A República foi proclamada por um militar, Deodoro da Fonseca.
O tenentismo, embora cheio de contradições, que o fez espalhar-se à direita e à esquerda, foi uma das maiores forças de modernização da vida brasileira.
Um general – depois Marechal – deu a este país as maiores lições de pacifismo e humanidade: Cândido Mariano Rondon, abolicionista, republicano e ele próprio mestiço.
Um general, Henrique Teixeira Lott, foi por duas vezes – na posse de Juscelino Kubitschek e na tentativa de golpe de 1961 – elemento central na defesa da ordem democrática.
A carreira militar, por muitas e muitas décadas foi a mais democrática de todas e, frequentes vezes, a única forma de ascensão de pessoas mestiças, negras e de origem modesta na vida social.
Os militares sempre foram amados e respeitados pelo povo brasileiro.
Aliás, algumas vezes literalmente: muitas das colegas e amigas de minha mãe, no trem das professoras, se apaixonaram por militares com quem dividiam os vagões.
Os anos do regime militar foram mudando isso.
Passamos a temê-los.
Hoje, 50 anos depois do início daquela noite, os militares brasileiros deram seu maior passo para se desvencilharem daquela sombra.
Eu não temo “patrulhas” ao dizer que o Brasil precisa – e muito – de suas Forças Armadas.
Não porque tenhamos ou possamos ter ilusões de que elas pudessem ser capazes de enfrentar uma guerra, nos níveis absurdamente covardes e desiguais que têm hoje as guerras.
Mas porque elas podem representar um elemento de dissuasão eficaz contra apetites sobre nosso território e nossas riquezas.
Porque elas podem e devem ser um elemento impulsionador do nosso avanço tecnológico.
Porque elas podem e devem ser uma força de reserva do país para enfrentar calamidades de todo tipo.
Porque elas podem representar e representam, muitas vezes, o socorro material, médico, humano e milhares de nossos irmãos que estão onde só elas se aventuram a ir.
Mas elas não podem ser, plenamente, tudo isso, se carregarem consigo o tabu daqueles 25 anos.
Um monstro como este Paulo Malhães, que relata, sem um pingo de dor, ter torturado, mutilado, assassinado e profanado cadáveres não representa os militares brasileiros. E muito menos os representa hoje.
O Ministro Celso Amorim e os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica merecem o aplauso de todos, neste momento, por terem tomado a iniciativa das sindicâncias sobre o uso de instalações militares como câmaras de torturas.
Como elas serão feitas e até que ponto irão é outra questão, que a dinâmica dos fatos, a seu tempo, irá revelar.
As instituições, como as pessoas, só avançam para o futuro quando assumem seu passado, não quando os encobrem, enrustem, negam e falseiam.
Ninguém pense que os que buscamos a verdade e a revelação dos crimes nos animamos com vinganças pessoais, ainda mais contra gente que hoje anda pelos 80 anos.
Mas queremos que nossas instituições judiciais e militares digam; não, isso não pode ser tolerado nem mesmo no passado e não será.
Para que saibamos que não será tolerado no futuro.
Para que possamos, afinal, dizer: nunca mais.
16 respostas
Me tire uma dúvida, Fernando Brito. Há um projeto em tramitação no Congresso que institui o regime de cotas para o Negro ingressar no Serviço Público. minha dúvida é: vale para a carreira militar, pois sei que nas AMANs, Escolas Navais e AFAs da vida é muito difícil de se ver um negro ingressando. O que acontece? A mesma coisa no Instituto Rio Branco. seriam os últimos bastiões do elitismo ou são imunes à democratização da sociedade brasileira? Será que tem como mudar este quadro? Não é causa pessoal, apenas uma revolta democrática! Se este projeto não valer para isto, que se faça um novo ou que se emende este; daria tempo?
Prezado,
Nas carreiras militares, principalmente no oficialato, não posso informar. O MRE instituiu uma bolsa de estudos para que negros possam se preparar para ingressar na carreira diplomática. Isso já é uma política adotada pelo MRE já há algum tempo. Passou na câmara o projeto de lei que cria cotas para negros nso concursos público. A Prefeitura do Rio de Janeiro já adota tal regra em seus concursos e a Prefeitura de Salvador caminha para a implatação de sua política de cotas também.
MAS…cadeia para os torturadores e mentores.
Cartazes com suas fotos, TORTURADORES..
Não adianta adoçar meu sangue…agora não!!!
Forte. Muito forte
Tb. tenho a esperança que um lampejo de razão tenha iluminado nossos militares para encaminhá-los para uma faxina do passado e resgatar tudo de bom que muitos homens e mulheres das FFAA tem para dar ao país em termos de defesa do território e do regime democrático.
