O golpe de Joaquim Barbosa

Golpe

Esse artigo de Maria Sylvia Carvalho Franco traz uma denúncia muito grave. Na verdade, reforça o que tanta gente vem afirmando, há tempos. Que não só o julgamento da Ação Penal 470 foi um “ponto fora da curva”. A execução também se revelou arbitrária. A teoria do golpismo evoluiu bastante de 1964 até hoje. Não há mais necessidade de tanques nas ruas. No lugar de generais, juízes. No lugar de vitórias eleitorais, decisões monocráticas. No lugar de pau-de-arara, tortura midiática. O objetivo, no entanto, permanece o mesmo: sabotar a soberania popular e criminalizar a política e o processo democrático em prol de interesses de determinados grupos de pressão.

Insólitas prisões

Por Maria Sylvia Carvalho Franco *

Texto publicado na seção de Tendências / Debates, da Folha, em 08/12/2013

“Quatro da madrugada: instante entre a noite e o amanhecer, quando as decisões lá no topo já se firmaram, quando o que deverá acontecer já aconteceu. Alguém bate à porta, urgente. Quem é? Não se sabe.”

Com essa matriz política, Jan Kott abre sua reflexão sobre o golpe de Estado urdido em “Ricardo 3º”, peça em que a violência dilacera as tramas do cotidiano: súbito, a força física e a intimidação moral irrompem nos afazeres, no lazer, no sono. “Quem dentre nós, pelo menos uma vez na vida, não foi assim despertado?” O ensaio de Kott sobre “Ricardo 3º” faz dessa figura uma grande metáfora da “húbris” política, desvelando a essência do ato despótico e sua perene ameaça.

Assistimos, aqui e agora, à reiteração dessas práticas. As detenções dos réus da ação penal 470 ocorreram após um processo transparente, mas o foram com bizarria do prisma ético. Sua imposição intempestiva, em longo feriado, valeu-se do emblemático Dia da República e da suspensão, no calendário, de três dias úteis. Pergunta-se o porque da pressa: Joaquim Barbosa valeu-se do recesso para decidir sozinho, ignorando seus pares?

A efetivação repentina dessas prisões, após um lento processo, insere o monopólio estatal da força física no cotidiano das pessoas. Noite que enseja emboscadas, ou feriado que paralisa a vida pública e privada, ambas as situações cancelam as garantias constitucionais.

Não visamos, aqui, a procedência das prisões, mas seu arbitrário “modus faciendi”. O uso do feriado não é inédito nas práticas políticas autoritárias: entre nós, basta citar os ardilosos planos econômicos, como o de Collor. Há mesmo uma história dessas tocaias: nas imagens acentuadas por Kott, o golpe de Ricardo 3º condensa-se na semana de Todos os Santos e Finados, tropos polissêmicos onde o dia dos mortos e o morticínio do tirano conjugam-se: os assassinatos, processos e decapitações não por acaso efetivam-se quando a vida social está suspensa, em luto. Inglaterra elisabetana ou República brasileira, a conivência com tais condutas resulta na mesma inversão de valores e práticas já presentes na democracia grega e sintetizadas por Platão como raízes do poder tirânico.

Por fim, completando os atentados à cidadania, juntas médicas ratificaram o desrespeito a um preso doente. No laudo sobre a saúde de José Genoino, afirma-se que ele pode suportar o cárcere: bastam remédios, dieta, exercícios regulares e (pasme-se!) evitar “fatores psicológicos estressantes”. Os doutores ironizam ou ignoram o que significa uma prisão, enunciando um oximoro: cadeia sem trauma.

As juntas que se pronunciaram sobre Genoino –e talvez as que examinam Jefferson– esqueceram-se de que avaliam prisioneiros cujas vidas não se assemelham à dos pacientes abstratos cujos diagnósticos pautam-se pelos parâmetros rotinizados oferecidos pela tecnologia médica. Lendo seus pareceres, tem-se o sentimento de que a submissão aos poderosos avalizou tais contrassensos. Tanto mais grave torna-se essa conduta quando distinguimos a atual crise nos meios médicos brasileiros e lembramos o quanto a bioética vem sendo debatida mundialmente.

Após a renúncia de Genoino, as circunstâncias de sua captura podem parecer episódicas, mas, nelas, o imprudente uso do poder evidencia o vezo, perene no Estado brasileiro, de afrontar o cidadão.

A crítica ao “modus operandi” das prisões não implicam tolerância ao crime; pelo contrário, ela pressupõe que sentenças legais não autorizam sua execução ilegítima.

Vale recordar que as denúncias contra a democracia martelam a tese de que nela é ínsita a impunidade. Já dizia Platão ao invectivar o regime ateniense das liberdades que, na polis “licenciosa”, condenados à morte ou ao exílio não “deixam a praça, circulam em público, como se fossem indiferentes a todos, invisíveis, como fantasmas de heróis”. Pelo visto, alguns magistrados são platônicos e gostariam de banir a democracia para sempre.

* MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO é professora titular aposentada de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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12 respostas

  1. “As detenções dos réus da ação penal 470 ocorreram após um processo transparente,”. O Processo foi tão transparente mas tão transparente, que nem as provas apareceram. Eu juro que essa parte eu não entendi.

  2. Concordo, como não tem votos a direita recorre aos togados. Só não deram o golpe na Venezuela e Argentina pois o Chavez e a Cristina souberam nomear Ministros do Supremo aliados! Jà aqui….

