Serge Tchakhotine, autor de “Mistificação das Massas pela Propaganda Política” – obra clássica sobre o nazismo, traduzida no Brasil por Miguel Arraes – atribui, com toda razão, a derrota de Hitler a sua decisão de, com o domínio da Europa continental praticamente consolidado , lançar a ofensiva contra a União Soviética, com que mantinha um acordo de paz, o pacto Ribbentrop-Molotov, de 1939. E explica o motivo:
O nazismo – como os fascismos em geral – sobrevive em estado de excitação permanente, na qual sustenta o risco de ameaça externa, difusa, imaginária – no caso, a conspiração judaica e sua articulação íntima com o espectro do comunismo. O inimigo deve ser astuto e indestrutível, assumindo as formas mais odiosas e as estratégias mais infames.
O objetivo disso não é apenas ideológico; tem também, e essencialmente, sentido prático: a economia convertida para a guerra depende de guerra para se autoalimentar e justificar-se. O regime obtém sustentação econômica do empreendimento militar, da mobilização que propicia e dos empregos que gera.
A propaganda, assim, é mais que discurso, a essência do poder.
A excitação bélica, escreve Tchakhotine, pode ser sustentada algum tempo pelo uso de meios simbólicos, como demonstrações de força, pogroms, paradas espetaculares, filmes de ação e fantasias que lembram o passado heroico. Mas, o povo se distrai quando a calma se prolonga; a indústria perde o ritmo; a agitação e as divisões no grupo dominante se acentuam; a imagem projetada pela publicidade parece cada vez mais diluídas e falsa.
É, então, forçoso retomar a ofensiva, inventar novo desafio real, novas riquezas a pilhar, novas instalações que custará caro destruir e reconstruir depois, mantendo aquecida e motivada a máquina produtiva. Por mais arriscado e injustificável que seja, é um meio de sobrevivência.
No caso da Alemanha, a sensação de “normalidade” no império nazista, com a cessação dos combates, os aliados contidos além do Canal da Mancha, coincidiu com a redução do embalo industrial, a crise de comando nas tropas sob o comando de Rommel, na África, e o atentado contra o Fürher.
Abrir a frente oriental, espalhando o exército por uma linha de combate que ia do gelo ártico ao calor mediterrâneo era o único recurso para manter a coesão, abafar a comoção, contentar os investidores e justificar a repressão de dissidentes.
Acho que essa história se aplica bem ao que se vê agora: o Ocidente, mergulhado em recessão que não termina e enfrentando contestações por toda parte – à direita, à esquerda e, pior, a da generalizada desesperança – sente-se compelido a desafiar a Rússia e todos mais que, na Terra, se propõem confrontar o seu império.
Aí, justamente, mora o perigo.