O golpe contra o trabalho. Por Nilson Lage

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O artigo do juiz Ricardo Lourenço Filho e do Procurador do Trabalho Cristiano Paixão trata de decisões recentes que, na prática, suprimem o direito de greve previsto na Constituição. No entanto, o ponto de partida de sua análise tem abrangência maior para a compreensão do processo de fascistização da Justiça brasileira, gestora do atual golpe de estado.

Explica em que se funda a excepcionalidade de estruturas como a que foi montada para a Lava-Jato e de outras que certamente surgirão espalhando “infernos legais” com leis próprias ou leis nenhumas – infernos grandes ou pequenos, como essa escola para cuja desocupação por estudantes de ginásio o juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude de Brasília, autorizou o uso de técnicas de tortura avalizadas pela Cia para emprego contra terroristas (coisa que a PM, com maior bom senso, optou por não fazer).

Mostra que, para a Lava-Jato, a identificação do Partido dos Trabalhadores como “inimigo público” é essencial para a aceitação dos métodos excepcionais – mistura de critérios policiais herdados da Inquisição com doutrinação do FBI – utilizados na condução do processo.

Citando:

“Foi quando (na década de 1990, na Alemanha), Gunther Jakobs, professor e jurista, concebeu a teoria do direito penal do inimigo. Segundo essa teoria, certos indivíduos representariam um perigo à própria sobrevivência da sociedade, razão pela qual não mereceriam o mesmo tratamento reservado a cidadãos que transgredissem normas penais. Por representarem ameaça à sociedade como corpo social, esses indivíduos não seriam beneficiários das garantias constitucionais e processuais aplicáveis a réus e acusados em geral. Sobre eles deveria recair uma lógica de prevenção, de antecipação das forças da ordem em relação a uma possível prática de crimes.”

O STF e o direito do trabalho do inimigo

Cristiano Paixão e  Ricardo Lourenço Filho, no jota.info

A década de 1990 trouxe uma onda conservadora ao direito penal. Isso começou com as políticas de “tolerância zero” do ex-prefeito de Nova Iorque Rudolph Giuliani, que se constituíam em mal disfarçadas medidas de combate aos pobres e sem-teto. A Alemanha não poderia ficar atrás no arsenal de medidas inovadoras no campo do retrocesso penal. Foi quando Gunther Jakobs, professor e jurista, concebeu a teoria do direito penal do inimigo. Segundo essa teoria, certos indivíduos representariam um perigo à própria sobrevivência da sociedade, razão pela qual não mereceriam o mesmo tratamento reservado a cidadãos que transgredissem normas penais. Por representarem ameaça à sociedade como corpo social, esses indivíduos não seriam beneficiários das garantias constitucionais e processuais aplicáveis a réus e acusados em geral. Sobre eles deveria recair uma lógica de prevenção, de antecipação das forças da ordem em relação a uma possível prática de crimes.

Em 2016, uma onda conservadora atingiu o direito do trabalho no Brasil. O órgão responsável por essa desconstrução das regras e princípios que regem o mundo do trabalho é o Supremo Tribunal Federal. Em duas decisões recentes, o Supremo inovou. Ele criou a figura do direito do trabalho do inimigo.

Ao julgar dois processos que envolviam o direito de greve de empregados e servidores públicos, o Tribunal acabou por impedir, em termos práticos, o exercício desse direito. Analisemos as duas decisões.

A primeira delas é a decisão monocrática proferida na Reclamação nº 24.597/SP. O caso envolvia greve deflagrada pelos empregados públicos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Diante da paralisação, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região já havia determinado a manutenção de 70% dos trabalhadores e prestadores dos serviços de todos os setores do Hospital, sob pena de multa diária. Com a Reclamação proposta pelo Hospital, o STF estendeu a todos os empregados a determinação de continuidade dos serviços, mantida a penalidade. Na prática, houve a proibição de exercício do direito de greve.

É importante observar as referências feitas na decisão. Uma delas, e talvez a mais importante, é à decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 6.568/SP (DJe de 25.9.2009). Naquela ocasião, submeteu-se ao STF a decisão sobre a competência para julgar os conflitos decorrentes de greve deflagrada por policiais civis do estado de São Paulo. Em uma argumentação lateral, alheia à controvérsia, o Ministro Relator, Eros Grau, fazendo referência a São Tomás de Aquino, expressou o entendimento de que “(…) tal qual é lícito matar a outrem em vista do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum”. Em outra passagem, observou, então, que “a conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil”.