Conheco bem a cultura militar pois trabalhei com um sr que era cel em uma estatal,sempre conversavamos sobre troca de esperiencias civil-militares,inclusive me dizia para nunca cumprir ordens absurdas pois poderia responder por desmandos enfim e que coisas que estavam acontecendo nos poroes nao eram constituidos nos regulamentos do exercito e nem na constituicao,acho wue se tem que profissionalizar o exercito transformando em academias militares de formacao de jovens e resto e’ balela.
Touché !
Cuidado!
Cautela e caldo de galinha não faz mal a ninguém.
Bacana ver o lado positivo das forçar armadas, afinal ela é de relevância estratégica inquestionável. exército, marinha e aeronáutica ja têm um ‘inimigo’ em comum com o governo que são as outras nações. aqui dentro, com os ‘familiares’ deles, eles têm que ser totalmente pacíficos. mas nossa soberania infelizmente, precisa ser mantida com armas, caças, navios e submarinos. é ruim para os 2 lados um desentendimento incentivado por fascistas, adoradores do ódio e da discórdia que vendem sua alma por alguns miseráveis dólares.
muito bom; é realmente isso ai.
De pleno acordo. Mais um texto, sereno e firme, do Fernando Brito. Sds.
A começar pelos militares da polícia.
Alguns dali têm na figura de Paulo Malhães um exemplo, só pode.
Eu sou contra a prisão destes senhores, mas penso que deveriam ser multados, e essa multa servir para pelo menos cobrir uma parte dos gastos que o governo tem com as indenizações pagas aos que foram torturados.
Minha preocupação é com a criação de instrumentos populares que impossibilitem uma nova quartelada. Isso passa por treinar e armar a população civil e criação meios alternativos de comunicação.
Absolutamente imprescindível também a mudança das urnas eletrônicas para possibilitar a recontagem de votos.
O SBT, por incrível que pareça, tem feito esta semana reportagens revelando algumas das atrocidades cometidas pela ditadura militar contra o povo brasileiro.
O sadismo, a brutalidade e a loucura, estimulada pelo governo, dos agentes da repressão (gente paga com o dinheiro dos impostos dos brasileiros) chegou ao ponto de se cometerem as piores barbaridades contra indígenas, pessoas que nem sabiam por que estavam sendo atacadas. Chegaram a contaminá-los com doenças contagiosas. Índios foram torturados e assassinados. O objetivo era exterminá-los. E somente agora, muitas décadas depois, é que esses fatos vieram a público.
http://tvuol.uol.com.br/video/indios-lembram-torturas-e-mortes-promovidas-por-militares-em-aldeia-de-mg-04028C9A3970DCC94326?types=A&
Não podemos esquecer o grande numeros de militares que pagaram um preço altissimo por horarem o juramento feito à nossa bandeira. A lista dos cassados pelos parias golpistas foi enorme. E’ lista que começa com almirantes, generais e brigadeiros até chegar aos praças das tres Armas — Homens de extraordinária envergadura moral e profissional serviram nas nossas FFAA. Dois deles: Luis Carlos Prestes e Gregorio Bezerra. Disse Bezerra numa entrevista: «Prender e torturar preso político sempre aconteceu no Brasil. Infelizmente. Durante o Estado Novo houve muita morte e tortura. Era um Estado fascista. No Rio, comandava a violencia o chefe de polícia, Filinto Muller. Em Pernambuco era o Malvino Reis Neto. Ambos fascistas notórios. Nos demais Estados também não era facil. Entretanto, prender, torturar e matar presos politicos era uma prática exclusiva da polícia. Exército, Marinha e Aeronáutica não se desmoralizavam com ações indignas, obcenas. Não foi pequeno o número de pessoas trucidadas pelo terrorismo policial no Brasil. Mas não tenho a menor dúvida em dizer que, de 1964 pra cá, o terror repressivo foi várias vezes pior. Elementos das FFAA disputaram o privilégio de prender, seviciar e matar numa concorrencia macabra com a polícia política, ao contrário do que ocorria no Estado Novo. Grande parte dos quartéis foi transformada em camaras de tortura. Muitos, nas FFAA, não parteciparam nem aprovaram a repressão fascista. Sei de muitos comandantes que se negaram a praticar esses crimes. Mas é um fato que o atributo macabro da polícia política do Estado Novo foi disputado, repito, palmo a palmo, passo a passo, dia e noite. Todas as forças repressivas concorriam numa acirrada disputa criminosa: quem prendia mais, quem torturava mais, quem sabia matar mais e melhor nas sessões de tortura.»
Que texto excelente, Fernando! Eu sempre pensei isso também: o Brasil precisa fazer as pazes com o seu povo e o povo com o exército.
O poder de lavagem cerebral das elites sempre tratou de opor o povo ao exército, quando na verdade esses deveriam estar lado a lado, já que o exército é composto pelo próprio povo.