de autoridade, o mesmo capaz de impor pela força afirmar-se que o quadrado é redondo. Porém, ainda que tomássemos o exercício da autoridade, faltaria o segundo quesito, o da inafiançabilidade do crime. A prisão, tal como foi decretada, desrespeitou a Constituição.
    Porém, mais grave ainda, é que os juízes, Ministros da Suprema Corte, que decretaram a prisão, estavam impedidos de fazê-lo pela singela razão de que foram vítimas das difamações provavelmente proferidas pelo Senador. Nessa situação bizarra, a vítima julgou e mandou prender seu agressor, o que representa ofensa ao mais palmar dos princípios de direito, a imparcialidade do juiz. Imagine o amigo se o dono do carro que você amassou na rua fosse a mesma pessoa que julgasse a indenização que ele mesmo propôs; imagine se… resultado: cana; recuamos séculos e, obliquamente, tornamos privada a Justiça Pública.
    Resumindo: não houve flagrante, o crime não era inafiançável e os juízes estavam impedidos. O mais preocupante é que não há juízes acima daqueles que o fizeram para corrigir o abuso. O Supremo, Guardião da Constituição, teve seu dia de desrespeitá-la explicitamente. Quem nos protege do vacilo do Guardião? Ninguém.
    (…)
    … pior e mais odioso é jogar tudo para cima, relativizando garantias constitucionalmente asseguradas, é começar a destruir o que já temos de tão pouco: o Estado Democrático de Direito.

    FONTE: http://justificando.com/2015/11/26/-por-mais-odioso-que-delcidio-seja-pior-e-comecar-a-destruir-o-que-ja-temos-de-tao-pouco/

    1. Messias, corretamente assinalado!
      Dai a suspeita porque o fizeram! (provavelmente cobrir os proprios rabos)

  3. Sr.Fernando.Uma das muitas coisas que se escreve ao respeito do ” PATRONO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO ” ,esse PALADINO DA MORAL E CÍVICA, consiste na introdução nas regras do direito, o conceito da PRESUNÇÃO DE CULPA. Veja que avanço conseguiu tal personagem,que além de adotar O DEDURISMO como forma de comportamento social,facilita sobremaneira o PODER JUDICIÁRIO,que luta há anos por celeridade em suas ações, e com isso apressa o método de encarcerar todos aqueles que não concordem com seus GUIAS.A BURGUESIA.Estou sugerindo para quem possa,ao respeito da DELAÇÃO PREMIADA,adotar-se como PATRONO,um tal de JOAQUIM SILVÉRIO DOS REIS,ilustre personagem da história do Brasil .

  4. 25 de novembro, data para se comemorar, de 2016 em diante, o Dia do Golpe Paraguaio Brasileiro. No mais, uma pergunta simples: Aécio é senador, certo? Esteves é um banqueiro com óbvios interesses nas decisões políticas, correto? O senador recebeu um presente (que baita presente!) do banqueiro, sua viagem de lua de mel, confere? O que a porra do PT está esperando para pedir a cassação do mandato de Aécio? Se Dilma tivesse ganhado uma passagem de ônibus São Paulo – Praia Grande de algum empresário, isto não seria motivo para impeachment? O que o PT está esperando para pedir o “impeachment” de Aécio?

  5. Um texto do Roberto Tardelli no blog do nassif merece reflexão diz ele
    “Porém, mais grave ainda, é que os juízes, Ministros da Suprema Corte, que decretaram a prisão, estavam impedidos de fazê-lo pela singela razão de que foram vítimas das difamações provavelmente proferidas pelo Senador. Nessa situação bizarra, a vítima julgou e mandou prender seu agressor, o que representa ofensa ao mais palmar dos princípios de direito, a imparcialidade do juiz. Imagine o amigo se o dono do carro que você amassou na rua fosse a mesma pessoa que julgasse a indenização que ele mesmo propôs; imagine se o juiz que julgasse a guarda dos filhos fosse também o pai em litígio… foi o que ocorreu: os Ministros, que se sentiram gravemente ofendidos julgaram o ofensor; resultado: cana; recuamos séculos e, obliquamente, tornamos privada a Justiça Pública.
    Resumindo: não houve flagrante, o crime não era inafiançável e os juízes estavam impedidos. O mais preocupante é que não há juízes acima daqueles que o fizeram para corrigir o abuso. O Supremo, Guardião da Constituição, teve seu dia de desrespeitá-la explicitamente. Quem nos protege do vacilo do Guardião? Ninguém.
    Quando um sistema de garantias se transforma em um sistema de conveniências, a democracia acaba indo para o ralo e todos os agentes públicos ficam com suas autonomias barateadas na ponta de iceberg que pretende afundar o Titanic da impunidade, mas que pode afundar toda a frota democrática, construída tão sofridamente”.

    1. Renato,
      Eles juraram cumprir a constituicao erraram feio e grosso por defender seus interesses acima da lei portanto so lhes resta terminacao do cargo pagar fianca
      e serem processados, incluindo o juiz de guantanamo que vem destruindo as estatais brasileiras em favor dos gringos. Nao obstante as acoes contra corrupcao devem ser manidas so que nao mais selectivamente, mas imparcialmente.

  6. Nos resta a esperança no longo prazo, como os chineses fizeram com a invasão japonesa. Isso é o nosso bastião, embora esteja sendo usado arbitrariamente por quem não poderia, o governo federal. Este deveria ter iniciado o segundo mandato agressivamente, só assim pra colocar a casa em ordem. Essa de excelência pra lá e pra cá é o que matou a virtude da atual política … saudoso Brizola. Cansados muitas vezes, vemos nos facebooks da vida se alastrarem mentiras e aumentar a ignorância e fé não raciocinada. Confiemos no futuro, pq o presente está difícil.

  7. Roubaram até o texto do petralha Mino Bilhete…..
    Ora, o Moro demole o Estado de Direito ou os petralhas demolem o Estado brasileiro?

  8. Teriam os dignissíssimos juízes, prendido o Delcídio pra evitar que ele provasse o que teria dito na escuta?

  9. A última coisa que a esquerda deve fazer nesse momento é salvaguardar a constitucionalidade das decisões. A população entenderá isso como sendo a proteção dos criminosos. A verdade é que ninguém quer saber de outra coisa senão cadeia para corruptos.

  10. É um tribunal ridículo. Constrangedor ver uma juíza desse tribunal declamar platitudes, numa inequívoca atitude midiática.

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