A segunda decisão, proferida pelo Plenário do STF, por maioria de seis votos contra quatro, deliberou sobre a questão do corte do ponto dos servidores públicos em greve (RE 693.456-RJ). De forma expressa, o Supremo Tribunal decidiu que o administrador público não só pode, mas tem o dever de cortar o ponto de servidores grevistas. O resultado do julgamento, em processo com repercussão geral, foi o de que a regra será o corte do ponto (e consequente suspensão do pagamento dos vencimentos) assim que a greve se iniciar.

O que há em comum nas duas decisões, além da completa incompreensão do significado do conceito de greve?

O fato de que, preventivamente, são adotadas medidas para inviabilizar o exercício do direito de greve. Por um lado, permitindo-se que determinadas categorias de servidores sejam privados, por princípio, da possibilidade de entrar em greve. Por outro, ao impor um desconto na remuneração que incidirá assim que o movimento paredista for desencadeado.

É rigorosamente a mesma lógica utilizada na teoria do direito penal do inimigo. Para evitar que o “mal” (a greve no setor público, na visão do STF) se concretize, adotam-se medidas que combatam, “na raiz”, qualquer movimento de paralisação, inviabilizando, em termos práticos, o exercício do direito.

Chama a atenção a radicalidade dos julgamentos do STF nesta matéria. Como se sabe – e já enunciado em recente artigo publicado no Jota –, a Constituição de 1988 foi bastante clara e precisa quanto à amplitude do exercício do direito de greve, consignando, em seu art. 9º, ser assegurado “o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. No art. 37, inciso VII, por sua vez, o direito é estendido aos servidores públicos sem restrição prévia do campo normativo, sendo prevista apenas a edição de lei específica para fixar termos e limites do exercício do direito. Não há espaço interpretativo para a proibição desse direito.

As decisões do STF privilegiam, contudo, o poder repressivo da Administração Pública, quer pela exclusão de determinadas categorias do direito de greve, quer pela imposição (ou “dever”) do corte do ponto assim que o movimento for desencadeado. O que justifica essa leitura, após 28 anos de vigência de uma Constituição democrática? Como defender esse tipo de interpretação restritiva a partir de uma Constituição que foi produto de uma mobilização social que foi marcada, historicamente, pela realização de greves que visavam melhorias de condições de trabalho e, ao mesmo tempo, a redemocratização do país?

Apenas o STF poderá conceder essas explicações, em futuros casos e na publicação dos acórdãos dessas decisões até aqui adotadas. Algo, contudo, já está claro. O trabalhador do setor público que procurar, por meio da ação coletiva da greve, apresentar demandas e lutar por seus direitos, passará a ser visto como inimigo do Estado e da sociedade. A repressão do poder público poderá ser ativada de imediato. Quando isso ocorreu ao longo da história do Brasil – em várias oportunidades –, o Poder Judiciário era o único recurso disponível aos trabalhadores. Em algumas circunstâncias, juízes e tribunais decidiram, de modo corajoso, proteger o exercício desse direito, mesmo em tempos ditatoriais.

À época do regime militar, o governo, junto ao Congresso Nacional, cuidou de editar normas que inviabilizavam, na prática, o exercício do direito de greve. A Carta de 1967 e a EC nº 1/1969 proibiam a greve aos servidores públicos e nas atividades consideradas essenciais. No período democrático atual, o papel de estabelecer restrições ao direito de greve foi assumido pelo Supremo Tribunal Federal.

De modo tremendamente irônico, portanto, a lógica se inverteu. Na democracia, com uma Constituição que assegurou o direito de greve, a repressão não será apenas tolerada pelo Poder Judiciário. Ela acaba de ser ordenada a todo administrador público que se deparar com a deflagração de uma greve. E tudo isso por força de duas decisões do Supremo Tribunal Federal, órgão encarregado de zelar pela guarda da Constituição.

Muitos trabalhadores desafiaram as limitações estabelecidas pela ditadura militar ao direito de greve. Especialmente a partir de 1976, passaram a reescrever a história do movimento sindical desafiando abertamente os órgãos de repressão ou simplesmente ignorando as práticas de proibição e restrição ao exercício do direito. Com isso, foram protagonistas da resistência ao arbítrio e da redemocratização.

Qual será atitude dos trabalhadores no atual momento, em que a repressão tem origem numa decisão plenária do órgão de cúpula do Judiciário? Conseguirão resistir? De que forma?

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10 respostas

  1. Juízes criminosos aposentam com salários integrais as nossas custas como pena.
    O BRASIL se divide numa imensidão de BRASILEIROS e um grupelho de golpistas.

  2. A elite dominante e seu bastião atual – na ditadura esse bastião era castrense – estão cutucando “onça com vara curta”. Isto pode desandar em revolta ou em uma revolução. E aí, meu amigo, as cabeças desses que acreditam que tudo podem também estarão a prêmio.