  3. Não conheço pessoalmente nem Dirceu, nem Genoíno, tampouco conheço Delúbio. Mas a trama é tão sórdida por parte de JB, o homem mau, que não tem uma noite que eu durma em paz pensando nas arbitrariedades do Rei da Escócia tupiniquim. Rezo pelos presos do PT especialmente, mas estendo minhas orações para todos os presos esquecidos.Não sei se já sabem do livro(sic) do Tuma Jr. que invoca o pai morto para acusar Lula.Ele diz que o pai disse…E a testemunha morreu. Hoje eu rezo, mas se tiver que sair do conforto para juntar-me aos que não aceitam isso, estaremos juntos. Disse que o livro foi escrito em 3 meses. Alguém já leu algum texto escrito por Tuma JR? Será que o Tuma Jr não foi testa de ferro de algum escritor/editor de dossiês conhecido? Tipo Serra? Nessas horas é que o vampiro ataca.

  4. Costumo dizer que, para mim, o pior legado da “era tucana” no Brasil não foram as privatizações. Aquilo que teve e ainda continuará tendo um efeito [tremendamente] devastador sobre as nossas instituições e que, portanto, constitui o pior e mais danoso legado tucano é o aparelhamento que foi feito no Ministério Público e no Judiciário brasileiros. Aconteça o que acontecer, apresente-se a denúncia que se apresentar, nada irá atingir os tucanos, que se encontram completamente blindados e imunes a todo tipo de investigação. Graças a essas manobras políticas, que dominaram as instâncias mais altas da “justiça” nativa, eles passarão ao largo de qualquer tormenta. E suas sujeiras e bandalheiras jamais serão punidas. Que pena!

  5. LEIA O 3 ATO – GENUINO DESARMA A PRIMEIRA ARAPUCA

    Estava lendo O SENHOR EMBAIXADOR, do Erico, quando o Corvo apareceu no sonho e repetiu –
    – Nunca mais.
    E ditou a seguinte peca.

    PRIMEIRO ATO
    A armadilha

    O departamento de Estado determina a mudanca do Senhor Embaixador .

    Os resultados obtidos na tese sob a possibilidade de diminuir por via pseudo legal a soberania que vinha sendo obtida nos paises latinos, sem emprego de armas, tinha obtido saldo altamente positivo em duas ocasioes.

    O metodo e obter um fato da vida real do pais nacional que possa ser manipulado de acordo com interesses desses grupos que nao aceitam a soberania nacional do povo da Nacao, e sim brigam por um retorno ao passado onde tinham as benesses do Estado.

    Com essas benesses fortunas foram criadas e o poder economico comanda a vida do Estado Nacao.

    Portanto, e preciso criar esse fato para manipulacao da opiniao publica.

    Nada melhor que via Poder Judiciario que normalmente Historicamente, decidia questoes so afeta as suas atribuicoes.

    Agora, atraves da premissa o Supremo tudo pode, inclusive para interpretar de qualquer forma a Constituicao , isto da forma que atende aos anseios politicos do homens e mulheres que o compoem em cada Nacao -Estado
    – a arapuca esta armada.

    SEGUNDO ATO

    O metodo

    O planejamento realizado pelo Departamento de Estado consiste em

    O Poder Judiciario cria um atrito com o Poder Legislativo ou Executivo

    Pratica-se um crime tipo –
    Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua.

    De preferencia com um lider partidario para aumentar a tensao

    Criticar de forma negativas mazelas do poder sob ataque, cria-se o atrito.

    A Nacao treme.

    A Arapuca esta armada.

  6. TERCEIRO ATO

    GERALDO DESARMA A PRIMEIRA ARAPUCA

    O Ministro e Presidente tem casa em Maiami e filho trabalhando na midia fazendo o caldeirao esquentar para consertar seu banheiro.

    O heroi popular foi preso.

    A Casa Grande exulta, o metodo esta em andamento.

    A arapuca armada para deflagar uma crise entre o Judiciario e Legislativo conforme determinacao pelo metodo a ser aplicado.

    O heroi nao tem nada que possa dizer que durante sua longa vida politica roubou bens publicos, mas nada melhor para o capitao de mato para comemorar a prisao do escravo do povo. Vai pro acoite.

    Um verdadeiro acinte a BIG House um politico honesto, pode causar grande dano ao Pais, portanto nada melhor para criar a crise institucional com esse lider tal de Geraldo.

    A arapuca esta armada o Legislativo nao tera coragem de cassar Geraldo em vista de sua integridade moral e financeira reconhecida por todos, inclusive a Casa Grande e por esse motivo personagem a ser eliminada do meio politico.

    E CRIAR A CRISE PEDIDA PELO DEPARTAMENTO DE ESTADO

    Geraldo desarma a PRIMEIRA arapuca

    – Renuncia

  7. Sempre foi preferível continuar a servir a senhores em vez de servir à causa dos Palmares. Há que ter uma atitude nova, jaquinzinho! Por ironia do destino, jaquinzinhos são na Metrópole o equivalente às manjubinhas de cá, desta colónia. Cá e lá, filhotes de peixes grandes excepto bacalhau, fritos.

  8. Nunca vi anjo tomando trago de parelhada em bulicho de campanha,nem desfilando enfatiotado em comércio de carreia, ou num jogo de tava. Também não imagino anjo chorando o amor de uma china.
    Anjos são guardiões.
    Ministros do STF também.

    No Templo santo, dedicado a Pátria, o STF é o altar onde repousam as leis, iluminado pela chama sagrada da democracia e rodeado por ministros guardiões compromissados em sacerdócio angelical a defende-las, de quem ousar desafiar esta moral, sendo ela própria a mais severa e única arma, empunhada pelos anjos. E no altar uma inscrição: “Quem guarda lei, não faz lei”.

    Lei é sagrada pelo direito e sagrada pelo dever, de competência da exclusiva soberania popular, direta ou de seus representantes.
    O avanço social não se mede pela qualidade da lei e sim, na intensidade do espírito social em submeter-se a sua própria vontade.

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