Os resultados do plebiscito chileno, no qual se decidiu por imensa maioria (77,27%) que o país deve ter uma nova Constituição e que esta deve ser escrita por constituintes que correspondam ao pensamento atual dos eleitores e posições claras sobre o que ela deve prever (79,07%) são muito mais significativos do que a escolha de governos de esquerda que aquele país já fez.
Que, à base de alianças com o centro, jamais tiveram autonomia e capacidade de reformar a carta pinochetista que ainda rege o país, na qual os direitos sociais puderam ser atropelados e renegados, como ocorreu no caso da privatização da previdência social, que inspira os adeptos do liberalismo selvagem, como o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes.
O que surge agora, com os resultados, representa uma antevisão da quinada à esquerda que o país andino terá, na eleição dos constituintes.
A empresa de pesquisas Cadem, com 43 anos de existência e uma das mais acreditadas do Chile, realizou uma amostragem entre os votantes do plebiscito e revelou que o resultado tem, sim, um perfil político-ideológico bem definido.
Mesmo com as lideranças da direita, a começar pelo presidente Sebastián Piñera se mantendo discretas, para evitar exporem-se à derrota, o minoritário “não” veio de seus eleitores: 68% dos que se declararam de direita votaram contra a redação de uma nova lei nacional e esta opção teve mais da metade (57%) entre os que apoiam o governo de Piñera.
Ao mesmo tempo, entre os que desaprovam o presidente chileno o “sim” teve 82% dos votos. Considerados os eleitores que se declararam de esquerda ou independentes, a aprovação no plebiscito foi de 95% e 87%, respectivamente.
Assim foi, também entre os mais jovens (85% “sim”) e entre os mais pobres, entre os quais a aprovação ficou em maciços 89%, contra 68% entre os da classes médias e altas.
O governo Piñera e o atual congresso chileno tende a ser, de agora em diante, “patos mancos”, expressão que define quem ainda está no poder mas sá não tem poder de mando. É natural que isso se transfira, no campo da legitimidade, aos 155 constituintes que serão eleitos no dia 11 de abril de 2021.
Uma eleição, aliás, com a “cara” dos tempos inclusivos que temos adiante: metade das cadeiras, em cada distrito, pertencerão a mulheres e a Constituinte terá uma representação indígena de 13%, que é a participação dos povos originários na população chilena.
Já são muito fortes os sinas de que a maré política na América Latina virou: Argentina, México, Bolívia e, agora, o Chile apontam para a necessidade de se superarem as pequenas questões e formar um polo popular em nossos países.
Se as cúpulas não o fizerem, como no Chile, o povo acaba fazendo, cedo ou tarde.