  3. Já deu para ver que “o juiz que autorizou o uso de técnicas de tortura” será mais uma mentira incorporada ao arsenal petista. O juiz ordenou que a PM retirasse os grupelhos fascistas que invadiram um prédio público, recomendando, entre outras coisas, que a PM não os deixasse dormir NA ESCOLA. Ou seja, qualquer invasor poderia ir para casa e dormir tranquilamente. Algo muito distante de não deixar um prisioneiro dormir, técnica de tortura comum em ditaduras socialistas.
    Bem, depois de ver o Emir Sader dizer que os EUA não podiam criticar o muro para impedir a SAÍDA da finada Alemanha Oriental porque fizeram um muro para impedir a ENTRADA de ilegais nos EUA, tudo é possível. Mas eu sempre fico na dúvida se essas “confusões” se dão por má intenção ou por alguma deficiência intelectual mesmo.

    1. Lê a porra da decisão do fascista e para de falar merda midiota. Até órgão da ONU criticou ou a ONU tem déficit de interpretação? Lê a porra da decisão..VTNC.

    2. É risível. O Ernesto tentou sustentar seu argumento furado e se borrou, deu mancada uma vez mais. E ainda tem o desplante de acusar os outros de sofrerem de “deficiência intelectual”.

    3. Tsk, tsk, que tristeza. Vamos tentar de novo com mais vagar.
      SE os invasores estivessem presos e o juiz ordenasse que eles fossem privados de sono, teríamos sim um caso de tortura. Mas eles não estão presos e, caso se sintam desconfortáveis com algum barulho, podem ir dormir em casa, deixando a escola. Aliás, eles TÊM QUE DEIXAR a escola, porque ela não é uma propriedade particular da esquerda fascista que os controla. Salta aos olhos que o juiz ofereceu essa opção justamente para evitar que a PM precisasse usar a força para cumprir o seu dever social.

  4. Qual a legitimidade do STF covarde, canalha e golpista? A quem esses canalhas representam? Os interesses do Mercado ou os interesses do povo brasileiro?
    Devemos defender a Constituição de 1988, mas não devemos defender esse STF canalha, golpista e covarde que deu as costas ao povo brasileiro.

  5. É a verdadeira face da democracia capitalista, de livre mercado.

    Na verdade, o que presenciamos no nosso país não é novo. Também na década de 1960, a chamada democracia do capitalismo, ou do livre mercado, não conseguiu conviver em um ambiente de expansão dos direitos dos trabalhadores e do povo brasileiros.

    O resultado foi o golpe de Estado que derrubou um governo eleito democraticamente, o de João Goulart, colocando em seu lugar uma ditadura que durou 21 anos. Goulart sonhava poder garantir a vida digna a que cada brasileira e brasileiro tinham direito. A democracia capitalista, no entanto, não podia conviver com isso.

    Era o mesmo sonho de Getúlio Vargas que, se não foi deposto, foi levado ao suicídio por uma campanha de pressão brutal. Já ali a chamada democracia capitalista não podia tolerar a distribuição de renda necessária para a concreção do sonho de Vargas.

    Mas, não foi só no Brasil que da chamada democracia capitalista agiu para evitar a construção da democracia verdadeira. Vejamos só alguns casos:

    No Iran, em 1953, derrubaram o governo de Mohammed Mossadegh;
    Na Guatemala, em 1954, derrubaram o governo de Jacobo Arbenz;
    Na República Dominicana, em 1963, derrubaram Juan Bosch. Detalhe: Bosch foi o primeiro presidente do país eleito desde o ano de 1914.
    No Chile, em 1973, derrubaram o governo de Salvador Allende;
    Em Honduras, em 2009, derrubaram Manoel Zelaya;
    No Paraguai, em 2012, derrubaram Fernando Lugo.


    Estes são apenas alguns dos casos em que a democracia capitalista agiu para se desfazer de governos eleitos democraticamente por seus povos. Há inúmeros outros casos a mostrarem o quanto a democracia capitalista ou de livre mercado despreza a verdadeira democracia e a verdadeira liberdade.

  6. Vão destruir o arcabouço institucional do país e não vão colocar nada no lugar, usando como desculpa a idiotia capitalista bárbara e ultrapassada de “quanto menos regulamentação melhor”. Dentro dessa pressa em destruir, vão acabar com a justiça do trabalho e com a justiça militar. Depois dessas investidas contra seus próprios eixos, o Brasil vai ter que sofrer muito para consertar seu caminhão e colocá-lo na estrada novamente.

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