Porque as bocas não se calavam, a gente está junto, sempre

 

Será que é possível aos mais jovens acreditar que os tempos já foram outros?

Ontem, a propósito da morte de Leda Viana – outra geração, longe de ser amiga pessoal, mas alguém com que convivi bom tempo- um amigo, jornalista, dedicou a ela sua delicadeza e suas memórias.

Ao seu facebook, nestes tempos em que estamos só, acuados, quase enjaulados em nossas casas, acorreram, rápido, muitos dos que convivemos aqui, uma estranha e múltipla “turma do calçadão” do Brizola: alguns militantes, muitos jornalistas, gente diversa, de pensamentos diversos, de vidas que se separaram à medida em que já não havia mais energia para as esperas de horas, umas frustrantes e outras não.

Mas, principalmente, porque já não havia a quem esperar.

Boa parte destes plantões acabavam em entrevistas longas, conversadas, tantas vezes repetitivas, em que eu punha, insistentemente, a mão sobre o relógio, para sinalizar ao “velho” que já tinha dito o que importava e era bom parar, porque falar muito, frequentemente, é falar demais.

Esperei com eles muitas vezes na calçada, outras na portaria, me desesperei por eles, lá embaixo, enquanto a noção elástica de tempo que Brizola tinha fazia esticar conversas ou arrumar papéis e leituras encartados em pastas anotadas com caneta “pilot”, naquilo que D. Neusa ironizava, dizendo que “maquiava a mesa”.

Houve outras “calçadas”, como a porteira do sítio do Chumbinho, entre Itaipava e Pedro do Rio, onde todos foram esperar que o leão ferido pela derrota de 1989 aparecesse da casa de varanda em arco e de piso vermelho onde lambia suas feridas, daquelas cerâmicas sextavadas tão comuns nos anos 70.

Estamos longe, aquela turma que pensava diferente mas na igualdade da espera falava, divergia, pensava e – talvez só de anos para cá tenhamos descoberto o quanto – aprendíamos a nos amar, porque nos uniam o trabalho e a humanidade.

Por melhores ou piores que fôssemos, nisso tinha um papel a figura do Brizola. Não era fácil, não fugia de uma polêmica, os jornais que ali mandavam seus repórteres não lhe eram amigos e, claro, os intermináveis plantões não eram propriamente algo que deixasse a todos com o melhor dos humores.

Mas havia ali lealdade, franqueza, reconhecimento dos papéis que cada um de nós tinha, como a recordar o gauchismo de que “lenha boa é a que sai faísca”.

Neste tempo em que os governantes mandam os jornalistas calarem a boca, cada um destes reencontros – onde, infeliz e frequentemente, a morte acaba sendo o pivô da reunião – deixa em todos um travo de saudade da juventude, da liberdade, da simplicidade de nossos tênis “Bamba” (na expressão de um amigo) torna impossível não sentir saudade daqueles dias.

E, no fundo, de poder dizer aos mais jovens – jornalistas ou não – que já existiu um tempo onde podíamos ser e pensar diferente sem nos odiar.

Talvez não tenhamos, nós próprios, forças para refazer estes tempos. Mas, de coração, ainda podemos dar barro para os tijolos para erguer uma vida que pode – e meus deus, como é urgente! – não ser um oceano de ódios.

Odiar não é uma condição natural. Puseram-na sobre nós, como uma parede que precisamos demolir.

 

 

Fernando Brito:

View Comments (7)

  • Vamos reduzir tudo isso,sr.Fernando?O ÓDIO DE CLASSES,NASCEU COM A INVENÇÃO DAS CLASSES.O resto,são doces SOFISMAS,do tempo das MOCIDADES QUE SE FORAM.Dizia um velho gaúcho,do tempo da minha infância,ao respeito da morte de rebanhos inteiros ,de ovelhas,nos invernos frios do rincão,MORRE,MAS NASCE!

  • As vezes me pergunto, como pode ter gente que faz do ódio sua bandeira de vida, mesmo sabendo que que vai morrer também, será que vale apena?
    Bolsas familiares e amigos fakes.

  • Comovente foto, ótima a construção da lembrança e especialmente consistente a necessidade de que o espaço de divergência seja civilizado. Recivilizado, reconquistado, reabilitado, re-habitado.

  • Que falta faz Brizola ao país! E temos que entender que se o ódio que foi disseminado no país não é uma coisa natural, então foi criado e espalhado por pessoas ou grupos de interesses determinados. Desmascará-los, denunciá-los e combatê-los é tarefa ingente e urgente, e exige dedicação e determinação brizolianas.

  • O texto me levou a P. Alegre e ao Rio. Trouxe Brizola e sua luta pelo Brasil soberano e pelo povo pobre.
    Trouxe um tempo em que o derrotado até atrapalhava o vitorioso, mas não destruía o país.
    Esta semana voltei a fazer contas para deixar o país, vender a casa, o carro. Fugir de parentes e vizinhos que sei, querem, "metralhar a petezada" ou brizolistas, como eu.
    Meus guris esperam a pandemia refluir na Europa e no EUA e, outra vez, partirão.
    E, desta vez, não direi "que o Brasil é o lugar onde os seus talentos fazem mais falta". Desta vez aceitarão os convites, por mais simples e de segunda linha que sejam para os seus doutorados.

  • O texto me levou a P. Alegre e ao Rio. Trouxe Brizola e sua luta pelo Brasil soberano e pelo povo pobre.
    Trouxe um tempo em que o derrotado até atrapalhava o vitorioso, mas não destruía o país.
    Esta semana voltei a fazer contas para deixar o país, vender a casa, o carro. Fugir de parentes e vizinhos que sei, querem, "metralhar a petezada" ou brizolistas, como eu.
    Meus guris esperam a pandemia refluir na Europa e no EUA e, outra vez, partirão.
    E, desta vez, não direi "que o Brasil é o lugar onde os seus talentos fazem mais falta". Desta vez aceitarão os convites, por mais simples e de segunda linha que sejam para os seus doutorados.

  • O texto me levou a P. Alegre e ao Rio. Trouxe Brizola e sua luta pelo Brasil soberano e pelo povo pobre.
    Trouxe um tempo em que o derrotado até atrapalhava o vitorioso, mas não destruía o país.
    Esta semana voltei a fazer contas para deixar o país, vender a casa, o carro. Fugir de parentes e vizinhos que sei, querem, "metralhar a petezada" ou brizolistas, como eu.
    Meus guris esperam a pandemia refluir na Europa e no EUA e, outra vez, partirão.
    E, desta vez, não direi "que o Brasil é o lugar onde os seus talentos fazem mais falta". Desta vez aceitarão os convites, por mais simples e de segunda linha que sejam para os seus doutorados.

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